Caça aos galpões: avanço do e-commerce no Brasil acirra disputa por melhores espaços

No acirrado cenário do e-commerce brasileiro, a estratégia que vai definir os vitoriosos passa pela velocidade de entrega dos produtos. Nesse cenário, os galpões logísticos de alto padrão se tornam um dos componentes mais cobiçados pelas empresas, o que levou a corrida por esses espaços a um novo patamar.

Para as companhias que brigam por uma fatia desse mercado, encontrar e garantir os melhores galpões logísticos e, dessa forma, otimizar as entregas, se tornou uma parte fundamental da estratégia de sucesso.

O que essas grandes companhias buscam são instalações de ponta – os chamados A, AA ou AAA –, imóveis construídos com pisos de alta resistência, climatização e iluminação ideais, segurança reforçada e, muitas vezes, certificação green building.

Só que esses espaços de excelência ainda são escassos em um país de dimensões continentais. Estima-se que o Brasil possua cerca de 40 milhões de metros quadrados de galpões de qualidade, com 80% dessa área concentrada em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Pernambuco, segundo estudo da Newmark Brasil.

E as perspectivas são de que a demanda por esses pontos estratégicos continue crescendo. Afinal, somente os players asiáticos, como Shein, Shopee e AliExpress, têm mantido um ritmo acelerado de expansão no Brasil: dobraram os embarques nos últimos dois anos e planejam triplicar os voos de mercadorias para o Brasil até 2026.

O ponto é que logística é um dos pilares mais caros e estratégicos para as empresas de e-commerce no Brasil. Embora os números exatos variem entre as companhias, um estudo da McKinsey aponta que os custos com logística podem representar até 20% da receita no e-commerce.

Dentro desses custos logísticos, o frete é o que mais pesa, respondendo por cerca de 58% dos gastos, seguido pela armazenagem (23%) e manuseio (19%).

Reduzir o tempo e o custo de transporte, especialmente na “última milha” (a entrega final ao cliente), impacta diretamente a rentabilidade e a competitividade dessas empresas. Ao mesmo tempo, a acirrada competição nesse tipo de varejo não passa apenas por preços e promoções, mas também na agilidade e eficiência da entrega. Otimizar a logística, portanto, é uma necessidade para garantir a satisfação do cliente e, consequentemente, o sucesso do negócio.

Perto do consumidor

Praticamente metade de toda a infraestrutura disponível e pronta para atender às mais rigorosas normas nacionais e internacionais fica no Estado de São Paulo. Desses, 64% dos galpões estão localizados a até 40 quilômetros da capital, em cidades como Cajamar, Guarulhos, Embu e Barueri, além da própria região metropolitana, para ficar mais perto dos consumidores.

Esse pedaço do país concentra 15 milhões de metros quadrados em centros logísticos de qualidade, e só perde em proporção para a Cidade do México (12 milhões de metros quadrados) e Monterrey (10 milhões de metros quadrados) em toda a América Latina.

“No México, o mercado imobiliário logístico está consolidado desde 2020, mas não há para onde crescer. Isso contribui para a busca de espaços de qualidade em São Paulo”,  explica Mariana Hanania, head de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Newmark Brasil.

A taxa de vacância em São Paulo também é uma das mais baixas entre os mercados latinos e o ritmo de construção não para: 1,3 milhão de metros quadrados de galpões Classe A são construídos próximos à cidade por ano – isso desde 2020. Ao mesmo tempo, o preço médio de locação aumentou 9% apenas no segundo semestre de 2024.

Para se ter uma dimensão, essa mesma área construída equivale ao quanto os centros de distribuição do Mercado Livre, um dos maiores e-commerces do país, ocupa hoje no estado.

Sudeste ainda concentra maior concorrência 

Mesmo que a demanda por espaços de qualidade aconteça em boa parte dos estados brasileiros, há uma longa distância entre São Paulo e os demais. O segundo lugar é ocupado hoje por Minas Gerais  – ainda assim, com quatro vezes menos de espaço pronto para ocupação em comparação ao mercado paulista.

O Rio de Janeiro vem em terceiro lugar entre os estados com maior disponibilidade de imóveis logísticos de alto padrão. Só que o mercado carioca também têm o maior percentual de vacância da América Latina, de 10,2%.

“Muito pela insegurança que algumas empresas têm de instalar seus centros de distribuição no estado”, diz Mariana. 

Para a especialista no setor, há bastante espaço para crescimento no Brasil, mas a descentralização para outros estados e capitais, como Nordeste, é incipiente por enquanto. Tanto é que os estados com menor ocupação logística acima de A estão na região, localizados em São Luís (MA) e Palmas (TO).

A escolha de um galpão logístico leva em conta o acesso a rodovias, proximidade dos mercados consumidores, infraestrutura básica (energia, água), além de aspectos tributários e de zoneamento, diz Fred Gauthier, Vice-Presidente de Operações do Grupo Casas Bahia. E hoje, uma preocupação da companhia é reforçar a capilaridade: é preciso estar em todo lugar onde o consumidor estiver.

Gauthier diz que há hoje boas alternativas de galpões no país, mas admite que a alta concorrência e a baixa taxa de vacância tornam o mercado mais desafiador em algumas regiões do Sudeste.

Enquanto as grandes varejistas enfrentam a caçada logística próxima a São Paulo, a dificuldade em outras regiões é a de encontrar bons espaços. E, nisso, empresas como a Log, especializadas na construção dos galpões, constroi seus negócios.

“Atuamos em várias regiões onde a concorrência não chega. Somos o único player no Brasil que atua fora do Sudeste”, afirma Rafael Saliba, CFO da Log. 

Metade do estoque de terrenos (landbank) da companhia hoje está no Nordeste e as varejistas online são a grande demandante, em especial Amazon, Mercado Livre, Shopee.  “Tem vários chegando, como a Temu e a Shein ampliando. O e-commerce é preponderante no crescimento da demanda”, diz. 

Para crescer, a Log tem o foco estratégico de estar perto de grandes centros, próximo de cidades com, pelo menos, 1 milhão de habitantes.

Recalculando rotas

Diante dessa pressão, os grandes players estão recalibrando as estratégias. O Mercado Livre, que lidera as vendas online no Brasil, anunciou um investimento recorde de R$ 34 bilhões no país para 2025, um aumento de 48% em relação ao ano anterior e exponencialmente maior do que os R$ 1 bilhão investidos em 2018 – tudo para garantir maior velocidade das entregas. 

A logística é uma das prioridades máximas, com planos de expandir seus 17 centros de distribuição para 25 a 27 unidades até o final de 2025. O objetivo é aprimorar os prazos de entrega e expandir a capilaridade para além do Sudeste, visando que quase metade das encomendas cheguem no mesmo dia ou no dia seguinte.

A complexidade do negócio logístico tem feito algumas das grandes do e-commerce deslocarem os desafios para um braço de negócio próprio. 

Em outubro o Magazine Luiza criou a Magalog, destinada a cuidar da estratégia de crescimento na área, uma empresa que já nasceu com faturamento de R$ 3 bilhões e 70 clientes. Na mesma semana, a Casas Bahia lançou a CBFull, que reúne os serviços de transporte e multimarketplace e tem o plano de dobrar a operação de R$ 1 bilhão neste ano. 

“A escalada será viabilizada por meio do uso de dados para decisões mais inteligentes, da regionalização de estoques e da expansão dos serviços voltados a vendedores, como recebimento, armazenagem, separação, empacotamento e entrega”, diz Gauthier.

Assim como as concorrentes, a Casas Bahia também adota uma estratégia omnicanal integrada, com centros de distribuição regionalizados, hubs de última milha e utilização das lojas físicas como pontos de apoio logístico. 

Só assim para dar conta de atender clientes de todos os estados de um país cuja entrega de algo comprado pela internet pode levar de 1 a 25 dias.

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