Empresas rejeitam mudanças no Novo Mercado. O que sobrou para você?

Em votação com 152 empresas, todas as 25 propostas de mudanças de regulamento foram rejeitadas

Depois de mais de um ano de discussões, a maioria das empresas listadas no Novo Mercado da B3 rejeitou todas as 25 propostas de alteração das regras do segmento. É um sintoma de um debate bastante desgastado, em que a queda de braço entre as companhias e a Bolsa de Valores expõe a dificuldade de dar novos passos na defesa dos acionistas minoritários – no caso, você. Mas isso faz alguma diferença?

O Novo Mercado é o segmento de listagem da B3 que reúne as companhias com o mais alto grau de governança e transparência corporativa, com estruturas mais rígidas de fiscalização e controles internos e com regras societárias que protegem os direitos dos acionistas, sobretudo os minoritários. Ou, ao menos, é ao que se propõe.

A reforma proposta pela B3 queria dar mais um passo na evolução das regras do segmento, em um processo que ficou ainda mais urgente após a caso Lojas Americanas, envolvida em um escândalo de demonstrações financeiras fraudulentas em 2023. À época, pasme, a companhia fazia parte do Novo Mercado.

Essa foi a sexta revisão das normas do segmento desde a sua criação, em 2000. Assim como dessa vez, as outras propostas de reforma do segmento foram marcadas por divergências. Das 190 companhias do Novo Mercado, 152 participaram da votação agora e 74 rejeitaram todas as propostas (confira detalhes abaixo). Para aprovar as novas regras, a oposição não pode passar de um terço dos participantes (63, no caso).

O conselho de administração das empresas foi o principal alvo das mudanças pretendidas pela B3. A primeira sugestão foi a exigência de que pelo menos 30% do conselho de administração fosse formado por membros independentes — hoje, esse mínimo é de 20%, ou dois membros, o que for maior.

É o conselho de administração que zela pela boa gestão de uma empresa. É um colegiado que define desde a estratégia corporativa, aprovando grandes aquisições ou desinvestimentos (salvo quando a lei exige uma assembleia de acionistas), até a escolha e fiscalização do CEO e da diretoria. Um colegiado com membros independentes garante a defesa dos interesses dos minoritários e evita que a companhia tome rumos que favoreçam somente controladores.

Um exemplo: no caso de um aumento de capital. Pense na seguinte situação: uma empresa propõe uma emissão de ações com preço bem abaixo ao que é negociado no mercado e, usando prerrogativas legais, suprime o direito de preferência – mecanismo que permite aos atuais acionistas subscrever os novos papéis antes de terceiros. Um aumento de capital sem isso provoca uma diluição do minoritário, deixando o controlador com ainda mais poder.

Um conselho formado apenas pelo grupo de controle poderia aprovar o tema rapidamente, sem questionamentos. Com membros independentes, a conversa muda de figura. Caberá a eles exigir justificativas para o desconto, um laudo de avaliação independente e uma distribuição aberta, ou até levar o tema à assembleia de acionistas, onde o minoritário pode exercer seu voto.

Na esteira dessa proposta, a B3 também queria impedir que uma mesma pessoa acumulasse cargos em mais de 5 conselhos ao mesmo tempo, o chamado overboarding. A ideia era evitar conflitos de interesse e garantir mais dedicação ao cargo. A proposta dizia ainda que um conselheiro há mais de 10 anos na empresa não poderia mais ser considerado independente.

“Essa é uma reforma atrasada e tímida, e mesmo assim não conseguiu ter nenhum tema aprovado”, critica Alexandre Di Miceli, fundador da Virtuous Company Educação Executiva e especialista em governança corporativa.

O argumento de Di Miceli encontra amparo no exterior. Ele conta que muitas propostas da B3 já são consenso internacional, além de serem bem mais rígidas. “Já é consagrado, por exemplo, que não se pode estar em mais de cinco conselhos ao mesmo tempo”, diz. “Há 20 anos já se fala que a maioria do conselho precisa ser de membros independentes.”

De fato, esse já é o caso no mercado financeiro dos EUA, tanto na Bolsa de Valores de Nova York (Nyse, na sigla em inglês), quanto na Nasdaq. Entre os exemplos está também o Japão: a Bolsa de Tóquio exige pelo menos um terço de vagas para os independentes.

Marcado com ferro e fogo

Outra proposta importante e que encontrou resistência das empresas foi a criação de um alerta público, batizado de “Novo Mercado Alerta”. Ele seria adotado sempre que uma empresa estivesse fora das condições mínimas esperadas para o segmento de listagem, como no caso de uma recuperação judicial, erro material no balanço ou atraso na divulgação de resultados.

O selo tem um efeito um tanto quanto inócuo, já que qualquer uma das situações acima deve ser comunicada à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e é rapidamente divulgada pela mídia. De todo modo, o intuito da B3 era ser mais tempestiva em colocar a empresa “de castigo” e avisar o investidor sobre uma irregularidade tão logo ela viesse a público – como aconteceu com a Americanas.

É com essa mesma preocupação em vista que uma das regras também propunha a obrigatoriedade de que o CEO e o CFO (diretor financeiro) assinassem as Demonstrações Financeiras (DFs). Esse é um papel do auditor, mas a B3 queria estabelecer uma regra para assegurar a veracidade das informações. As empresas reclamaram, alegando que os diretores já assumem essa posição quando os balanços são divulgados.

Com essa e outras rusgas no caminho, sobrou para o investidor fazer por conta própria a sua pesquisa sobre a qualidade das informações financeiras publicadas e sobre os direitos que cada empresa assegura aos seus minoritários – independentemente delas estarem dentro ou fora do Novo Mercado. Gestores que acompanharam todo o processo da reforma do segmento destacam que há empresas com bons padrões de governança fora dele, como é o caso de Bradesco e Itaú.

Confira as propostas de mudança no Novo Mercado:

PropostaO que significa
OverboardingEvitar que um mesmo conselheiro participe de mais de 5 conselhos ao mesmo tempo.
Limite de mandatos para independentesLimitar a 10 anos o tempo de ocupação de um cargo de conselheiro independente, garantindo renovação.
Mínimo de independentesEstabelecer um mínimo de 30% de conselheiros independentes nas empresas.
Flexibilização da Câmara de ArbitragemPermitir regras mais flexíveis para resolver disputas entre acionistas e empresas fora do sistema judiciário comum.
Dosimetria das penalidadesDefinir melhor as punições de acordo com a gravidade de cada erro cometido pelas empresas.
Comitê de Auditoria Estatutário (CAE)Define a obrigatoriedade de um comitê estatutário responsável por acompanhar a auditoria das finanças.
Encontros trimestrais entre o CAE e o auditor independenteGarantir que o comitê e o auditor externo se reúnam regularmente para analisar a situação da empresa.
Obrigação de lavratura de ata pelo CAEExigir que as reuniões do comitê tenham atas registradas e documentadas formalmente.
Composição do CAEDefinir regras sobre quem pode fazer parte do comitê de auditoria das empresas, evitando que pessoas ligadas à diretoria façam parte dele.
Possibilidade de divulgação de instauração de processo sancionadorDeterminar que a empresa informe publicamente quando um processo de investigação for iniciado.
Possibilidade de absorção de atividades do CAE pelo Comitê de RiscosTransferir parte das responsabilidades de controle do comitê de auditoria para o comitê de riscos.
Previsão expressa de adesão ao NMDeixar claro no regulamento que a empresa aceita as regras do Novo Mercado.
Possibilidade de um único canal de denúnciasUnificar os canais de denúncias em um só lugar para facilitar o acompanhamento e resposta.
Divulgação de denúnciasObrigar que a empresa divulgue publicamente informações sobre denúncias recebidas e tratadas.
Possibilidade de prorrogação de prazo para defesa e recursoPermitir que as empresas tenham um prazo maior para se defender em processos de punição.
Regras de liquidezEstabelecer que a empresa deve manter um mínimo de 20% de ações em circulação em relação ao capital social.
Critérios de independênciaAjustar os critérios que definem quem pode ser considerado um conselheiro independente, evitando que o fundador da empresa ou pessoa com grande influência assuma esse cargo.
Acumulação de cargosEvitar que uma mesma pessoa acumule o cargo de presidente do conselho e diretor-presidente da companhia.
Mudança do nome do Regulamento de EmissoresAtualizar o nome do regulamento para refletir melhor seu conteúdo e objetivos.
Novo Mercado AlertaCriar um selo que mostre ao mercado mudanças importantes no status da empresa em relação a irregularidades.
Confiabilidade das DFsExigir que as empresas comprovem que suas demonstrações financeiras são confiáveis e corretas, com assinatura do CEO e CFO no documento.
Fonte: B3
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