“As stablecoins evoluíram de ferramentas de trading de criptomoedas para uma infraestrutura fundamental que impulsiona um novo espaço de empréstimos que cresceu rapidamente no último ano, processando mais de meio trilhão em empréstimos até o momento”, disse a gigante dos pagamentos, que é a 17ª maior empresa do mundo em valor de mercado.
Como as stablecoins podem fazer toda essa revolução? Vamos por partes!
O funcionamento do empréstimo na blockchain
As pessoas que têm stablecoins, como USDC ou USDT, podem emprestar essas moedas para outras pessoas. Para isso, elas colocam essas criptos em plataformas de empréstimos construídas em blockchain – o sistema que dá suporte às criptomoedas. Alguns exemplos de protocolos que oferecem esse “serviço” são Aave, Compound e MakerDAO. Em troca, elas ganham juros – é como se fosse uma poupança digital.
Do outro lado, há quem precise de stablecoin emprestada por algum motivo – mandar para o exterior, fazer trade ou qualquer outro motivo. Para pegar essa cripto, essa pessoa precisa deixar garantias (chamada também de colateral), que normalmente são criptomoedas, como bitcoin (BTC), ethereum (ETH) ou alguma outra altcoin.
Todos os passos são automatizados por smart contracts (espécie de algoritmo de computador que se autoexecuta assim que certas condições são atendidas). São eles que calculam juros, monitoram garantias e realizam liquidação se o valor do colateral cair. Ou seja, não há necessidade de um banco ou intermediário para garantir o pagamento.
24 horas e crescimento acelerado
O pessoal da Visa está impressionado com todo esse mercado por vários motivos. O primeiro é que funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana – ou seja, não fecha. Se alguém precisar de stablecoin no domingo, à meia-noite, consegue.
O segundo é que esse setor cresce de maneira acelerada. Segundo dados levantados pela gigante de pagamentos, o mercado global de empréstimos on-chain (na blockchain) atingiu US$ 51,7 bilhões em volume mensal com mais de 81.000 tomadores ativos. Nos últimos cinco anos, foram US$ 670 bilhões de empréstimos por meio dessas criptos.
Há também o risco ligado à garantia. No sistema tradicional, o banco avalia o crédito do tomador e firma contratos legais. Já no mercado cripto, isso é feito de forma automática por meio dos tais contratos inteligentes.
“O empréstimo on-chain pode reduzir esse risco específico através da liquidação automatizada – o protocolo não precisa confiar na vontade do mutuário de pagar, mas sim confia no código do contrato inteligente para fazer cumprir os termos do empréstimo”, disse a Visa.
Juros mais baixos
E tem a questão dos juros também. Segundo dados da própria Visa, quem pega emprestado stablecoins nessas plataformas precisa pagar um juros de 6,4% ao ano. Já quem empresta essas criptos ganha, em média, 4,8% ao ano. Isso dá um spread (a diferença entre o que se paga e o que se ganha) de apenas 1,6%.
No Brasil, as taxas do crédito pessoal consignado privado (aquele que é direcionado a trabalhadores no regime CLT e com desconto diretamente do contracheque; portanto, com uma garantia do salário) variam entre 25,66% e 54,22% ao ano nos cinco maiores bancos do Brasil, segundo dados de outubro do Banco Central. Já quando você empresta grana para a instituição financeira via Certificado de Depósito Bancário (CDB) a 100% do CDI, por exemplo, você pode ganhar quase 15% ao ano (bruto), por causa dos juros. O spread aí varia entre 10% e 39,22%, portanto.
As stablecoins mais emprestadas
As stablecoins mais usadas para empréstimos são a USDT, emitida pela Tether, e a USDC, da Circle. Como são atreladas à moeda americana, elas recebem o nome carinhoso de “criptodólar” ou “dólar digital” (como você preferir). Juntas, essas duas gigantes têm um valor de mercado de US$ 214 bilhões – três vezes o valor do Itaú Unibanco.
Como emprestar stablecoin e como pegar emprestado?
É um pouco complicado, mas nada que uma dose de prática não resolva. A explicação será dada considerando a plataforma Aave, que é uma das maiores nesse segmento de empréstimos atualmente.
Mas, antes de entrar no Aave, você precisa, primeiramente, ter uma carteira cripto (como se fosse uma carteira virtual), que funciona no celular, por exemplo. As mais conhecidas do mercado são a MetaMask e a Coinbase Wallet (basta pesquisar no Google). Agora, vamos ao passo a passo.
Como emprestar:
Após instalar sua carteira, você precisa enviar stablecoins para ela – para isso, basta comprar em uma exchange tradicional ou banco digital e fazer a transferência. Em seguida, é preciso acessar o site oficial da Aave, conectar a carteira (em um processo conhecido como connecting wallet) e depositar as stablecoins lá dentro, para que elas sejam emprestadas por quem precisa. Uma vez depositada, sua stablecoin gera juros automaticamente, que aparecem na sua conta.
Como pegar emprestado:
O passo a passo é semelhante. Você precisa conectar sua carteira ao Aave e depositar uma garantia (como ethereum, por exemplo). Normalmente, é preciso colocar lá uma quantia maior do que o total que você deseja emprestar. Depois disso, é só pegar a stablecoin que você deseja (USDT, USDC etc). No final, para recuperar sua garantia, você precisa pagar o valor emprestado acrescido de juros.
No relatório, a Visa disse que está “fascinada com o potencial das stablecoins como dinheiro programável e com a forma como os contratos inteligentes podem modernizar a concessão de crédito, ao mesmo tempo que aumentam o acesso global a ele”. Disse ainda que “essas tecnologias criam oportunidades significativas para que os bancos expandam seus negócios principais e atendam melhor aos clientes”.
E os riscos?
A narrativa sobre os empréstimos via stablecoins parece, de fato, linda e maravilhosa: juros baixos, automatização e acesso 24/7. No entanto, como em qualquer inovação financeira de alto rendimento, essa promessa vem acompanhada de riscos significativos que não podem ser ignorados. O cenário não é tão simples quanto parece.
A premissa central desse mercado é a confiança em smart contracts. O problema é que esses contratos são códigos de computador escritos por humanos – e nós cometemos erros, claro. Uma linha de código mal escrita, portanto, pode ser como deixar a chave do cofre sob o tapete para que hackers explorem. Em 2023, por exemplo, uma versão antiga da própria Aave foi atacada, resultando em uma perda de US$ 11 milhões.
Outro ponto é o impacto da volatilidade nas garantias dadas para o empréstimo (as criptomoedas). Se ocorrer uma queda brusca de preço, como normalmente acontece no mercado cripto, os smart contracts não terão piedade e liquidarão automaticamente a posição para garantir que o empréstimo seja coberto. Na prática, isso significa que o protocolo venderá parte ou toda a garantia do usuário para quitar a dívida. É ideal que os interessados levem consideração todos esses riscos.
