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Debêntures incentivadas podem custar R$ 60 bilhões ao Tesouro, diz Rogério Ceron

Secretário do Tesouro afirma que os títulos isentos de impostos prejudicam o governo, ao mesmo tempo que oferecem pouca ajuda ao setor privado

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Os cofres do governo perdem cerca de R$ 60 bilhões por ano devido à forte concorrência imposta por debêntures incentivadas isentas de impostos a títulos da dívida pública atrelados à inflação, segundo o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, em entrevista.

Embora reconheça a dificuldade em calcular exatamente o impacto dessas emissões de dívidas de empresas para as contas públicas e tenha feito a ressalva de que este não é um número oficial, o secretário estimou que o governo desembolsaria cerca de R$ 40 bilhões de reais em juros extras para atrair investidores que optam por dívidas de empresas com regime de isenção fiscal atrelado a projetos de infraestrutura.

Para piorar a situação, as contas públicas sofreriam uma perda adicional de R$ 20 bilhões por ano em receita devido aos impostos não arrecadados com esse tipo de título, que vem ganhando popularidade entre os investidores.

“Tem uma correlação clara entre o aumento da emissão de debêntures de infraestrutura isentas de impostos e os custos para o Tesouro”, declarou Ceron, em seu gabinete em Brasília.

A questão fiscal está no foco das atenções do mercado, enquanto o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva implementa novos programas sociais que visam às eleições gerais do ano que vem. O aumento das despesas intensifica o ceticismo em relação à meta do governo de registrar um superávit primário — que exclui o pagamento de juros da dívida — em 2026.

O governo vem buscando reduzir gastos tributários, como são chamadas as renúncias de receitas, e aumentar a taxação do setor financeiro para ajudar a fechar as contas.

Nesse contexto, os títulos isentos de impostos prejudicam o governo, ao mesmo tempo que oferecem pouca ajuda ao setor privado, afirmou Ceron.

As empresas podem se beneficiar do incentivo no curto prazo, ele reconhece. Mas, ao buscarem crédito em instituições como o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, pagarão uma taxa de juros atrelada aos títulos federais de 5 anos, que estão em alta, explicou ele.

“Para o beneficiário, não é uma grande vantagem, porque ele só consegue a isenção e continua pagando um valor mais alto devido à taxa de juros de longo prazo utilizada pelo BNDES”, disse Ceron, sobre o banco de desenvolvimento do país.

Segundo dados da Anbima, debêntures incentivadas de Petrobras e Vale emitidas recentemente exibem taxas indicativas no mercado secundário abaixo das taxas de NTN-B de vencimento similar, o que sugere que essas empresas têm a possibilidade de captar recursos junto ao mercado com juros menores do que o governo.

As emissões de debêntures incentivadas somaram R$ 113,6 bilhões no acumulado do ano até setembro, de acordo com a Anbima. Em 2024, essas emissões alcançaram R$ 135,1 bilhões, sendo que em 2022 respondiam por apenas R$ 41,1 bilhões.

Já o patrimônio líquido dos fundos de crédito de infraestrutura, que compram debêntures incentivadas, passou de R$ 51,1 bilhões em 2022 para R$ 316,8 bilhões em setembro de 2025, de acordo com a entidade.

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O governo já havia apresentado ao Congresso uma proposta para acabar com a isenção fiscal desses títulos, disse Ceron, argumentando que a medida corrigiria uma distorção e ajudaria a arrecadar os recursos necessários para equilibrar o orçamento. Mas a resistência dos parlamentares foi tão forte que o projeto perdeu a validade sem sequer ser votado.

Agora, Ceron afirma que é imprescindível retomar o debate. “Não nego que a isenção tenha um efeito sobre a economia real, o que é importante e estrutural”, disse ele. “Mas é preciso equilibrar com esses aspectos negativos para que o resultado geral seja positivo.”

Ceron tem um aliado poderoso no ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga. O economista, formado pela Universidade de Princeton, defende o fim imediato das isenções fiscais sobre instrumentos financeiros emitidos pelos setores agrícola, imobiliário e de infraestrutura do Brasil — incluindo as chamados LCAs, LCIs, CRAs e debêntures privadas.

Fraga argumenta que esses títulos permitem que as empresas arrecadem fundos a um custo menor do que o próprio governo federal — uma distorção que, silenciosamente, se transformou em um privilégio custoso.

“Claramente esse subsídio não faz o menor sentido. Sua eliminação reduziria o custo de captação do Tesouro e daria um sinal à sociedade de que políticas de má qualidade como essas isenções não serão mais toleradas”, disse Fraga em artigo publicado no Globo no dia 12 de outubro.

Denis Ferrari, gestor de renda fixa da Kinea Investimentos, concorda que o trabalho do Tesouro é atrapalhado pelo grande volume de emissão de debêntures incentivadas. “Cada vez mais, esses fundos de renda fixa incentivada têm mais dinheiro e, consequentemente, resultam em menor demanda” pelas NTN-B, disse Ferrari.

O Tesouro está preparado para a volatilidade de mercado com um colchão de liquidez suficiente, que hoje cobre mais de nove meses de vencimentos da dívida, afirmou Ceron. Ele destacou que esse é um nível confortável, especialmente considerando o ano eleitoral de 2026.

“Esse colchão já deixa o mercado tranquilo de saber que não haverá problemas ou pressão para rolar um volume grande de dívida”, disse ele.

Ele espera que os investidores demonstrem maior demanda por títulos de renda fixa no início do próximo ano, um movimento que ele considera natural dada a expectativa de que o Banco Central comece a reduzir a taxa Selic no início do ano que vem. Hoje, o juro básico está em 15%, o seu nível mais alto em quase duas décadas.

Ceron afirmou que não há sinais de forte saída de capital nos próximos meses devido justamente ao nível atrativo de juros, que seguem mais altos do que os de outros países.

“Não vejo isso acontecendo”, disse ele. “Pode haver até alguma saída de divisas devido ao pagamento de dividendos, mas ela pode ser absorvida.”

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