“E se o oceano incendiar
E se cair neve no sertão
E se o urubu cocorocar
E se o Botafogo for campeão”
Houve uma época em que o Botafogo ser campeão era algo tão inimaginável que acabou virando o verso aí em cima, de uma música do compositor Francis Hime.
No final de 2024, o Botafogo rasgou essa letra, ganhando uma (inédita) Libertadores e o Brasileirão. Mas 2025 começou problemático. No Campeonato Carioca, o time já perdeu para Maricá, Sampaio Corrêa, Volta Redonda e Madureira.
E fica a pergunta: o quão sustentável é o modelo da SAF, a Sociedade Anônima do Futebol, que o Botofago adotou em 2022. É o que vamos ver aqui.
A chegada de John Textor
2021, plena pandemia. Naquele ano, o empresário americano John Textor aproveitou a aprovação da Lei das SAFs e resolveu investir R$ 400 milhões até 2025 em troca de 90% das ações do Botafogo, que atravessava um período financeiro crítico.
Empresário do ramo do entretenimento, com destaque para atuação em produções de filmes de efeito visual e animação digital, John Textor é atualmente proprietário da Eagle Football Holdings, um conglomerado de clubes de futebol espalhados pelo mundo. Além do Botafogo, ele é dono do Lyon, da França, do belga RWD Molenbeek e tem uma participação minoritária no Crystal Palace, da Inglaterra, além de uma academia de futebol nos Estados Unidos, a FC Flórida.
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O plano de investimentos era o seguinte:
- 2022 – R$ 100 milhões
- 2023 – R$ 102,2 milhões
- 2024 – R$ 113,9 milhões
- 2025 – R$ 50 milhões
Jarbas Thaunahy Santos de Almeida, professor de finanças da da Strong Business School, explica que uma SAF se apoia em quatro pilares:
- Profissionalizar a gestão com estrutura de scout, apostando em jogadores jovens, que não estão em evidência e podem se tornar rentáveis em pouco tempo, como Almada, Luiz Henrique e Igor Jesus.
- Sustentabilidade financeira: reduzir dívidas antigas e ajustando as contas.
- Ser competitivo: disputar uma Libertadores em condições de ser campeão.
- Atrair investimentos: com isso consegue ter patrocinador master de maior peso.
Balanço promissor
O relatório com o balanço das contas da SAF Botafogo em 2024 só deve sair em abril, mas as projeções são otimistas. No final de outubro, a Eagle Football lançou um comunicado com as projeções de receitas com o Botafogo.
Nele, a holding destacava que a receita do Botafogo em 2024 deveria ultrapassar US$ 100 milhões, e isso sem contar com o dinheiro advindo de participações e prêmios. Este valor, aliás, já é conhecido: foram R$ 261,4 milhões em 2024 pelos títulos da Libertadores e do Brasileirão, além das participações na Copa do Brasil e na Copa Intercontinental.
Contando que a meta dos US$ 100 milhões tenha sido atingida, considerando um câmbio de R$ 5,80, estamos falando em receitas por volta de R$ 840 milhões. Se for isso mesmo, trata-se de uma escalada impressionante.
Segundo os balanços divulgados pelo clube, as receitas do Fogão foram de R$ 159 milhões em 2022 e de R$ 570 milhões em 2023. O ânimo da torcida com o novo “dono” do time foi visto no crescimento do programa de sócio-torcedor: eram oito milhões de participantes em 2022 e o número saltou para 28 milhões no ano seguinte. Atualmente, está em 80 mil.
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“Além disso, o valor do elenco cresceu de uma estimativa de US$ 23 milhões (R$ 133 milhões) no início de 2022 para mais de US$ 220 milhões (R$ 1,27 bilhão) em 2024, com 4 das 6 contribuições de jogadores da Eagle Football para a seleção brasileira”, destacou a Eagle Football.
Ao final do ano, a SAF Botafogo negociou vários jogadores campeões brasileiros e da Libertadores. Gatito, Pablo, Adryelson, Rafael, Marçal, Tchê Tchê, Eduardo e Óscar Romero deixaram o clube. Os artilheiros Junior Santos e Tiquinho Soares também saíram. Além deles, Thiago Almada e o craque Luiz Henrique foram no início de 2025 para o Lyon e Zenit, respectivamente, e o lucro com a venda só deverá aparecer no balanço da atual temporada.
Sucesso financeiro x sucesso esportivo
Já se passaram pouco mais de dois meses e temos hoje um Botafogo novamente como saco de pancadas, sem um técnico efetivo, perdendo feio para o Flamengo a final da Supercopa do Brasil e passando vergonha no Campeonato Carioca, derrotado em jogos contra times pequenos. Cadê o campeão?
Nas redes sociais, torcedores não param de botar a culpa em John Textor. O dirigente, no entanto, garante que com as contas agora estão em dia e que o clube vai conseguir montar uma nova força.
Em entrevista à revista Placar no dia 21 de janeiro, Textor afirmou que a SAF alvinegra deve gastar US$ 60 milhões (cerca de R$ 347 milhões) em contratações para a temporada. “Temos os recursos financeiros para ir bem, mas nem todos (os reforços) virão no mesmo dia”, disse. “Ainda vamos acrescentar jogadores até o início da nossa temporada, em abril.”
Ele também analisa minuciosamente nomes no mercado internacional para ser o novo treinador do Botafogo. “Não tenho metas por títulos específicos, só metas para que estejamos sempre no alto nível do Brasil”, disse Textor na entrevista. “Se você fizer isso, (o título) da Libertadores vai acontecer, da Copa do Brasil, talvez do Mundial de Clubes. Estamos aqui para competir”.
Para Thaunahy, o torcedor do Botafogo vai precisar ter paciência. “A ideia do modelo é manter o time competitivo nos campeonatos que geram receita, como o Brasileiro, Libertadores e Copa do Brasil”. O estadual fica em segundo plano, diz.
Mas, pelo que vemos, também fica em segundo plano a ideia de manter bons jogadores no clube por anos a fio. Todo ano terá colheita.