Tarifas de 50%: como a Embraer pode buscar uma isenção

De um lado, a companhia gera empregos nos EUA. De outro, seu avião comercial mais vendido por lá não tem concorrentes

De cada US$ 10 que entram no caixa da Embraer, US$ 6 chegam dos EUA. O grosso dessa fatia americana vem dos jatos executivos: o Phenom, de pequeno porte, e o Praetor, da família dos médios. Até 70% das vendas são para clientes americanos.

O Phenom, jato leve mais vendido do mundo há 13 anos, é produzido nos EUA. Mas vai sofrer com as tarifas de Trump também, caso elas perdurem de fato. A montagem do avião acontece na cidade de Melbourne, Flórida, mas 40% das partes da aeronave são vêm de fora dos EUA. A fatia que chega do Brasil está, portanto, sujeita à tarifa de 50%.

O Praetor também é montado na Flórida, mas com uma porcentagem não-americana maior, de 60%. Logo, está mais exposto às tarifas que seu irmão menor. 

Praetor 600. Foto: divilgação

Vale notar que Praetor vende menos que o Phenom. Só que é mais caro. Dessa forma, ele responde por 65% do faturamento da Embraer com jatos executivos (de acordo com analistas do BTG). Ou seja: o jatinho que mais faz dinheiro será também o mais taxado.

Tudo isso caso não venha uma isenção para as peças dos Phenom e dos Praetor – pelo simples fato de a Embraer produzir, e gerar empregos, nos EUA. Curiosidade: por lá, há quem chame a fabricante de aviões de São José dos Campos de “fabricante de aviões de Melbourne”.  

Phenom 300 Foto: divuilgação

E um fato. A europeia Airbus fabrica o A320 e o A220 no Alabama. O primeiro tem 60% dos componentes importados; o segundo, 50%. Ela está sendo taxada em 10% sobre essas peças que cruzam o atlântico, por conta das tarifas contra a União Europeia. Mas faz lobby ficar isenta, justamente por produzir em território americano. Caso ela consiga escapar, seria ilógico seguir taxando as importações da brasileira – não que seja eficaz cobrar lógica econômica nessa história toda.

O incrível caso do E175

O produto mais bem sucedido da história da Embraer precisa dos Estados Unidos para existir. E os EUA também precisam dele. É o E175, jato comercial para 76 passageiros – um terço da capacidade do onipresente Boeing 737. Trata-se do menor jato comercial em produção, feito sob medida para a aviação regional americana.

Você provavelmente nunca viu um E175 num aeroporto brasileiro, já que nenhuma companhia daqui opera essa aeronave. Nos Estados Unidos é diferente. O aviãozinho tem um market share de 88% entre os comerciais de pequeno porte. 

Das 783 unidades entregues em dez anos pela Embraer, 723 foram para companhias dos EUA.

Qual é o segredo? Primeiro, tradição. A Embraer praticamente inventou o conceito de jato comercial de pequeno porte. Mais rápidos e confortáveis que seus pares a hélice, eles conquistaram o mercado americano ainda nos anos 1990, com o já fora de linha ERJ-145. O E175 é o sucessor desse pioneiro. 

E a dominância dele não abriu espaço para a Boeing ou a Airbus gastarem bilhões de dólares no desenvolvimento de um concorrente direto – elas seguiram concentradas em aviões maiores.

Outra mão na roda do E175 é uma lei americana. Mais precisamente, um acordo entre as companhias aéreas e os sindicatos de pilotos, chamado “cláusula de escopo” (scope clause). 

E175. Foto: divilgação

Ele determina que o peso máximo de decolagem (MTOW, na sigla em inglês) não pode exceder 39 toneladas em voos regionais entre certas cidades. 

Não se trata de uma questão de segurança, mas de uma determinação protecionista dos sindicatos. Pilotos de aviões maiores ganham mais do que pilotos de aviões menores. Se o conceito de “avião regional” ficasse sem um limite claro, como esse do peso, as companhias aéreas se veriam tentadas a usar aeronaves de menor porte em mais rotas. E isso reduziria o mercado de trabalho dos pilotos mais bem remunerados.

O E175 é o único avião comercial do mundo, entre aqueles em produção hoje, a cumprir essa regra, a do MTOW abaixo de 39 toneladas. Tem mercado cativo nos Estados Unidos, portanto.

Tão cativo que essa aeronave segue em produção mesmo sendo de uma geração mais antiga da Embraer, a E1. Os aviões novos da companhia são os da série E2. 

A Embraer desenvolveu essa nova geração para que ela fosse uma família de três aeronaves: E175-E2, E190-E2, E195-E2. Mas só as duas últimas (para mais de 100 passageiros) chegaram ao mercado. O E175-E2 acabou cancelado, porque seu MTOW estava acima do previsto pela cláusula de escopo – provavelmente a empresa imaginou que os sindicatos de pilotos mudariam a regra americana, o que não aconteceu.

Com isso, o E175-E1 seguiu em linha de montagem, sem concorrentes. E continua dando um bom caldo para a Embraer. No ano passado, ele representou, sozinho, 9% da receita da companhia. 

E agora, com as tarifas? A princípio, seria um problema grave. O E175 é produzido em São José dos Campos. Os 50% ali recairiam sobre o avião inteiro.

Por outro lado, é impossível que a Boeing, ou qualquer outra empresa americana, desenvolva da noite para o dia um avião de 76 passageiros para suprir esse nicho. O natural, então, é que a Embraer use esse argumento para evitar a taxa abusiva.  

E claro: tão logo veio a bomba, a empresa começou a se mexer. A Embraer disse em nota, na quinta (10), que “está trabalhando com as autoridades competentes visando restabelecer a alíquota zero dos impostos de importação para o setor aeronáutico.” 

Sobre o impacto da medida para suas operações, a empresa afirmou que vai detalhar tudo na teleconferência de resultados do segundo trimestre, no dia 5 de agosto. 

Mas o fato é que, do portfólio da Embraer, o efeito se dá em cima dos jatos executivos, que trouxeram 27% da receita em 2024, e do E175, que contribuiu com aqueles 9%. Isso mais uma parcela sobre a unidade de negócios Serviços & Suporte (26% da receita), que a unidade da Flórida também presta, e envolve a importação de algumas peças ou partes feitas no Brasil.

Já o impacto sobre os outros aviões comerciais da Embraer (o E190-E2 e o E195-E2) é nulo – pelo menos no que toca a aviões já encomendados pelos EUA. Porque nenhuma companhia aérea de lá jamais encomendou qualquer um desses aviões.

Idem para a joia da coroa da unidade Defesa & Segurança (11% do faturamento). Estamos falando do cargueiro C-390. Ele tem mais de 40 unidades encomendadas mundo afora, incluindo vários países da Otan. Mas os EUA nunca demonstraram interesse. E enquanto Trump estiver no papel de Commander-in-Chief das Forças Armadas americanas, isso provavelmente não vai acontecer.

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