A recente tempestade perfeita vivida pelas varejistas brasileiras está prestes a ter um novo capítulo. Além de lidar com a concorrência das estrangeiras, as altas taxas de juros e a escalada do dólar, as empresas se preparam agora para um repasse de preços que deve chegar a 10% no primeiro trimestre do ano, disseram pessoas com conhecimento do assunto sob condição de anonimato.
Proteínas, software e monitores de computador são áreas específicas de preocupação, disseram as pessoas. Espera-se que os aumentos nessas categorias fiquem bem acima da inflação anual, esperada em 4,85%. O IBGE divulgará o número oficial na sexta-feira (10).
O dólar opera perto da máxima histórica, o que eleva os preços dos produtos importados para os brasileiros. A alta cambial também restringe o fornecimento de alimentos ao tornar as exportações mais atraentes do que as vendas para o mercado interno no caso dos grãos e das proteínas. Uma seca severa também contribuiu para o aumento dos preços dos alimentos.
Este cenário desencadeou as negociações mais difíceis dos últimos anos entre as varejistas e os fornecedores, disse uma pessoa a par do assunto. As companhias procuram evitar aumentos bruscos de preços que assustariam ainda mais os consumidores, já sobrecarregados com a alta das taxas de juros no país.
As redes varejistas elevaram seus estoques para tentar, minimamente, conter o aumento de preços, segundo a pessoa, que pediu para não ser identificada por falar sobre discussões privadas.
“Os preços ainda deverão mostrar reflexo de uma economia muito aquecida”, disse Andrea Angelo, analista de inflação da Warren Investimentos. O estímulo governamental, o baixo desemprego, o choque cambial e os preços mais elevados das proteínas contribuem para um aumento dos preços, acrescentou ela.
As lojas brasileiras têm enfrentado dificuldades nos últimos anos, à medida que concorrentes estrangeiros bem capitalizados, como Amazon.com, MercadoLibre e Shein, fazem incursões no país. As ações de empresas varejistas de capital aberto, como o Carrefour Brasil, conhecido como Atacadão, e a Magazine Luiza ficaram muito atrás do desempenho do Ibovespa.
Espera-se que as empresas brasileiras comecem a divulgar os resultados do quarto trimestre no início de fevereiro e os números devem ser afetados pela estratégia adotada pelas companhias no fim no ano.
Os preços mais elevados dos alimentos podem provocar um aumento nas receitas de vendas de produtos alimentares, mas isso provavelmente irá drenar o consumo de setores discricionários, como os bens duráveis, de acordo com Danniela Eiger, analista da XP, também prejudicando os consumidores, disse ela.
“Com a restrição de renda pela inflação, acaba que o consumidor vai enchendo seus baldinhos de prioridade, como alimentação, saúde, transportes, energia elétrica”, disse Eiger. “Outros itens vão sendo impactados à medida que a renda vai ficando mais limitada.”
A situação é semelhante à de 2020, quando o câmbio também subiu acentuadamente e as varejistas tiveram que repassar seus principais aumentos aos consumidores. No entanto, o isolamento exigido pela pandemia ajudou a blindar as varejistas, já que que os consumidores desviavam os gastos com viagens e outras áreas para compras online. Mas com a atividade econômica normalizada quase cinco anos depois, as empresas não obterão os mesmos benefícios desta vez.