Em muitos aspectos, os números de Walmart, Target, Home Depot e outras empresas que vendem os produtos que os americanos compram provavelmente vão ofuscar a Nvidia, porque oferecem pistas sobre padrões de consumo num momento em que há poucos dados disponíveis para Wall Street.
Embora o entusiasmo com inteligência artificial tenha sido o principal motor da alta das bolsas nos últimos três anos, os ganhos também foram sustentados pela resiliência do consumidor. Se essa perna for retirada, as ações ficarão apoiadas em bases bem mais frágeis.
“No fim do dia, tem muito mais a ver com quantas calças de yoga e cheeseburgers o consumidor quer comprar”, disse Sameer Samana, chefe de ações globais e ativos reais do Wells Fargo Investment Institute. Os traders mais otimistas com tecnologia podem “gritar IA do alto dos telhados”, acrescentou, mas as ações ligadas ao consumo estão conectadas à economia real — e é para aí que o mercado está voltando rapidamente a atenção.
Ações de tecnologia superam nomes de consumo em meio a preocupações econômicas
A necessidade de dados atualizados e prospectivos sobre o consumo — que alimenta os lucros corporativos — é particularmente aguda por causa da paralisação do governo dos EUA. Investidores temem que o mercado de trabalho tenha enfraquecido, mas a magnitude disso é incerta depois de mais de 40 dias sem números oficiais.
Samana espera que os resultados dos varejistas desenhem o retrato de um consumidor “extremamente pressionado”, dado o desempenho frustrante de outras empresas do setor.
Por exemplo, as redes de fast-casual Chipotle Mexican Grill, Cava Group e Sweetgreen despencaram após cortarem suas projeções de resultado para o ano. O CEO do McDonald’s, Chris Kempczinski, disse que a rede está “cautelosa em relação à saúde” do consumidor americano. A Deckers Outdoor Corp., dona das marcas de calçados Ugg e Hoka, caiu após divulgar uma projeção de vendas decepcionante. E os resultados da Elf Beauty Inc. refletiram fraqueza em seus produtos homônimos.
Pessimismo com o varejo
“As famílias de baixa renda mostram um crescimento de gastos notavelmente mais fraco em comparação com as de renda mais alta”, escreveu Liz Everett Krisberg, chefe do Bank of America Institute, em nota a clientes na quinta-feira.
Wall Street está claramente pessimista com as perspectivas de curto prazo do setor de varejo. Analistas esperam que as empresas de consumo discricionário do S&P 500 registrem queda de 3,2% no lucro do quarto trimestre, após alta de 8,6% no terceiro trimestre. Isso dá ao setor a pior expectativa de lucro entre os 11 grandes segmentos do índice S&P 500, segundo dados compilados pela Bloomberg Intelligence. E as pesquisas privadas de confiança, nas quais Wall Street precisou se apoiar mais durante a paralisação, apontam para um consumidor mais fraco.
“O que conseguimos observar é que as pesquisas de confiança do consumidor estão em tendência de queda, as demissões estão em tendência de alta”, disse Michael Arone, estrategista-chefe de investimentos da State Street Investment Management. “Isso sugere que o consumidor está numa situação um tanto desafiadora.”
Empresas como Walmart e Target provavelmente vão confirmar que “preços mais altos, um mercado de trabalho mais fraco e uma inflação ainda persistente continuam pesando sobre o sentimento do consumidor”, disse Arone.
Os gastos do consumidor aumentaram por cinco meses consecutivos, mas a taxa de crescimento passou a favorecer os mais ricos, segundo pesquisa do Bank of America. Por isso, investidores observam se os americanos que não pertencem a esse grupo começaram a fazer concessões.
“Em vez de comprar o filé, eles compram o hambúrguer”, disse Arone. “Há um certo aperto de cinto nesse pano de fundo.”
Enquanto isso, traders apostam em empresas que atendem consumidores de renda mais alta. A Capri Holdings, dona das marcas Michael Kors e Jimmy Choo, divulgou receita acima do esperado no início de novembro. As europeias Richemont, Kering, Burberry Group Plc e LVMH também reportaram vendas acima das projeções nas últimas semanas.
A Williams-Sonoma Inc., varejista de artigos para casa que vende máquinas de espresso que podem chegar a US$ 5.500, divulga resultados na próxima semana e pode trazer mais sinais sobre essa tendência.
‘Economia em duas velocidades’
“Temos uma economia em duas velocidades, um mercado em duas velocidades”, disse Keith Lerner, diretor de investimentos e estrategista-chefe de mercado da Truist Advisory Services.
Embora os americanos mais ricos continuem gastando, na prática as ações de consumo discricionário não vão muito melhor do que as de consumo básico. O setor discricionário é o terceiro de pior desempenho no S&P 500 neste ano, com alta de menos de 2,7%, enquanto o de consumo básico é o segundo pior, com ganho de menos de 1%. Em comparação, o S&P 500 sobe 14% em 2025.
Mesmo dentro do setor discricionário, as big techs ajudam a sustentar o movimento. A Amazon.com, que faz parte desse grupo, sobe 7% no ano e responde por 95% da variação do índice de consumo discricionário do S&P 500.
Índice de consumo discricionário patina sem ações ligadas à IA
A força persistente da tecnologia é o que continua dando confiança aos investidores na alta das bolsas. Os resultados da Nvidia são amplamente esperados como positivos, disse Lerner, já que os grandes investidores em IA — como Amazon, Meta Platforms, Microsoft e a Alphabet, controladora do Google — já divulgaram seus balanços e confirmaram que pretendem continuar despejando dinheiro no desenvolvimento de IA.
É verdade que, nas últimas semanas, investidores começaram a rotacionar recursos de ações de tecnologia consideradas caras para segmentos mais baratos do mercado. Amazon, Meta e Tesla Inc. estiveram entre os maiores pesos negativos para o S&P 500 nesta semana, à medida que traders migraram para áreas menos caras, incluindo consumo básico.
Estrategistas acreditam que isso torna os resultados do varejo ainda mais relevantes. Com tanto ceticismo em torno dessas ações, qualquer sinal de alívio pode muito bem desencadear um rali nos papéis.
“Os números do varejo serão importantes para se ter ideias sobre em que ponto do ciclo econômico estamos”, disse Lerner, da Truist. “As expectativas são baixas, e um pouco de notícia boa pode fazer muita diferença.”
