Mais de 400 mil pessoas receberam criptomoedas em janeiro para terem seus olhos escaneados pela startup Tools for Humanity. Foi um salto e tanto. De novembro do ano passado até meados do mês, a empresa tinha registrado 110 mil procedimentos. Ou seja, mais de 500 mil brasileiros passaram pelos pontos de coleta de dados das íris.
Em reportagem publicada hoje, o portal G1 entrevistou pessoas que fizeram o cadastramento e receberam o pagamento de 25 unidades da criptomoeda deles, a Worldcoin (WLD), que equivale nas cotações atuais a cerca de R$ 600. A maioria foi mesmo pelo dinheiro e nem sabia ao certo do que se tratava o projeto.
O grande aumento de interessados veio a partir do crescimento da quantidade dos postos de coleta. Em novembro, o projeto contava com 10 unidades, na maioria, instalados em bairros mais nobres como Itaim e Jardins, na capital paulista. Neste mês, multiplicou por cinco o número desses pontos, para 51. Mas mudou de estratégia e passou a privilegiar localidades mais distantes do centro expandido, como Cidade Líder, na Zona Leste de São Paulo.
Diante de informações desencontradas sobre os motivos para a iniciativa, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) determinou na sexta-feira a suspensão da oferta de criptomoeda ou de qualquer outra compensação financeira pela coleta de íris no Brasil.
O que é a Tools for Humanity
A Tools for Humanity foi cofundada por Sam Altman, presidente-executivo da OpenAI, empresa por trás da IA do ChatGPT. O órgão de proteção de dados brasileiro também determinou à empresa que identifique o encarregado pelo tratamento de dados pessoais.
A companhia iniciou as operações no Brasil em novembro de 2024 por meio do projeto World, de coleta de dados biométricos para criação da chamada World ID. Trata-se de uma identificação global que, segundo a empresa, permitiria a comprovação de que o titular é um ser humano único vivo e promoveria maior segurança digital. Já escanearam 10 milhões de íris ao redor do mundo, sendo 6,4 milhões na América do Sul.
Em nota, a Tools for Humanity, empresa responsável pela operação da World no Brasil, disse que está em conformidade com todas as leis e regulamentos do Brasil e que “relatos imprecisos recentes e atividades nas mídias sociais resultaram em informações falsas para a ANPD”, sem dar mais detalhes.
O projeto nega que esteja coletando dados sensíveis. “Não existe armazenamento de íris das pessoas”, afirma Rodrigo Tozzi, chefe de operações da Tools for Humanity no Brasil. “Tudo o que o projeto precisa saber [nesta fase de coleta de íris] é que você é um ser humano único. Nesse processo de verificação, nenhum nome, CPF ou e-mail do usuário é pedido. A World não quer criar um banco de dados.”
A ANPD disse que a medida é preventiva e entra em vigor no sábado. A autoridade disse que a compensação financeira fornecida pela empresa “pode interferir na livre manifestação de vontade dos indivíduos”, influenciando a decisão sobre fornecer seus dados biométricos.
Como escanear a íris
A imagem tirada da íris do usuário é feita por um aparelho chamado de Orb – nada mais que uma câmera de alta resolução. Ela faz três fotos: do rosto inteiro, do olho direito e do olho esquerdo. Então gera-se o código do usuário, confirmando o escaneamento.
São 51 postos de coleta no Brasil, todos em São Paulo. E Tozzi confirmou que existem planos para expansão e que a intenção do projeto é que todo o país tenha orbs em algum momento. Para participar, é preciso seguir os passos abaixo:
- Baixar o aplicativo World App;
- Agendar um horário em um dos locais de verificação;
- Ir a um dos postos e realizar o procedimento no Orb
Para receber a recompensa em Worldcoins é preciso ter conta em alguma exchange com suporte ao WLD (como a Binance e o Mercado Bitcoin).
Fiscalização e riscos
Entre as informações que a ANPD pediu ao projeto estão o contexto em que ocorrem as atividades, a hipótese legal que fundamenta o tratamento de dados, a transparência do tratamento de dados pessoais e a proteção dos dados. O mais frequente envolve o risco de um vazamento dos dados.
Ainda assim, o projeto enfrenta obstáculos mundo afora. Na Espanha e em Portugal, o projeto está paralisado por força das autoridades de proteção de dados locais. Na Argentina e no Reino Unido, Na Coreia do Sul, o país aplicou uma multa de US$ 830 mil por violação de leis de privacidade.