BRF + Marfrig: a saga de R$ 15 bilhões de Marcos Molina e os embates até a criação da MBRF

Com aval do Cade, MBRF nascerá com R$ 150 bilhões de faturamento anual; trajetória envolveu disputas com fundos de pensão e rival

Passados quatro anos, cerca de R$ 15 bilhões investidos e disputas com dois dos maiores fundos de pensão do país — além de uma relação de “amor e ódio” com uma de suas principais concorrentes —, o empresário Marcos Molina finalmente conseguiu tirar do papel a MBRF Global Foods, fruto da fusão entre sua Marfrig e a BRF, dona de marcas icônicas como Sadia e Perdigão.

A criação da nova gigante da indústria de carnes foi aprovada por unanimidade e sem restrições pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) na tarde desta sexta-feira (5) e marca o nascimento de uma companhia com mais de R$ 150 bilhões em faturamento anual, presença em mais de 100 países e que nasce como a segunda maior do setor, atrás apenas da JBS.

É também símbolo da reviravolta pessoal de Molina no segmento de frangos e suínos, depois de ter sido forçado a vender a Seara para a família Batista em 2013, em meio ao alto endividamento da Marfrig.

O primeiro passo

Boatos sobre uma fusão entre BRF e Marfrig circulavam desde pelo menos 2019. Naquele momento, a BRF atravessava ajustes após a passagem frustrada da gestora Tarpon e do empresário Abílio Diniz pelo comando, enquanto a Marfrig surfava uma fase de ascensão puxada pela operação americana da National Beef.

A ideia de uma fusão “entre iguais” não prosperou. Dois anos depois, porém, Molina estava mais capitalizado e a BRF, mais fragilizada. Foi aí que, em maio de 2021, o empresário surpreendeu o mercado ao comprar mais de 20% da BRF em uma só tacada, num investimento inicial de cerca de US$ 1 bilhão.

Marcos Molina, controlador de BRF e Marfrig (Divulgação)

Desde então, Molina repetia que o que sustentava sua aposta eram as marcas: para ele, Sadia, Perdigão e Qualy valiam mais do que o preço desembolsado para assumir o controle. A chegada, porém, não foi tranquila. Houve forte resistência da família Fontana, fundadora da Sadia, e de acionistas relevantes como o fundo de pensão Petros.

Com o tempo, as tensões se dissiparam, e em março de 2022 Molina assumiu a presidência do conselho da BRF, passando a ditar os rumos da companhia. Para pessoas próximas ao negócio, ficou claro que a experiência da BRF como corporation — uma empresa sem dono definido — havia fracassado, e que era necessário alguém com conhecimento profundo do setor de carnes para conduzir a retomada.

Colocando a BRF em ordem

A primeira missão de Molina para reorganizar a BRF foi reforçar o caixa. Quando assumiu o controle, a companhia tinha uma alavancagem (a relação entre dívida líquida e lucro operacional) de 3,7 vezes, um nível considerado excessivo.

Foram necessários dois aumentos de capital que somaram R$ 5,4 bilhões, ambos ancorados pelo dono da Marfrig: o primeiro em fevereiro de 2022 e o segundo em julho de 2023, este último marcando a entrada do fundo soberano saudita Salic entre os principais acionistas da BRF.

Além do aperto financeiro, a Marfrig encontrou uma empresa com problemas operacionais graves, sendo a gestão de estoques o mais emblemático. Relatos internos indicavam que a dona da Sadia perdia mais de R$ 100 milhões por mês em descontos e descartes de produtos próximos do vencimento.

Diante desse cenário, Molina escalou seu executivo de confiança, Miguel Gularte, que até então presidia a Marfrig, para assumir o comando em setembro de 2022. Com reuniões semanais rigorosas e anotações minuciosas em um caderninho que virou símbolo de sua gestão, Gularte impôs disciplina operacional e foco em eficiência.

Miguel Gularte, CEO da BRF (Divulgação)

Três anos depois, os resultados da gestão de Gularte apareceram: a BRF reduziu sua alavancagem para menos de uma vez o Ebitda, voltou a registrar lucro e recuperou competitividade.

Os embates

Se o dia a dia da BRF foi sendo pacificado, Molina colecionou disputas societárias e concorrenciais ao longo desses quatro anos.

Logo de cara, em 2021, o obstáculo veio da Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras. Foi uma das primeiras vozes a se insurgir contra a escalada da Marfrig na BRF, criticando os aumentos de capital e alertando para uma tomada de controle sem prêmio aos minoritários. Apesar do barulho inicial, a resistência não prosperou: depois de contestar os dois aportes, a Petros foi reduzindo sua fatia até deixar de figurar entre os acionistas relevantes.

Mais recentemente, a disputa envolveu a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, que tentou barrar a criação da MBRF neste ano. O fundo chegou a acionar a Justiça e a CVM para impedir a assembleia que autorizaria a fusão.

Após semanas de tensão, porém, decidiu vender sua participação — avaliada em cerca de R$ 2 bilhões — para um fundo ligado ao BTG Pactual, como revelou o InvestNews em primeira mão.

Nos bastidores, especulou-se que o próprio Molina teria ficado com os papéis, algo que ele nega categoricamente. O site The AgriBiz apurou que o empresário teria desembolsado cerca de R$ 2,4 bilhões com a compra de ações da BRF nos últimos meses.

Entre tapas e beijos

Outra relação marcada por altos e baixos foi com a Minerva Foods. Em 2023, a Marfrig vendeu 16 frigoríficos na América do Sul para a concorrente por R$ 7,5 bilhões. A operação ajudou a reduzir a dívida de Molina e foi vista como uma aliança improvável: de um lado, a Marfrig passava a focar nas marcas e processados da BRF; de outro, a Minerva reforçava sua vocação exportadora de carne in natura.

Dois anos depois, a parceria virou confronto. Com a Salic como pano de fundo — investidora relevante tanto na BRF quanto na Minerva —, a rival se tornou a principal opositora da fusão no Cade, alegando risco de concentração de mercado e levantando suspeitas sobre a atuação cruzada dos sauditas.

A Marfrig reagiu acusando a Minerva de boicotar fornecimentos de cortes bovinos e de tentar “tumultuar” o processo. No fim, Molina venceu a disputa regulatória e levou o aval do órgão antitruste.

O capítulo mais recente veio remonta ao negócio fechado em 2023: a venda de dois frigoríficos da Marfrig no Uruguai para a Minerva foi cancelada pela empresa de Molina, decisão que desagradou a rival e deixou aberta a possibilidade de novos choques entre as duas gigantes.

Ciclo que se fecha

Agora, com o aval dos acionistas e do Cade, a MBRF finalmente sai do papel. Para Molina, é o fechamento de um ciclo: se em 2013 ele teve de se desfazer da Seara para salvar a Marfrig, em 2025 consagra sua volta ao topo com a criação de uma gigante que reúne Sadia, Perdigão e Qualy — marcas que, segundo ele, sempre valeram mais do que o preço pago.

O próximo passo, como o próprio Marcos Molina sinalizou ao mercado, é listar a MBRF na Bolsa de Nova York em um futuro próximo, seguindo o caminho já tomado pela rival JBS.

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