Negócios
Danone mexe com soja do Brasil e inaugura nova crise entre agronegócio e União Europeia
Crítica à soja brasileira desencadeou ameaça de boicote aos produtos da multinacional francesa
A Danone pagou pela língua e começou o que promete ser uma crise recorrente entre as empresas da União Europeia com os principais países exportadores do agronegócio, sobretudo o Brasil, maior produtor e exportador de soja do mundo. A mais recente briga entre agricultores brasileiros com a multinacional francesa dona do YoPro tem como pano de fundo uma controversa lei antidesmatamento para as indústrias que atuam no bloco europeu.
Juergen Esser, CFO e número dois na hierarquia da Danone, disse na quinta-feira (24) que a matriz francesa deixou de comprar a soja do Brasil e ressaltou que a empresa só adquire “ingredientes sustentáveis”. Esser afirmou que a empresa estava se abastecendo de soja “produzida na Ásia”, sem especificar o país. Vale lembrar que o continente é mais importador de grãos, em especial do brasileiro, do que produtor.
A fala acertou o agronegócio brasileiro em cheio. Seus representantes alegam uma postura protecionista, e também difamatória. Diante disso, ameaçaram, na terça-feira (29), buscar compensações junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), além de sinalizar boicote aos produtos da marca. A crise escalou tão rápido a ponto de o governo brasileiro se manifestar e a própria Danone ter que vir a público desmentir seu alto executivo.
“Reafirmamos que não há medidas restritivas à compra de soja brasileira na cadeia de suprimentos da Danone em todo o mundo”, disse Silvia Dávila, presidente da Danone na América Latina e membro do comitê global da empresa. “Reafirmamos que as informações que circularam acerca deste assunto não foram precisas.”
A fala de Esser envolve o chamado Regulamento de Desmatamento da União Europeia (EUDR, em inglês), que determina que as companhias que atuam no bloco europeu comprovem que suas matérias-primas não contribuíram para a derrubada de florestas pelo mundo após dezembro de 2020. A regra foi aprovada em 2022 e passará a valer em dezembro deste ano. No entanto, a pedido do Brasil e de outros países, a Comissão Europeia sinalizou que pode adiar o início para 2025 – falta ainda o aval do Parlamento Europeu.
Na mira do EUDR está a comercialização de gado, soja, cacau, café, dendê, soja, madeira, couro, chocolate e móveis. Dos biomas brasileiros que a lei contempla, estão o da Amazônia e parte do Cerrado. O regulamento prevê ainda multas de até 20% do faturamento da empresa que descumpri-lo.
“O Brasil considera as normas do EUDR arbitrárias, unilaterais e punitivas, tendo em vista que desconsideram particularidades dos países produtores”, deu sua saraivada o Ministério da Agricultura, em nota. Os produtores de soja foram pra cima da Danone, chamando a declaração do CFO de “ato de discriminação”. “Este ato é passível de reclamação por parte do governo brasileiro nas instâncias que regulam o comércio mundial”, disse a Aprosoja Brasil, entidade que representa os agricultores.
Na defensiva após as bordoadas, a Danone, que vendeu € 2,3 bilhões de janeiro a setembro em sete países da América Latina e tem no Brasil um de seus principais faturamentos na região, se limitou a dizer que “a informação não procede”. Postura adotada também pela matriz global, em nota publicada no LinkedIn.
“A Danone continua comprando soja brasileira em conformidade com as regulamentações locais e internacionais”, acrescentou o presidente da operação brasileira da empresa, Tiago Santos, na terça-feira (29). “A soja brasileira é um insumo essencial na cadeia de fornecimento da companhia no Brasil e continua sendo utilizada.”
Novo normal
Crises como essas tendem a ser mais comuns com a iminência do EUDR. O motivo é que o Brasil e o agronegócio daqui vêem a legislação europeia como uma interferência à soberania. Assim como o InvestNews mostrou recentemente no embate que envolve a “Moratória da Soja”, governo e agricultores defendem que já existe uma lei restritiva o suficiente em relação ao desmatamento: o Código Florestal brasileiro.
Na lei, que foi atualizada em 2012, estão previstos os percentuais que um agricultor pode desmatar em cada um dos biomas do país (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa).
Por exemplo, se um agricultor quiser produzir na Amazônia, poderá utilizar somente 20% da área para a atividade, os outros 80% precisam ser preservados. Esse é o desmatamento legal. O grande entrave é que os europeus querem desmatamento zero – que nenhum milímetro de árvore seja derrubado após dezembro de 2020, como determina o EUDR.
Na visão do Brasil, a exigência de desmatamento zero seria, na verdade, mais um artifício para impor uma barreira comercial ao país. Por trás dessa análise estão os polpudos subsídios que a União Europeia fornece a seus produtores rurais, em especial os da França e Alemanha, que fazem um frequente lobby junto à UE para evitar a entrada excessiva de produtos agrícolas de outros países, que costumam ser mais baratos que os europeus.
A celeuma é uma das travas ao princípio de acordo comercial entre Mercosul-União Europeia, que está na mesa de europeus e sulamericanos desde 2019 sem um desfecho. E, a exemplo do acordo comercial UE-Mercosul que é negociado há quase 30 anos, a tendência é que a disputa comercial em torno do EUDR siga por uns bons anos.
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