A Ambipar está em mais de 40 países, atuando desde o descarte de resíduos perigosos até a remediação de solos. A empresa viu seus títulos em dólar caírem de forma constante à medida que processos na CVM, alertas das agências de classificação de rating e preocupações de governança se acumulavam.
Em resposta, a empresa decidiu ampliar seu conselho e revisar comitês — uma tentativa de convencer investidores de que estaria retomando o controle.
Mas o tiro saiu pela culatra.
Junto com as mudanças, os executivos disseram ter contratado um assessor para analisar uma gestão de passivos, assustando os investidores. O então diretor financeiro, João Arruda, o diretor de relações com investidores, Pedro Borges Petersen, e o diretor jurídico global, Mauro Nakamura, saíram com poucos dias de diferença. Os bonds da companhia despencaram.
Títulos da Ambipar em queda
A venda massiva das notas criou outro problema para a Ambipar. Os papéis faziam parte de um acordo de financiamento com o Deutsche Bank.
À medida que seu valor despencava, a empresa precisou aportar cada vez mais recursos para atender às chamadas de margem. Na última solicitação — de apenas R$ 60 milhões — a companhia não conseguiu cumprir.
No fim do mês passado, a Ambipar buscou proteção emergencial por meio de um tribunal do Rio de Janeiro, afirmando que exigências de pagamento poderiam acionar cláusulas de vencimento antecipado cruzado sobre sua dívida de aproximadamente R$ 10 bilhões. A pressa foi tamanha que um dos documentos apresentados continha erros — uma das páginas chegou a nomear uma empresa totalmente diferente.
Os investidores ficaram surpresos e confusos sobre como a empresa pôde repentinamente ter uma crise de liquidez, pois havia relatado um saldo de caixa de R$ 4,7 bilhões no segundo trimestre de 2025.
Procurados, Ambipar disse que não comenta e Deutsche Bank não retornou imediatamente.
“O colapso nos preços dos títulos da Ambipar reflete uma crise de governança clássica em mercados emergentes”, disse Cesar Fernandez, sócio da Alpha Credit Advisors. “Os investidores perderam a confiança na empresa devido à falta de transparência e à má comunicação com o mercado.”
Embora a liminar concedida pelo tribunal tenha duração de 30 dias, prorrogáveis por mais 30, a empresa trabalha para entrar com o pedido de recuperação judicial já na semana que vem, disseram pessoas com conhecimento do assunto.
Derivativos
A Ambipar, em documentos jurídicos analisados pela Bloomberg News, atribui sua crise a um aditivo assinado com o Deutsche Bank relativo a um acordo de swap originalmente firmado em fevereiro. Segundo a empresa, o contrato continha um “mecanismo abusivo” que vinculava as exigências de margem ao preço de seus green bonds.
O aditivo ao contrato de swaps, datado de 18 de agosto, afirma que os pagamentos da Ambipar ao banco também poderiam ser feitos por meio de instrumentos de crédito, incluindo seus títulos pelo valor de face.
Isso permitiu que a empresa obtivesse financiamento a taxas de juros muito mais baixas, de acordo com o documento, que informa que a operação de derivativos foi aprovada pelo CFO, CEO e tesoureiro da Ambipar.
A Ambipar responsabilizou o ex-CFO Arruda pelo aditivo ao acordo, que, segundo a empresa em documentos, foi feito sem a aprovação do conselho.
Arruda não comenta o assunto.
Mão forte do dono
A Ambipar estreou nos mercados globais de dívida com uma venda de títulos verdes em janeiro de 2024. A empresa captou US$ 750 milhões, superando sua meta inicial de US$ 500 milhões. Foi reconhecida pela LatinFinance como a “Emissora de Dívida do Ano”.
Os títulos, que eram negociados próximos ao valor de face até o início de agosto, agora valem cerca de 13 centavos de dólar. Eles acumularam uma perda 81% nas três semanas desde o anúncio da reformulação da governança. Agora, os títulos oferecem um rendimento estonteante de 77%.
Tercio Borlenghi Junior, fundador da Ambipar em 1995, a administra com um toque tipicamente old school. O CEO é frequentemente visto conversando com assessores em longas reuniões em restaurantes. Para ele, a vantagem da Ambipar está na “mão forte do dono” e, quando o desempenho o decepciona, ele demonstra pouca hesitação em mudar abruptamente de rumo.
Mas para uma empresa que alardeava suas credenciais ESG, seriam os problemas de governança que desencadeariam sua queda.
Reguladores investigaram supostas negociações coordenadas e irregularidades em um programa de recompra que impulsionou uma alta de 1.000% nas ações, tornando Borlenghi — que detém uma participação de mais de 70% — bilionário.
Empresas de classificação de risco sinalizaram falhas de governança e investidores especularam sobre vínculos com o problemático Banco Master. Todas são alegações que a Ambipar nega.
“Quando tendências chamativas como ESG se encontram com a governança corporativa confusa de nomes de mercados emergentes, geralmente não se obtêm empresas melhores — o que se obtém são escândalos”, disse Juan Manuel Patiño, analista da Sun Capital Valores. “Neste caso, os sinais de alerta já estavam lá: estruturas opacas, conflitos regulatórios, alta alavancagem e descasamento cambial.”
Patiño disse que as diversas subsidiárias da Ambipar — da Ambipar Response à Ambipar Environment — aumentaram a complexidade, enquanto os conflitos com a CVM destacaram os riscos de governança.
Em seu site, a Ambipar afirma ter mais de 500 “bases” em diversos países, do Brasil a Bangladesh, da Alemanha a Mônaco e até mesmo à Antártida.
Problemas
Depois que a Ambipar buscou proteção contra credores, a S&P Global Ratings rebaixou a classificação da empresa de BB- para D, chamando a medida de “equivalente a uma reestruturação geral da dívida”.
A turbulência é um lembrete claro de quão rapidamente a confiança dos investidores pode mudar. As empresas brasileiras enfrentaram uma série de más notícias, com a Braskem contratando assessores para uma revisão da estrutura de capital, e os problemas em torno do Master ameaçando se espalhar para as empresas expostas aos seus instrumentos de dívida.
As empresas brasileiras podem enfrentar condições de liquidez e financiamento mais restritas nos próximos meses se os recentes eventos de crédito corroerem a confiança dos investidores — uma reminiscência da recuperação judicial da Americanas em janeiro de 2023, afirmou a Fitch Ratings em um relatório recente.
As ações da Ambipar — que ficariam praticamente sem valor em caso de pedido de recuperação judicial — caíram mais de 95% desde 22 de setembro, quando o ex-CFO Arruda saiu. A companhia perdeu mais de R$ 22 bilhões em valor de mercado.
As perdas se agravaram na semana passada, depois que a mídia local noticiou que um fundo de recebíveis, no qual a Ambipar afirma estar parte de seu caixa, registrou perdas na rentabilidade de suas ações e aumentou as provisões nos últimos dias. O veículo está vinculado a empresas controladas por Borlenghi, segundo a reportagem. A Ambipar não quis comentar.
“No crédito — e especialmente em mercados emergentes — a complacência sempre custa caro”, disse Luiz Felipe Scalercio, chefe de pesquisa de crédito para o Brasil da BCP Securities. “Os sinais de alerta estavam todos lá. Isso mostra que buscar o rendimento extra se mostra extremamente custoso quando esses sinais de alerta são ignorados.”