Virada da bolsa põe vendidos na parede e antigas lanterninhas decolam

Cenário potencialmente mais favorável para a tomada de risco aumenta riscos de short squeeze

A bolsa em patamares recordes se tornou um vento contra para um grupo de investidores, que apostam na queda das cotações: os vendidos. O cenário potencialmente mais favorável para a tomada de risco diante da expectativa de que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) comece a cortar os juros já na semana que vem adiciona combustível a uma fogueira em potencial: o short squeeze.

Em português, os termos significam algo como o “aperto dos vendidos”. Mas calma que nós explicamos. Uma posição vendida ou short é feita quando um investidor acredita na queda futura de uma ação. Dessa maneira, ele aluga esse papel de outro investidor e vende no mercado.

Depois, se o papel cair, a pessoa recompra a mesma quantidade vendida, devolve para o dono e embolsa a diferença. Alugar uma ação é literalmente isso: o interessado paga uma taxa de locação para o detentor e assume o compromisso de retornar esse lote mais tarde.

O risco desse tipo de operação é, justamente, a ação subir em lugar de cair e o investidor ter de recomprar mais caro do que vendeu. Daí ele embolsa um prejuízo. E aí, o que acontece, na prática, é uma espécie de espiral: os vendidos saem recomprando as ações para interromper esse prejuízo e, com isso, fazem o papel subir ainda mais. E é isso que explica algumas das altas tão intensas que se viu recentemente.

A ação das Casas Bahia (BHIA3) subiu 50% em cinco pregões até 29 de agosto. Só na última sessão do mês passado o papel saltou 26%. Atualmente, o ativo tem negociado na faixa de R$ 4,40, com alta acumulada em 2025 até 11 de setembro de de 55%.

No início de setembro, foi a vez da Azul ter um short squeeze para chamar de seu. O papel da aérea (AZUL4) acumulou alta de 121% em uma semana e subiu 31% apenas na sessão de 8 de setembro. Apesar da disparada recente, a ação acumula queda de quase 65% em 2025 até dia 11 deste mês. 

Outras ações da B3 se destacam entre aquelas com posições vendidas acima da média histórica. No início de setembro, o papel da varejista Magalu (MGLU3), por exemplo, tinha um percentual (SI) de 10,70% do free float alugados e ainda não cobertos a uma taxa paga ao doador de 19,71% ao ano. No caso da Raízen (RAIZ4), apesar da alta recente, o SI está em 19,3%, enquanto a taxa de aluguel em 14% ao ano.

Tanto a varejista quanto a aérea se beneficiaram do fluxo de capital estrangeiro para a bolsa brasileira. Os recursos internacionais têm sustentado a alta do Ibovespa em 2025. É um dinheiro que chega aqui em busca de diversificação fora do mercado americano.

Esse movimento tem ocorrido pelo enfraquecimento estrutural do dólar. A cotação da moeda americana vem perdendo terreno na comparação com seus pares, diante das incertezas causadas pelas tarifas do presidente dos EUA Donald Trump, da preocupação com crescimento desordenado do endividamento americano e pela perspectiva de cortes de juros pelo Fed, que estimula a migração da renda fixa para a variável.

Além disso, a percepção de que as bolsas americanas estão caras leva uma parcela ainda que menor quena dos recursos globais a buscar opções, afinal precaução nunca é demais. E a bolsa brasileira que negocia com múltiplos bem abaixo dos pares internacionais acaba se beneficiando mesmo assombrada por incertezas fiscais e tarifárias.

E, conforme se aproxima a próxima reunião do BC americano, a expectativa do início do ciclo de queda de taxas nos EUA se consolida cada vez mais como a principal força motriz para os mercados acionários globais. Os próprios índices de Nova York também têm negociado perto dos níveis recordes. E aqui o Ibovespa quebrou o recorde nominal de pontos duas vezes nas últimas semanas.

O codiretor de gestão da Azimut Brasil Wealth Management, Eduardo Carlier, aponta ainda mais um obstáculo para os vendidos: os indícios de que os investidores institucionais brasileiros começam a voltar para a bolsa.

Conforme o gestor, desde julho quem tem sustentado a alta da renda variável no país têm sido esse perfil de aplicador, que reúne desde fundos a casas de gestão de fortunas, os chamados family offices.

Nesse cenário, a vida da turma do short ficou mais complicada em meio ao fluxo mais forte dos comprados, ou seja, de quem busca ganhos com a valorização dos papéis.

Um corte de juros nos EUA pode acrescentar um novo impulso comprador para os mercados emergentes, incluindo o Brasil. Isso porque, além da perspectiva de manter o dólar enfraquecido, o movimento do Fed pode cortar as amarras dos demais BCs, incluindo o brasileiro, para iniciar ou retomar seus próprios ciclos de queda de juros.

“Uma interpretação pelo mercado de juros mais baixos à frente, diante da expectativa de inflação futura mais ancorada, ou seja, indo na direção certa e com a economia apontando para uma desaceleração, entra com gatilho de short squeeze”, diz Carlier.

A tendência, porém, é que o movimento de descompressão ocorra de modo mais controlado, na visão de Carlier, na medida em que os investidores já começam a se antecipar ao movimento de juros em queda. De qualquer modo, impulsos de alta pontuais para as ações com mais posições vendidas ainda podem acontecer após o Fed riscar o fósforo.

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