A DP World é uma dessas empresas estatais dos Emirados Árabes das quais você provavelmente nunca ouviu falar, mas deveria. Com uma operação bilionária financiada pelas receitas do petróleo de Dubai, a multinacional desempenha um papel importante – que ajuda a entender melhor a dinâmica do comércio global.
Forçada a se desfazer de ativos nos Estados Unidos no começo deste século (mais sobre isso adiante), a DP World voltou seus investimentos para outros países do continente americano, com destaque para o Brasil, segunda economia das Américas.
Ela também tem trabalhado em instalações portuárias no Canadá e, mais recentemente, engajou-se em conversas com autoridades mexicanas para iniciar operações no país presidido por Claudia Sheinbaum.
Para a DP, a conhecida deficiência do Brasil em infraestrutura logística é uma oportunidade de negócios. O CEO da DP Brasil, Fabio Siccherino, diz que o fortalecimento da exportação brasileira nos últimos anos deixou evidente a necessidade de investimentos na área – o país precisa diminuir o tempo de transporte das cargas até os portos, e também os custos dessas operações.
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“Quando a gente olha para a competitividade do Brasil no comércio global, percebe que há um gap muito grande entre a infraestrutura que a gente tem e a infraestrutura que a gente precisaria ter”, afirmou ao InvestNews o executivo.
Por aqui, a história da empresa começou em 2013, quando inaugurou no Porto de Santos o seu terminal de contêineres. Não é concessão, trata-se de um terminal privado.
A entrada no Brasil faz parte de uma expansão internacional da companhia de Dubai, cuja história se confunde com o processo de desenvolvimento do emirado como um centro global de comércio e logística, impulsionado pelos portos de Rashid e Jebel – os “Dubai Ports” que formam o “DP” de seu nome.
A empresa é controlada pela Dubai World, uma estatal de investimentos que administra um amplo portfólio de negócios para o governo de Dubai. É possível traçar um paralelo com a atuação do Mubadala, fundo soberano de outro emirado, Abu Dhabi, cujos tentáculos também são globais e alcançam negócios que vão rodovias ao Burger King no Brasil.
DP World… Brasil
À semelhança do Mubadala, a DP teve de aprender a fazer negócios no Brasil em meio a uma grande crise do capitalismo nacional. A DP World tinha a Odebrecht como sócia do terminal no Porto de Santos e só tornou-se dona por inteiro do ativo em 2017, quando comprou a parte da empresa brasileira. A partir daí, o terminal passou a funcionar sob a bandeira DP World Brasil.
Em março de 2024, a DP Brasil e a Rumo – braço de logística do grupo Cosan – anunciaram um acordo para a construção de um novo terminal no Porto de Santos que será usado para exportar grãos e importar fertilizantes.
A nova estrutura vai demandar R$ 2,5 bilhões em investimentos que sairão dos bolsos da Rumo, enquanto a DP Brasil será a operadora exclusiva do complexo em um contrato que tem validade para 30 anos. O complexo deverá movimentar, por ano, nove milhões de toneladas de grãos e 3,5 milhões de toneladas de fertilizantes.
O acordo com a Rumo não foi o primeiro da DP com uma grande empresa brasileira. Em 2017, a Suzano fechou contrato de 25 anos para exportar celulose a partir da estrutura da DP Brasil em Santos. O acordo exigiu investimentos bilionários e marcou a transformação do complexo, até então especializado na movimentação de cargas finalizadas, transportadas em contêineres, em vez de matérias-primas, que exigem outra gama de equipamentos.
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Hoje, a DP Brasil movimenta cinco milhões de toneladas de celulose da Suzano em Santos e tem feito novos investimentos para ampliar a capacidade do terminal no transporte de contêineres – ao custo de R$ 450 milhões.
A diversificação de serviços faz parte da transformação global da própria DP nos últimos anos. A companhia comprou mundo afora empresas de logística que atuam em outras etapas do transporte de mercadorias, algumas com atuação regional, outras com atuação global. A americana Syncreon foi comprada em 2021 por US$ 1,2 bilhão, reforçando a presença da estatal de Dubai no mercado de cadeias de suprimentos complexas.
Agora, a DP Brasil se prepara para novos projetos e está de olho no leilão do Porto de Itajaí (SC), que deve acontecer no ano que vem. A DP já tem um escritório na cidade e o CEO Fabio Siccherino disse que a empresa está mesmo interessada em tornar-se operadora do porto. A decisão final, porém, vai depender da modelagem do contrato oferecida pelo governo. O leilão deve acontecer em 2025.
A visão da DP é criar uma rede logística integrada que incorpore serviços de transporte interno, agenciamento de carga, desembaraço aduaneiro e entrega no destino final.
“Se a gente tem essa conectividade dos nossos terminais, por que não integrar tudo e oferecer algo mais competitivo? É nessa linha que a gente tem crescido e investido aqui no Brasil”
Fabio siccherino, ceo da dp world brasil
O sonho americano
Há 18 anos, a DP World sofreu um grande revés nos seus planos de atuação global. Era o início de 2006 e ela tinha comprado a britânica Peninsular & Oriental Steam Navigation. Com o negócio, ela se tornava a controladora de cinco terminais portuários na Costa Leste dos Estados Unidos.
Mas faltava combinar com os russos. Nesse caso, os congressistas americanos. Os ataques terroristas do 11 de Setembro tinham provocado uma onda anti-árabe, que perdurava. Um comitê da Câmara não queria que uma empresa estatal dos Emirados Árabes fosse proprietária de uma infraestrutura crítica no país. A pressão política forçou a empresa a se desfazer de seus ativos em território americano.
A Dubai Ports, então, focou no vizinho de cima dos EUA. No mesmo 2006, comprou a gestão de um terminal em Vancouver, no Canadá. Desde então, expandiu sua presença no país, focando principalmente em infraestrutura portuária.
Nos últimos meses, a DP olhou para o vizinho de baixo dos americanos. A empresa de Dubai intensificou o corpo-a-corpo com autoridades mexicanas e negocia com elas a instalação de um grande complexo industrial nos moldes da Zona Franca de Jebel Ali, que ajudou a consolidar a posição de Dubai como um centro global de comércio marítimo.
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O plano agora é aumentar a fatia do comércio com destino aos EUA “cercando” o país – ao norte, a partir das estruturas no Canadá, e ao sul, a partir do complexo no México. Uma vez dentro do território americano, as mercadorias passam por diversos centros de logística que a DP controla no país. A restrição só se dá mesmo na área de portos.
Pelo menos por enquanto. Ao The Wall Street Journal, o CEO da DP World, Ahmed bin Sulayem, disse que a empresa não desistiu dos portos americanos e que acredita que o sentimento em Washington é diferente do que era duas décadas atrás.
Mas aqui vai um destaque importante: a declaração de Sulayem ao jornal americano ocorreu alguns meses antes da vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA. O republicano voltará à Casa Branca em janeiro de 2025 e, com ele, uma retórica nacionalista e protecionista que pode inviabilizar – ou no mínimo adiar – o sonho do porto americano próprio que há décadas a DP World acalenta.
(Colaborou Rikardy Tooge)
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