Assim que foi lançado, há quase 2 anos, o ChatGPT acendeu um alerta no Google, que até então estava confortável na posição de líder — sinônimo, até — de “busca na internet”. O Chat sinalizava que em algum momento no futuro os modelos de inteligência artificial super espertos poderiam mudar radicalmente a forma como procuramos informação na web, oferecendo respostas prontas ao invés de uma lista de links.
Dá pra dizer que o futuro chegou para muita gente na quinta (31).
Para entender como, compare essas duas capturas de tela, que acabei de tirar do meu celular. Google do lado esquerdo, app do ChatGPT, com a atualização de quinta, do lado direito. A busca foi “quero comer pizza napolitana”.
Nós estamos tão acostumados com o Google que mal percebemos quão longe do ideal é o serviço hoje em dia. Apesar de saber precisamente onde estou, o mecanismo de buscas preferiu colocar o link patrocinado de uma pizza que não é considerada das melhores nem fica perto da minha casa, mas que pagou para aparecer lá em cima.
Depois veio outro resultado patrocinado, que não era uma pizzaria, mas uma lista (atrás de um paywall).
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Depois vem um mapa com opções diversas, uma lista de perguntas relacionadas, como ‘qual a diferença entre pizza napolitana e tradicional?’ e 4 vídeos sobre o tema — dois deles bem antigos.
Ou seja: o Google não está exatamente “resolvendo a minha busca”, mas aproveitando o que ele sabe que eu quero para me oferecer produtos relacionados. Se por acaso der um match, legal; mas isso nem sempre é possível, dado que ele sempre estará a serviço de três clientes: eu, os anunciantes e os outros serviços do próprio Google, como mapas e Youtube.
É aquela história: se você está usando algo de graça na internet, há uma chance boa de que o produto é você.
Mas olhe de novo a resposta do ChatGPT. O serviço falou de cara a única opção válida (é ao mesmo tempo a melhor pizza napolitana e a mais perto da minha casa), e explicou em poucas linhas por que era o caso, com link para o lugar. A resposta não é perfeita — o número de avaliações e a nota média parecem falsos —, mas é uma resposta próxima do que eu, apreciador da redonda de Nápoles, esperaria.
Como isso é possível? Graças à funcionalidade de “busca na web” dentro do ChatGPT, lançada no dia 31/10. Inicialmente apenas para os cerca de 11 milhões de assinantes (ao custo de US$ 20/mês), ela consiste em buscas muito rápidas na internet para agregar ao resultado gerado pela IA.
Funciona mais ou menos assim: o ChatGPT transforma o que você escreveu em várias mini-buscas; joga-as em ferramentas como o Bing ou acesso direto a sites de conteúdo para encontrar resultados; entra nos sites, pega os textos, resume o que encontrou e só daí escreve uma resposta, fazendo referência às fontes.
Tudo isso acontece normalmente em menos de dois segundos, graças a um novo modelo fine-tuned para a tarefa, que acabou de estrear e tem impressionado a todos pela velocidade.
Com essas inovações o ChatGPT fica próximo de resolver duas de três grandes desvantagens que tinha em relação ao Google: o conhecimento por vezes desatualizado e a ocasional resposta inventada, a chamada “alucinação”. Com acesso à web e a possibilidade de checar fatos, as respostas tendem a ser significativamente mais relevantes e completas.
Veja por exemplo a resposta para uma busca que fiz sobre os resultados da Ambev no terceiro trimestre, uma hora depois da conferência com investidores:
Agora, considere o modo antigo de conseguir essa informação, no Google. Com sorte você, depois de digitar a busca, veria nos primeiros resultados um link para a página de relações com investidores da empresa, clicaria ali e baixaria as apresentações. Ou buscaria diretamente nos sites de notícias algo sobre, sem direito a perguntas de follow-up, que você pode fazer no ChatGPT.
A experiência com a resposta pronta gerada por IA é definitivamente mais rápida. Mas ela pode ser limitante. Como o ChatGPT usa normalmente sites de notícias como base, é provável que ele tenha deixado de lado algum elemento interessante, focando no mínimo denominador comum, o que todo mundo noticiou. No caso da Ambev, o ChatGPT não pensou nos interessantes desafios das cervejas no mercado chinês, ângulo que cobrimos aqui no InvestNews.
Será este o futuro? Os usuários da web vão se acostumar com versões talvez menos completas e cheias de nuance, mas entregues mais velozmente, resumidinhas? Aravind Srinivas, fundador da Perplexity aposta que este é o caminho natural das coisas. O motivo: ele diz que “as pessoas são preguiçosas. Um bom produto é o que permite que elas sejam mais preguiçosas, não menos.” Falamos sobre isso em um vídeo recente do nosso IA: Modo de Usar:
IA: Por que “dar um Google” vai ser coisa do passado
A Perplexity já buscava uma solução semelhante à do SearchGPT desde antes de o Chat ser lançado. E os investidores estão confiantes que ela tem chances de ser um rival à altura de Google e OpenAI. Nesta semana, ela foi avaliada em US$ 8 bilhões. No início do ano, valia US$ 3 bi.
Na Perplexity, uma busca também traz uma resposta prontinha, às vezes com infográficos gerados na hora. Se você pensar bem, parece uma notícia personalizada pra você, escrita por uma IA em segundos, depois de “ler” vários sites. Olhando exclusivamente pelo lado do usuário, é algo aparentemente superior.
Mas este modelo de web personalizada por IA presume que teremos por exemplo empresas jornalísticas trabalhando para as gigantes de tecnologia. O SearchGPT ou a Perplexity precisam da matéria-prima para dar boas respostas. Acontece que, se a resposta for satisfatória, é possível — provável até — que a pessoa não visite a fonte original.
Dado que parte significativa do tráfego nos sites de notícias vêm de buscas no Google, e este tráfego gera dinheiro via impressões e cliques em anúncios, o que acontecerá com o ecossistema de notícias na web que dependem disso? Ou com a indústria para fazer com que sites apareçam melhor no Google (o chamado SEO)?
Ninguém sabe. O Google, que parece estar ciente de que os ventos estão soprando na direção da busca assistida por IA, também investe cada vez mais na sua versão do SearchGPT, com os resumos gerados pelo Gemini. Eles trazem links proeminentes para a fonte, e segundo a empresa, geram mais cliques que as buscas normais.
Mas eu tenho a impressão de que isso acontece porque o resumo “inteligente” do Google é feito para ser incompleto, quase um clickbait. Apesar de disposto a um certo nível de canibalização, o Google ainda quer que as pessoas cliquem em links e vejam outros resultados. Afinal, é um negócio lucrativo, que fez a empresa crescer.
É possível apostar que não será por muito tempo, entretanto. Em parte porque a empresa –um dos tentáculos da holding Alphabet – não depende mais só das buscas. Os serviços na nuvem estão crescendo em ritmo acelerado — mais de 30% no último balanço, e o Youtube já gera mais vendas (em anúncios e assinaturas) que a Netflix. Se nada disso der certo, o braço de carros autônomos parece finalmente estar decolando.
Então talvez seja melhor se acostumar com esse novo jeito de fazer buscas na internet. Mas não esqueça de checar na fonte primária se a IA não está alucinando. A gente agradece.
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