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A enxurrada de Porsches no Brasil

Vendas cresceram 60% em 2023, e seguem em alta. Preços mais razoáveis que os da concorrência ajudam a explicar

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Se você acha que tem mais Porsches na rua, não achou errado. De 2022 para 2023, as vendas da montadora de Stuttgart subiram só 3% no mundo. No Brasil, foram 60%. E aceleração continua: mais 20% de expansão em 2024.  

O economista Edmar Bacha, um dos criadores do Plano Real, criou em 1974 o termo “Belíndia” para definir o Brasil: algumas partes teriam a riqueza de uma Bélgica; o grosso, a pobreza de uma Índia.

Agora, meio século depois, a Bélgica brasileira ganhou uma peculiaridade capaz de surpreender o próprio Bacha: ela é basicamente o único lugar do mundo onde Porsche vende mais do que Mercedes. Sério. Nem em Mônaco isso acontece – lá, na nação com o  maior PIB per capita da Terra, a Mercedes ocupa o primeiro lugar, e a Porsche fica com a prata.   

Mundo afora, para dar uma ideia mais sólida, foram 2,5 milhões de Mercedes (só os carros, sem contar as vans). Porsches? 320 mil. Natural, já que ela só faz carros “tipo A+”, vamos dizer assim; e a outra mira num público menos restrito.

718 Cayman, o esportivo de entrada. Começa em R$ 535 mil

Enquanto isso, aqui na Belíndia, foram 4 mil emplacamentos de Mercedes em 2023 (também sem contar as vans). Porsche? 5,2 mil – mais do que na Bélgica de verdade, inclusive; foram só 3,8 mil Porsches na terra dos Smurfs.

Não é só a Mercedes que come poeira deles no Brasil. Porsche vende mais por aqui do que Land Rover, do que Kia, do que Suzuki… No acumulado de janeiro a julho, ela foi a 19ª montadora que mais emplacou carros no Brasil, pelo ranking da Fenabrave. Uma posição invejável: imediatamente à frente de Mercedes e Audi, e logo atrás, veja só, da Ford. Aqui:

Mas o que explica o fenômeno? Uma das razões pode ser o preço. No mundo todo, cada modelo de Porsche tende a ser mais caro do que a concorrência direta. Aqui é diferente.

O Porsche menos caro começa em R$ 535 mil no Brasil. É 718 Cayman. O grande concorrente dele por aqui é o M2 Coupé – o esportivo de entrada da BMW. E ele custa mais caro que um Porsche. Começa em R$ 621 mil.

Boxster, o conversível da linha 718 – começa em R$ 555 mil. Foto: Divulgação

Lá fora a história é outra. Na Alemanha, terra natal das duas montadoras, a BMW M2 sai mais em conta. Custa 62 mil euros. O Cayman, 64 mil. Dá 3% a mais – contra 14% a menos no Brasil.

Na Inglaterra, a diferença é maior ainda. A M2 Coupé começa em 48 mil libras. O Porsche Cayman, em rechonchudas 54 mil. Dá 12% a mais – praticamente o oposto diametral do que se dá por aqui. 

Vamos subir agora para outro patamar, o dos carros com preço de sete dígitos. No Brasil, com R$ 1,1 milhão você leva um 911 Carrera 4 GTS – um Porsche bem cobiçado. Se você tem essa bala, quer um foguete na garagem, mas prefere algo mais espaçoso, vale olhar o Mercedes AMG GT. O problema: ele começa em R$ 1,65 milhão no Brasil. Só a diferença dá o equivalente a três Jeeps Compass (R$ 183 mil cada).

911 Carrera GTS: R$ 1,1 milhão, só que mais em conta do que a concorrência direta. Foto: Diviulgação

Lá fora, de novo, é o contrário. Nos Estados Unidos, a AMG GT começa em US$ 98 mil. O Carrera 4 GTS, em US$ 159 mil. Com a diferença, agora favorável ao comprador de Mercedes, dá para levar dois Jeeps Compass (que custa US$ 26 mil nos EUA).

Note que não estamos falando de câmbio aqui, nem de “custo Brasil”. O ponto desta reportagem é comparar mercados. E no mercado brasileiro os modelos da Porsche levam vantagem de preço sobre seus concorrentes diretos – algo que definitivamente não acontece no resto do mundo.

Não é só isso. A Porsche ampliou seus tentáculos no Brasil nos últimos anos. Em 2015, quando a marca alemã começou a operar diretamente por aqui, com concessionárias próprias, eles estavam só em São Paulo. Depois abriram em Campinas, Recife, Belo Horizonte, Goiânia, Fortaleza, Salvador. A próxima será em Campo Grande. Mais uma explicação para o boom nas vendas.

911, o novo líder

Os modelos de Porsche que mais venderam por aqui em 2023 foram os que mais vendem no resto do mundo há um bom tempo: Cayenne e Macan – os SUVs, responsáveis por metade do volume.

Mas 2024 trouxe uma surpresa. No acumulado do ano até 22 agosto, o best seller é um esportivo puro sangue: o 911. Antes de a gente seguir, vale um pit stop para quem não é tão familiarizado com a taxonomia dos modelos. Segue uma breve descrição de cada uma das linhas da marca, com os preços:

718: são os esportivos mais em conta; o Cayman e sua versão conversível, o Boxster. Há seis versões entre os dois, de R$ 535 mil a R$ 700 mil. Também tem os 718 especiais, com potência de 911: o GT4 e o Spyder. Esses custam R$ 1,2 milhão.

Taycan: o Porsche elétrico. São sete versões, de R$ 660 mil a R$ 775 mil.

Panamera: o sedã. Cinco versões; R$ 689 mil a R$ 1,2 milhão).

Macan: o SUV “compacto” (para os padrões da Carolina do Norte, talvez). Oito versões; R$ 475 mil a R$ 770 mil.

Cayenne: o SUV caminhão. Nove versões, de R$ 690 mil a R$ 1,3 milhão. 

911: É o clássico, o Porsche mais Porsche entre os Porsches. Surgiu em 1964 com cara de Fusca esportivo e nunca perdeu esse espírito (Ferdinand Porsche, o fundador da marca, foi o designer do Fusca, de 1938, daí o DNA em comum). O 911 também é o que atinge os preços mais altos. São 15 (!) versões, de R$ 835 mil a R$ 1,9 milhão.    

E mesmo com o preço de alta octanagem, a linha 911 é a que mais cresceu em vendas por aqui, até assumir a liderança. Veja a arrancada:

Mantendo esse ritmo até o final do ano, o 911 fecha 2024 com 1.700 unidades emplacadas. É algo comparável ao Jetta, da Volkswagen (2,2 mil em 2023). E muito acima de Audi A3 (673) ou Honda Civic (475). É como ver Louis Vuitton vendendo mais do que Hering.

911 Turbo S, o topo de linha. Foto: Divulgação

Aqui vale um aparte. Por mais que muita gente veja Ferrari e Porsche como Coca-Cola e Pepsi, como duas coisas equivalentes, não é por aí. Foram só 28 emplacamentos em 2023 da mais vendida por aqui, a 296 GTB, e ela custa quase 4,9 milhões de reais.

Lamborghini? A que mais sai é a Huracán: começa em 4,4 milhões e vendeu 19 unidades no ano passado.

Essas marcas, enfim, são animais diferentes. Jogam numa liga de preços astronômicos e volumes microscópicos.

Os acidentes

Bom, o aumento puro e simples do número de Porsches nas ruas ajuda a explicar outra questão: a dos acidentes. Foram cinco envolvendo vítimas fatais entre dezembro do ano passado e julho agora, de acordo com um levantamento da CNN.

São carros rápidos, claro. Exigem mais responsabilidade de quem tá atrás do volante, para dizer o mínimo. Mas tem outro ponto. Velocidade bruta não é mais exclusividade desse tipo de automóvel.

Um BYD Seal, de R$ 300 mil, faz de zero a cem em 3.8 segundos. É mais do que um 718 Cayman (4,9s), ou mesmo do que um 911 de entrada (4,1s).

Não fica nisso. Pense no Jeep Compass, um carro do mercado de massa, que vende 60 mil unidades por ano. A versão mais potente dele faz de zero a 100 km/h em 6,5 segundos. É um assombro também. Mesma coisa que uma Ferrari Mondial fazia lá nos anos 1980.    

No fim das contas, o que precisa mesmo crescer em ritmo acelerado é a cautela de quem dirige. Sem isso, a gente não chega a lugar nenhum. Nem de Porsche, nem de Celtinha. 

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Infografia: Ana Carolina Moreno e Daniela Arbex

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