Agora, porém, essa estratégia colocou o maior prêmio do petróleo mundial ao alcance da Chevron.
Enquanto as tensões aumentam entre Venezuela e Estados Unidos, a Chevron segue como a única grande petroleira global com acesso às imensas reservas de petróleo bruto do país — as maiores já conhecidas.
Se o presidente americano Donald Trump, que deslocou uma frota de navios de guerra para a costa venezuelana, atacar e derrubar o governo, nenhuma empresa estaria em melhor posição para ajudar a reconstruir a indústria petrolífera devastada do país. Se Trump e o presidente venezuelano Nicolás Maduro chegarem a um acordo, a Venezuela precisará exportar o máximo possível de petróleo para gerar caixa — novamente beneficiando a Chevron.
A posição única da empresa de Houston traz riscos enormes — inclusive para seus funcionários — se as hostilidades se intensificarem. A Chevron ainda pode acabar expulsa do país tanto por Maduro quanto por Trump, um destino que já atingiu várias petroleiras estrangeiras na Venezuela ao longo dos anos.
Mas tanto Trump quanto Maduro têm motivos para ver a Chevron como uma aliada útil, e nenhum dos lados se moveu para interromper as operações da companhia no atual impasse. Até quinta-feira (17), a Chevron se preparava para exportar 1 milhão de barris de petróleo venezuelano, segundo dados de rastreamento de navios da Bloomberg — um dia depois de Trump classificar o governo do país como uma “organização terrorista estrangeira”. A Chevron produz cerca de 200 mil barris por dia em diversas joint ventures com a estatal venezuelana PDVSA e exporta sua parte da produção para refinarias americanas na Costa do Golfo.
“São águas muito difíceis de navegar”, disse Francisco Monaldi, diretor de política energética da América Latina na Universidade Rice, em Houston. “Mas a Chevron é uma parceira muito atraente para a Venezuela e para o governo dos EUA. Ela está em uma posição estratégica muito forte em praticamente qualquer cenário possível.”
A situação para a maior parte da indústria petrolífera venezuelana é sombria.
O bloqueio de Trump no sul do Caribe significa que a estatal PDVSA não consegue mais exportar petróleo por meio de sua frota paralela de “navios fantasmas” para a China e pode ter de começar a fechar poços em até dez dias. Um ataque cibernético atingiu o principal terminal de exportação do país em dezembro, enquanto as viagens aéreas de e para a Venezuela praticamente cessaram após interferências em sinais e alertas dos EUA sobre aumento da atividade militar.
Governos americanos sucessivos impuseram sanções à Venezuela à medida que Maduro apertava seu controle sobre o poder. Mas a Chevron, que começou a explorar petróleo no país em 1923, obteve licenças especiais para contornar as sanções. E, embora o governo venezuelano tenha prendido (e depois libertado) dois funcionários da Chevron em uma investigação de suposta corrupção em 2018, Maduro frequentemente elogia a empresa, dizendo que quer que ela fique por “outros 100 anos”.
Um arranjo único
É um arranjo incomum que acumula inimigos tanto em Caracas quanto em Washington. Críticos americanos, que em alguns momentos incluíram o secretário de Estado Marco Rubio, acusam a empresa de canalizar bilhões de dólares para um regime brutal e corrupto. Alguns setores mais duros dentro do partido governista venezuelano, por sua vez, veem a Chevron como símbolo do imperialismo americano e querem acabar com a influência estrangeira sobre a maior indústria do país.
A empresa, por sua parte, afirma que suas operações na Venezuela ajudam a estabilizar a economia local e toda a região, ao mesmo tempo em que cumprem todas as sanções e leis dos EUA. Pessoas a par das discussões internas dizem que os executivos da Chevron não gostam da exposição pública adicional que a posição na Venezuela traz, mas acreditam que a estratégia de permanecer é correta diante do potencial ganho extraordinário. Isso também envia uma mensagem a outros governos ricos em petróleo ao redor do mundo de que a Chevron é uma parceira de longo prazo — mesmo em circunstâncias difíceis, dizem.
“Estivemos lá nos altos e baixos, e como em muitos lugares do mundo, temos de adotar uma visão de longo prazo sobre nossa presença em países como este”, disse o CEO Mike Wirth neste mês à Bloomberg TV.
As reservas gigantes da Venezuela sempre atraíram empresas internacionais de petróleo. Isso mudou depois que Hugo Chávez, protegido do revolucionário cubano Fidel Castro, venceu a eleição presidencial em 1998. O paraquedista de personalidade grandiosa que virou ícone socialista aprovou leis exigindo que o Estado tivesse 51% de qualquer joint venture com empresas estrangeiras — na prática, nacionalizando a indústria. A ConocoPhillips, então maior investidora estrangeira no país, recusou os novos termos e saiu no início dos anos 2000. A Exxon Mobil fez o mesmo.
A Chevron decidiu ficar. Ali Moshiri, então chefe da empresa para a América Latina, tinha uma relação próxima com Chávez e buscou construir uma parceria em vez de sair. Em um evento da indústria em meados dos anos 2000, Chávez percebeu que Moshiri não tinha cadeira e, em tom de brincadeira, ofereceu a sua. Moshiri aceitou após um abraço e alguns tapinhas nas costas.
“Você não pode ter uma atitude de ‘entra e sai’”, disse Moshiri à Bloomberg News em 2005. “Temos de ir aonde o petróleo está.”
A aposta deu certo, ao menos no início. Os preços do petróleo subiram de US$ 25 o barril em 1999 para o recorde de US$ 146 em 2008, o que significava que Chevron e Venezuela dividiam um bolo muito maior, ainda que a fatia da empresa americana fosse menor. A relação continuou sob Maduro após a morte de Chávez, em 2013.
As relações entre Maduro e o governo dos EUA, porém, se deterioraram de forma constante. Trump, em seu primeiro mandato, impôs sanções à indústria petrolífera venezuelana, e o presidente Joe Biden as manteve, desencadeando um período de intenso lobby da Chevron em Washington. A empresa argumentava que o petróleo venezuelano era crítico para a segurança energética dos EUA, porque as refinarias da Costa do Golfo foram projetadas para processar o petróleo pesado que a Venezuela produz. Deixar o país apenas entregaria mais ativos a Maduro e criaria um vazio que empresas russas e chinesas poderiam explorar, disseram pessoas familiarizadas com o lobby à época.
Diante de uma disparada nos preços da gasolina em 2022 após a invasão da Ucrânia pela Rússia, Biden afrouxou as sanções, permitindo que a Chevron aumentasse a produção. Para preservar a imagem diante de um regime com histórico deteriorado de direitos humanos, o governo Biden determinou publicamente que a Chevron não poderia pagar impostos ou royalties a estatais venezuelanas. Uma licença secreta, no entanto, revelada pela Bloomberg News em março, permitia esses pagamentos.
O petróleo da Venezuela continuou fluindo — ajudando a baixar os preços da gasolina nos EUA — enquanto as operações da Chevron permaneciam dentro da lei. O episódio mostrou o quanto os EUA ainda se beneficiam da presença da Chevron no país, mesmo enquanto tentam aumentar a pressão sobre Maduro.
O jogo de longo prazo
A Venezuela não é o primeiro país em que a Chevron aplica sua estratégia de “ficar onde está o petróleo”.
Como Standard Oil of California, fez a primeira descoberta comercial na Arábia Saudita em 1938 e manteve presença produtiva ali por sete décadas, mesmo com a maior parte da produção hoje nas mãos da estatal Saudi Aramco. A Chevron foi a primeira grande petroleira no Cazaquistão após o fim da União Soviética e enfrentou desafios técnicos e políticos ao elevar a produção para mais de 1 milhão de barris por dia ao longo de três décadas.
Mas a estratégia não vem sem custos. Ela expõe a Chevron a interrupções provocadas por conflitos ao redor do mundo. Ao mesmo tempo, críticos atacam a empresa por fazer parcerias com governos antidemocráticos que usam o dinheiro do petróleo para reprimir direitos humanos — incluindo a Venezuela.
“Empresas como a Chevron estão, na prática, colocando bilhões de dólares nos cofres do regime”, disse Rubio em janeiro. “E o regime não cumpriu nenhuma das promessas que fez.”
Embora Trump e Rubio evitem dizer que querem derrubar Maduro, eles vêm aumentando gradualmente a pressão. E os preços fracos do petróleo, agora perto do menor nível em quatro anos, deram espaço para uma postura mais agressiva dos EUA, segundo Carlos Bellorin, vice-presidente executivo da Welligence Energy Analytics.
Trump “pode se dar ao luxo de interromper os fluxos venezuelanos com muito menos risco de uma disparada de preços, especialmente algo que afete a gasolina nos EUA”, disse ele. Bloquear petroleiros sancionados no sul do Caribe ajuda Trump a eliminar uma fonte-chave de receita de Maduro, cujo governo se tornou especialista em usar uma “frota escura” de navios que desligam ou adulteram seus sinais para exportar petróleo apesar das sanções.
Se houvesse uma mudança de regime na Venezuela, é improvável que a Chevron fosse a única grande petroleira interessada. A Exxon olharia qualquer oportunidade potencial, mas com cautela, já que seus ativos no país foram expropriados no passado, disse o CEO Darren Woods em entrevista no mês passado.
“Eu não colocaria na lista nem tiraria da lista”, disse Woods. “Teríamos de ver quais seriam as circunstâncias no momento.”
Wirth, CEO da Chevron, em contraste, segue firme na convicção de que a empresa vai permanecer, apesar das dificuldades.
“Nós não escolhemos onde está o recurso”, disse ele na cúpula de CEOs do Wall Street Journal no início deste mês. “Se saíssemos toda vez que discordamos de um governo, acabaríamos saindo de todos os lugares — inclusive deste país.”
