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Na Automob, rede de concessionárias da Simpar, receita e margem pegam carona nos carros chineses

Mas a companhia ainda tem de provar que o ganho de escala vai se converter em lucro; no terceiro trimestre, prejuízo foi de R$ 167 milhões

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As montadoras chinesas não param de desembarcar no mercado automotivo brasileiro — e de mudar a cara do que todo mundo entendia ser esse mercado, com uma porção de marcas basicamente europeias, americanas e japonesas.

Em pouco mais de dois anos, a participação desses novos entrantes saiu de 2% para 9% das vendas de carros novos. Mas esse percentual nas vendas é até maior na Automob, grupo de concessionárias da Simpar (que também é dona da JSL, da Movida e da Vamos): 13% das vendas de carros da empresa já vêm das cinco marcas chinesas que ela é representante: GWM, BYD, Caoa Cherry, GAC e Leapmotor.

A presença das marcas chinesas virou estratégia do negócio. A empresa foi uma das primeiras a representar GWM e BYD no Brasil. “O chinês trouxe mais competitividade e melhoria para o segmento. Quando ele baixa o preço, o concorrente vê. No fim, regula o mercado e aumenta as oportunidades de venda”, diz Fernando Simões, CEO da Simpar. O executivo, filho do fundador, Júlio Simões, acompanha de perto o negócio da Automob como presidente do conselho.

A Automob chegou à B3 no fim de 2024, após uma cisão da Vamos. Mas a história da rede de concessionárias é bem mais longa. Ela nasceu em 1995, cresceu via aquisições e hoje representa 37 marcas, entre carros, caminhões e máquinas, com 120 lojas em 5 estados.

Mesmo assim, sua participação ainda é pequena, dada a natureza pulverizada do ramo de concessionárias: 0,4% do mercado somando veículos leves (carros de passeio) e pesados (caminhões, vans) — com 1,3% em leves e 0,2% em pesados.

A fragmentação é severa: só de leves são 4,2 mil concessionárias autorizadas no Brasil, segundo a Fenabrave, sendo que 80% delas pertence a pequenos grupos. Mas analistas dos bancos acreditam que há espaço para consolidação. Isso com base no mercado dos Estados Unidos, onde a líder AutoNation tem um share mais largo, de 2%.

“Tem muita oportunidade de M&A. Continuamos olhando”, diz o controlador do grupo, que acelerou a expansão indo às compras ao longo dos últimos anos. Porém, com uma dívida de 3,6 vezes o seu Ebitda, a Automob — e praticamente todo o grupo Simpar — está mais para o pé no freio do que no acelerador. Simões mesmo reforça que o momento é de responsabilidade e conservadorismo, ou seja, de buscar crescimento orgânico, não via aquisições. No primeiro encontro com investidores e analistas de mercado da Automob, essa também foi a mensagem repetida pelo CEO da empresa, Sebastián Dario Los.

Sebastián Dario Los, CEO da Automob (Divulgação)

A receita da Automob com as marcas chinesas segue um movimento que já havia feito com a representação das marcas de luxo, como BMW, Jaguar e Land Rover. No mercado como um todo, o volume dos carros de grife responde é de apenas 2% das unidades. Na Automob, são 13%.

A leitura interna é a de que o peso maior do que a média do mercado nos segmentos de luxo e de carros chineses tem ajudado a empresa a crescer. Enquanto as as vendas do mercado cresceram 4% no trimestre, as da Automob subiram 14%.

E Alessandro Soldi, responsável pela área de veículos leves, acredita que a fatia dos chineses vai crescer – seja na Automob, seja no mercado como um todo. “Acredito que em breve eles terão um share muito próximo de 20%. Estão trazendo tecnologia, produtos inovadores”, ele diz.

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O avanço chinês é o grande responsável pela eletrificação das frotas no Brasil. Mas a tese da gestão da companhia é a de que a transição brasileira deve passar mais pelos híbridos do que pelos elétricos puros. O país tem dimensões continentais, a infraestrutura de recarga ainda é limitada — são cerca de 17 mil pontos de recarga mapeados — e a ansiedade por autonomia pesa na decisão de compra.

Antes mesmo da onda chinesa, o grupo já representava marcas como Volvo e BMW em suas linhas eletrificadas, o que exigiu montar uma estrutura de técnicos treinados e oficinas habilitadas para lidar com alta voltagem e baterias. A aposta é que esse know-how técnico vire uma barreira de entrada favorável aos serviços oferecidos pelas oficinas da Automob num momento em que mais montadoras passam a oferecer versões híbridas e elétricas no Brasil.

Isso é até mais importante do que parece. É no pós-venda, afinal, que uma parte relevante da margem se materializa. Embora represente 8,4% da receita total da Automob, a unidade de pós-venda responde por 22% do lucro bruto do grupo, destaca Heitor Alves, responsável pela área. É aí também que as marcas chinesas podem virar uma alavanca adicional relevante. Para conquistar consumidores, as marcas oferecem garantida estendida maior do que a de marcas tradicionais. Significa mais serviços de pós-venda para as concessionárias, portanto.

Os clientes de marcas chinesas têm deixado um tíquete médio maior nas oficinas da Automob, tanto em mão de obra quanto em peças, conta Alves. Marcas elétricas e híbridas geraram receita por colaborador da área do pós vendas de R$ 26,1 mil no último trimestre – R$ 5 mil a mais do que a receita média das marcas tradicionais.

“E como a complexidade desses veículos é maior, a manutenção exige uma mão de obra especializada, o que incentiva o cliente a se manter fiel à manutenção nas nossas redes credenciadas”. Ou seja, cada carro elétrico ou híbrido vendido hoje tende a gerar um fluxo mais robusto de receita recorrente nos anos seguintes, algo particularmente relevante num setor em que o ciclo de compra é longo.

Outro pilar importante da estratégia é o mercado de seminovos. Enquanto o mercado em geral trabalha com algo próximo de 0,3 seminovo para cada zero km vendido, a Automob opera na faixa de 0,7 e tem 11% das lojas com índice acima de 1 para 1.

O grupo criou uma estrutura própria de avaliação e revenda, com uma “mesa” que analisa dezenas de milhares de veículos por ano e define se o carro entra no showroom ou vai para repasse a lojistas menores. Essa estrutura é importante porque o mercado de seminovos é seis vezes maior do que o de veículos novos e esses carros tendem a trazer margens melhores, além de permitirem atender um espectro mais amplo de clientes, alimentando também o fluxo de trabalho das oficinas.

Pressão financeira

Do lado da eficiência interna, o discurso da gestão é de que a casa ainda está em arrumação. O CFO, Emílio Carvalho, destaca o esforço de integrar aquisições feitas em ritmo acelerado nos últimos anos.

A empresa chegou a ter 80 CNPJs diferentes sob seu guarda-chuva. O objetivo é chegar a 40 no primeiro trimestre de 2026 e concluir a unificação dos sistemas – antes, cada companhia adquirida usava o seu. A partir daí, a Automob espera capturar sinergias mais claras em despesas e usar dados de forma mais intensiva para gestão de estoques, preços e crédito. A empresa agora projeta chegar a R$ 16,3 bilhões de receita em 2027 e a um Ebitda de R$ 980 milhões.

Sebastián Los, CEO da Automob desde junho, argumenta que a companhia ainda está em “fase de construção”. Segundo ele, cerca de 90% da receita por segmento já foi lucrativa no terceiro trimestre, mesmo antes de todas as alavancas estarem operando em conjunto. Agora, em vez de uma nova rodada de expansão acelerada de lojas, a prioridade é aumentar vendas por ponto — explorando melhor o portfólio de marcas, o mercado de seminovos e a oferta de serviços financeiros em cada endereço.

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A fotografia do balanço, porém, ainda é pouco animadora. A diversificação de portfólio ajuda a tornar a receita menos dependente de uma única marca ou segmento, mas ainda não se traduz em resultado no fim da linha.

A Automob fechou o terceiro trimestre de 2025 com prejuízo de R$ 166,6 milhões, grande parte pressionada pelo custo financeiro de manter uma dívida elevada.

Desde a estreia na B3, em dezembro de 2024, as ações acumulam queda próxima de 40%, reflexo do ceticismo do mercado quanto à velocidade com que o grupo conseguirá transformar escala e a força comercial em retorno financeiro.

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