Euforia com prazo de validade: os riscos que rondam a alta do S&P 500

Índice que reúne o desempenho das 500 maiores empresas americanas enfrenta riscos de interromper o ciclo de altas

Nos últimos meses, o otimismo com os retornos do S&P 500 – das 500 maiores ações americanas – se consolidou quase como um consenso entre participantes do mercado, com o índice batendo recorde atrás de recorde. Agora, porém, as coisas mudaram, e até os mais otimistas estão atentos a uma lista crescente de questões que podem acabar com a festa.

Vários fatores estão no radar: o “esgotamento” do tema da inteligência artificial, os danos acumulados da guerra comercial do presidente Donald Trump, o aumento das dívidas públicas e a fragilidade do mercado de trabalho. “Todas as novas máximas são positivas, exceto a última”, disse Sam Stovall, estrategista-chefe de investimentos da casa de análise CFRA.

Na última semana, estrategistas do Deutsche Bank, Barclays, Wells Fargo, US Bank e Yardeni Research elevaram suas metas de preço para o S&P 500. Em seguida, Goldman Sachs e Morgan Stanley também publicaram projeções otimistas para 2026, com a expectativa de que os cortes de juros do Federal Reserve (Fed, o BC americano) impulsionem ainda mais o desempenho.

Mas é exatamente esse excesso de otimismo que pode, por si só, representar um risco. Muitos em Wall Street destacam essas preocupações como os fatores de risco mais presentes nos prospectos das diversas ofertas públicas iniciais (IPOs) lançadas recentemente.

Segundo Dennis DeBusschere, presidente e estrategista-chefe da empresa de análise 22V Research, os mercados vêm sendo tomados por um “rali de tudo” – com todas as ações em alta, praticamente – nas últimas 12 semanas.

O alerta vem justamente daí, já que essa performance tão abrangente é extremamente rara. “É atípico que os indicadores estejam tão inclinados ao risco em qualquer cenário econômico”, atesta.

Até onde vai o impulso da inteligência artificial?

Nos últimos anos, o principal risco percebido em relação à inteligência artificial pelos investidores era ficar de fora do imenso potencial de valorização que a inovação oferece às empresas e acionistas. Mas, após o hype em torno da IA ter adicionado trilhões de dólares em valor de mercado às companhias, sinais de cautela começam a surgir.

Embora otimista quanto ao impulso de produtividade que a IA pode gerar, Keith Lerner, diretor de investimentos e estrategista-chefe da Truist Advisory Services, vê mudanças na narrativa como um risco ao avanço do mercado. “Continuamos com o investimento”, disse Lerner. Mas, com as expectativas elevadíssimas para o setor, “precisamos ver os números aparecerem”.

A concorrência, como se viu com a chegada do DeepSeek, da China, é um dos pontos de atenção, já que gerou uma forte disputa comercial entre EUA e China sobre chips de ponta. Outro ponto de preocupação é a concentração de mercado: as ações de tecnologia já representam cerca de um terço do S&P 500 — mais do que em 2022, quando a queda no setor empurrou o índice para baixo.

“O risco é que o mercado não consiga se sustentar sem a tecnologia”, disse Jonathan Golub, estrategista-chefe de ações da Seaport Research Partners, que projeta o S&P 500 em 6.700 pontos até o fim do ano, 1,8% acima do último fechamento. “O mercado agora depende inteiramente da saúde do setor de tecnologia.”

Pressão sobre lucros: um novo risco

A disparada das ações de empresas como Oracle e Broadcom, amparada pela tese de AI nas últimas semanas, trouxe outro risco: o de que investidores que pagam caro por lucros futuros acabem frustrados se os resultados não corresponderem às expectativas.

As avaliações atuais consideram um crescimento robusto de lucros nos próximos trimestres, segundo Drew Pettit, estrategista de ações dos EUA no Citigroup Global Markets. O Citi prevê o S&P 500 a 6.600 pontos até o fim do ano, próximo ao nível atual.

De fato, excluindo a euforia do mercado durante a recuperação da pandemia de Covid-19, o S&P 500 negocia próximo à maior relação entre preço e lucro desde 2002.

Em termos simples, o chamado índice P/L mostra quanto os investidores estão dispostos a pagar hoje por cada unidade de lucro gerado pelas empresas. Se uma ação tem P/L igual a 10, por exemplo, isso significa que seu preço equivale a dez vezes o lucro anual por ação — ou seja, o investidor paga dez dólares por cada um dólar de lucro.

“Você está em um cenário em que precisa de surpresas positivas e revisões [de lucros] em alta para manter a tendência”, disse Pettit.

Empresas que decepcionam ou cortam projeções vêm sendo vendidas de forma agressiva. Segundo dados da Bloomberg Intelligence, as companhias cujas expectativas pioraram no segundo trimestre sofreram as quedas mais fortes em quase três anos.

Outro risco para essas projeções elevadas é o impacto retardado das tarifas comerciais. “Ainda existe o risco de que os efeitos das tarifas estejam demorando mais do que esperávamos para aparecer nos lucros corporativos”, disse Jill Carey Hall, estrategista de ações dos EUA no BofA Global Research, que projeta o S&P 500 em 6.300 pontos até o fim do ano, cerca de 4% abaixo do nível atual.

A dualidade no mercado de trabalho

Enquanto a guerra comercial e a IA trazem novos riscos e oportunidades, uma preocupação crescente é bastante conhecida: a deterioração do mercado de trabalho.

Na semana passada, uma revisão mostrou que 911 mil pessoas a menos estavam empregadas nos EUA em relação ao estimado anteriormente pelo Departamento de Estatísticas de Trabalho (Bureau of Labor Statistics). Além disso, os pedidos semanais de auxílio-desemprego atingiram o maior nível desde 2021.

“Não sei como, nesse ambiente, se pode esperar o crescimento de lucros de dois dígitos que o mercado está precificando”, diz Neil Dutta, sócio e chefe de pesquisa econômica dos EUA na Renaissance Macro Research.

É verdade que esses dados, ao indicarem uma economia mais fraca e com menor inflação, tenham inicialmente impulsionado o mercado. Afinal, isso leva os investidores a apostarem ainda mais em um corte de juros pelo Federal Reserve (Fed, o BC americano) e, consequentemente, em uma migração de recursos para ativos mais arriscados, como as ações.

Mas Dutta alerta que, no longo prazo, menos trabalhadores recebendo salários significa menor crescimento dos rendimentos e, consequentemente, menor consumo. “Esse tipo de momento é difícil de quebrar, mas, quando racha, pode escapar do controle rapidamente”, afirma Dutta.

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