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Acordo de Mariana pode encerrar processos contra a Vale no Brasil e no exterior
Expectativa é que o acordo coletivo elimine mais de uma centena de ações civis públicas, como a de R$ 155 bilhões movida pelo MPF em 2016
O acordo de R$ 170 bilhões entre as mineradoras Vale, BHP e Samarco com autoridades federais e estaduais para reparação e compensação pelo rompimento de barragem em Mariana (MG) pode encerrar mais de uma centena de ações na Justiça brasileira e têm potencial para desidratar processos no exterior, disseram três fontes próximas às discussões.
O acordo, que inclui pagamentos já realizados pelas empresas, recursos novos e definição de obrigações ainda a cargo das mineradoras, foi praticamente fechado na semana passada e, segundo fontes, pode ser assinado ainda nesta semana, pouco antes do rompimento completar nove anos, em 5 de novembro.
“O acordo encerra uma guerra de laudos de especialistas sobre pontos como a qualidade da água do rio Doce e coloca um ponto final em uma série de debates sobre valores (devidos)”, disse uma das fontes, na condição de anonimato.
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Conforme o acerto, as mineradoras vão pagar R$ 100 bilhões, em 20 anos, para autoridades executarem uma série de projetos e medidas que reparam e compensam pelo colapso da barragem, que deixou 19 mortos e provocou um enorme desastre ambiental.
Dentre as definições, está prevista a criação de um programa de transferência de renda, que prevê auxílio mensal a pescadores e agricultores atingidos, por até quatro anos, no valor inicial de 1,5 salário mínimo e 1 salário nos últimos 12 meses, segundo uma apresentação da Advogacia Geral da União (AGU), vista pela Reuters.
Também está prevista a criação de fundos que irão gerir a aplicação de recursos ligados à saúde, meio ambiente e enfrentamento às consequencias das enchentes de lama.
As companhias ainda terão R$ 32 bilhões em obrigações a fazer, incluindo iniciativas de indenização individual, reassentamento e recuperação ambiental.
O montante total considera ainda que já foram empenhados pelas mineradoras um total de R$ 38 bilhões desde o rompimento em 2015.
O acordo, porém, não elimina a possibilidade do surgimento de novas ações relacionadas com danos hoje ainda desconhecidos, cuja ligação com o rompimento possa ser comprovada em algum momento no futuro, ponderou uma das fontes.
A expectativa é que o acordo coletivo elimine mais de uma centena de ações civis públicas (ACPs), como a ação de R$ 155 bilhões movida pelo Ministério Público Federal em 2016. Entretanto, algumas ACPs poderão não ser extintas, assim como outros tipo de ações, como as relacionadas a multas ambientais.
Uma das fontes disse que o número de ACPs a serem extintas na assinatura do acordo pode chegar a 181, mas uma outra fonte afirmou que o número é bem inferior — apesar de o levantamento ainda não ter sido fechado pela AGU.
Já as ações individuais não serão imediatamente encerradas no acordo, porque o poder público não pode agir sobre a decisão do indivíduo. Dessa forma, o acerto irá estabelecer um novo sistema de compensação e indenização que foi projetado com a colaboração de defensores públicos e promotores para fornecer compensação para pessoas elegíveis nas regiões afetadas.
A expectativa das mineradoras é de que os pleitos individuais sejam atendidos completamente em 2025, segundo duas fontes a par das discussões.
Indivíduos e pequenas empresas que concordarem em optar pelo acordo, segundo a BHP informou na semana passada, serão compensados em R$ 30 mil por pessoa, e indivíduos elegíveis por danos relacionados à água serão compensados em R$ 13 mil por pessoa.
As duas fontes também afirmaram que a Fundação Renova, criada no passado para gerir as ações de reparação, será extinta e irá transferir em seis meses todas as suas obrigações ainda existentes para a Samarco.
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Segundo informações da Vale, a Renova já indenizou aproximadamente 430.000 pessoas, incluindo povos indígenas e comunidades tradicionais, tendo destinado mais de R$ 17 bilhões para indenizações e auxílio financeiro emergencial para as pessoas atingidas.
A expectativa é que a assinatura do acordo conte com a presença de diversas autoridades, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso.
Em nota à Reuters, a chefe global Jurídica, de Governança, e Relações Externas da BHP, Caroline Cox, afirmou que o conteúdo atual do acordo se concentra nas necessidades e no bem-estar das pessoas afetadas, incluindo comunidades indígenas e tradicionais, e no meio ambiente.
“Os termos atuais fornecerão os programas e o financiamento necessários para fazer o que é certo para o Brasil e seu povo”, disse Cox, acrescentando que a BHP continua “absolutamente comprometida em finalizar o acordo para garantir reparação e compensação completas e definitivas no Brasil”.
A Vale e a Samarco reafirmaram, em posicionamentos diferentes enviados à Reuters, o compromisso com a reparação integral dos danos causados.
O rompimento de barragem de rejeitos do processamento de minério de ferro da Samarco — uma joint venture da Vale com a BHP — liberou uma onda de lama gigante que deixou 19 mortos, centenas de desabrigados e atingiu comunidades, florestas e rios, inclusive o rio Doce em toda a sua extensão até o mar no Espírito Santo.
Julgamento no exterior
Com o acordo, as mineradoras esperam que haja uma desidratação de ações coletivas movidas em Londres e na Holanda, segundo fontes ouvidas pela Reuters.
“O argumento principal que os ingleses usaram na ação deles, quando eles iniciaram a ação contra a BHP, é de que no Brasil não existe resolução desse tipo de problema e por isso elas precisavam fazer na Inglaterra. Esse acordo prova exatamente o contrário e por isso enfraquece bastante o pleito da Inglaterra”, disse a primeira fonte à Reuters.
“É uma premissa errada. No Brasil a gente tem, sim, Justiça, tem, sim, resolução.”
Em Londres, o escritório Pogust Goodhead, que representa cerca de 620 mil reclamantes, estima que a indenização para as vítimas pode chegar a 36 bilhões de libras, ou R$ 230 bilhões.
O processo judicial, um dos maiores da história jurídica inglesa, entrou em estágio decisivo nesta segunda-feira, com o início de um julgamento de 12 semanas para determinar se a BHP é responsável.
Uma das fontes ponderou, no entanto, que o julgamento no exterior pressiona as companhias no Brasil, que acabaram aceitando um valor muito maior do que estavam dispostas a pagar no início. A primeira proposta das mineradoras foi de R$ 42 bilhões em dinheiro novo, contra os R$ 100 bilhões atuais.
A advogada Ana Carolina Salomão, sócia do escritório Pogust Goodhead, afirmou que “não há possibilidade” do acordo no Brasil esvaziar o julgamento na Inglaterra.
“O objetivo da ação inglesa vai além das compensações financeiras. A ação busca responsabilizar uma das maiores corporações do mundo por sua negligência e enviar a mensagem de que crimes como o de Mariana não ficarão impunes”, afirmou Salomão.
A advogada também disse que a BHP está sendo pressionada pelo processo no Reino Unido e que a ação inglesa existe justamente porque as mineradoras passaram anos se recusando a oferecer compensações adequadas e continuam resistindo.
(Por Marta Nogueira, no Rio de Janeiro, e Lisandra Paraguassu e Ricardo Brito, em Brasília)
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