O resgate dos fundos de ações soma R$ 52,8 bilhões até outubro. Se o ano acabasse hoje, já seria a maior retirada da série histórica da Anbima – a entidade reguladora faz essa contabilidade desde 2006. Como os dados da indústria de fundos têm uma defasagem de 30 dias – sempre que há resgates, a maioria leva 30 dias para devolver os recursos aos investidores –, essa fotografia pode mudar até o fim do ano.
Mas existe outro cômputo também, o da B3. E ele mostra que novembro, mês em que a bolsa viveu gordos 7,7% de alta, os brasileiros seguiram em fuga.
A bolsa mede as entradas e saídas todos os dias. E detectou que os investidores individuais e institucionais reduziram suas posições em novembro. Os resgates dos institucionais (bancos e fundos) já somam quase R$ 50 bilhões no ano.
De outro lado, os gringos voltaram a aportar dinheiro nas ações em novembro, injetando R$ 2,5 bilhões. No ano, o saldo é positivo em R$ 28 bilhões. Desde 2020, enquanto o varejo foi perdendo espaço na bolsa, foi esse grande grupo de investidores que tomou espaço: em cinco anos, o estrangeiro foi de 47% de participação nos negócios para 59%. O contraste é evidente.
Todo esse movimento significa que os investidores locais ainda não estão tão animados com a renda variável, mesmo com a bolsa batendo recorde atrás de recorde. Ou seja: o investidor de varejo está perdendo o rali da bolsa.
Então, a culpa é de quem? Dela mesma: a Selic de 15%, a maior em 19 anos.
O que está por trás desse comportamento
Com o juro básico na estratosfera, os ganhos na renda fixa ainda são grandes o bastante para reter o investidor brasileiro, que não vê motivos para se arriscar mais. O de varejo, pessoa física, chegou a representar 21,4% do volume da bolsa quando a Selic estava em 2%, em 2020; agora, a participação não chega a 12%.
Embora a aposta de cortes nos juros a partir de 2026 venha ganhando força nas mesas de operação, gestores avaliam que isso ainda não é suficiente para fazer o fluxo mudar. É preciso que o BC de fato comece o ciclo de queda da Selic ou traga indicativos mais claros nessa direção.
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Pedro Rudge, diretor da Anbima, também nota que a reentrada de investidores locais na bolsa tende a ter um atraso natural, sobretudo por causa da distorção no mercado provocada pelos produtos isentos de IR – caso das LCI’s, LCA’s e debêntures incentivadas.
As ações estão caras?
Existem dois cenários com os quais os gestores ouvidos pelo InvestNews trabalham. O primeiro ponto é em relação ao chamado P/L da bolsa. O P/L significa o preço somado de todas as ações da bolsa dividido pelo lucro que as empresas ali deram nos últimos 12 meses.
Também existe o “P/L projetado” – que pega o preço das ações e divide pelo lucro que espera das empresas para os próximos 12 meses. Tanto um como o outro são ferramentas úteis para avaliar o quanto um índice está barato ou caro em relação à sua média histórica.
Nos cálculos do BTG Pactual, mesmo após o forte desempenho em 2025, as ações brasileiras ainda estão baratas pelo critério do P/L projetado. Excluindo a Petrobras e a Vale, o P/L da bolsa está em 10,4, abaixo da média histórica de 11,9. Se contar as duas gigantes, nas contas do banco, o P/L é ainda menor, de 8,9.
E a chegada de 2026 também representa um importante ponto para as empresas de capital aberto – e para os investidores que, no fim das contas, estiverem com ações em carteira. O corte da Selic a partir do ano que vem deve impulsionar ainda mais os lucros das empresas, sobretudo as mais endividadas. É mais um motivo a estimular a procura pela renda variável.
O fluxo estrangeiro deve continuar?
O fluxo de recursos estrangeiros tem tudo para seguir, ao menos nos próximos meses, diante da procura por mercados mais atraentes em um contexto de juros menores nos Estados Unidos, a grande bússola do dinheiro no mundo.
Os juros americanos começaram 2025 na banda de 4,25% a 4,50% ao ano e deve terminar dezembro entre 3,50% e 3,75% ao ano. Se o mercado de renda fixa nos EUA está pagando menos, é natural que uma parte do dinheiro migre para ativos de risco no mundo em busca de maior retorno.
É isso que vem impulsionando não só a bolsa local, como também diversos outros emergentes e países da América Latina, com México, Colômbia e Chile entre os destaques. O iShares MSCI Emerging Markets, o principal ETF (fundo negociado na bolsa americana) de ações emergentes, sobe 29% no ano até agora.
A bolsa brasileira remunerou muito bem os investidores estrangeiros: como o real valoriza com força no ano, o Ibovespa em dólar sobe mais de 50%. E isso sem considerar que, para atingir o recorde na moeda americana, o índice ainda precisa subir bem mais, para 238 mil pontos. Quer dizer: espaço para ganhos, do ponto de vista gringo, não falta. Se ele virá ou não, é outra história.
