Domínio brutal da China trava investimentos em start ups ocidentais de energia limpa

A China já fabrica 80% dos painéis solares do mundo, 60% das turbinas eólicas e 75% das baterias

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Investidores de venture capital começam a dizer em voz alta o que já suspeitavam há algum tempo: a dominância da China deixou setores-chave da virada energética no Ocidente incapazes de receber investimentos.

Um grupo de oito investidores contou à Bloomberg os detalhes de uma viagem feita em julho pela China, na qual visitaram fábricas, conversaram com investidores locais e entrevistaram fundadores de empresas.

Eles já sabiam que a China estava na frente em setores como baterias e “tudo relacionado à energia”, mas ver de perto a dimensão do avanço os deixou questionando como europeus e norte-americanos podem sequer sobreviver na competição, diz Talia Rafaeli, ex-banqueira de investimento do Goldman Sachs e do Barclays, hoje sócia da Kompas VC. “Todos precisam fazer esse tipo de viagem”, afirmou.

Às vésperas da Climate Week de Nova York, o encontro anual de finanças climáticas, investidores profissionais terão de encarar o fato de que a China — maior emissora de carbono do mundo — é agora o motor mais forte da transição para uma economia de baixo carbono. Enquanto Donald Trump desmonta políticas verdes e a Europa se perde em impasses regulatórios, Pequim transforma setores inteiros em territórios impenetráveis para startups ocidentais.

Os investidores entrevistados não têm mandato para aplicar diretamente na China. O objetivo é, na verdade, evitar colocar dinheiro em startups ocidentais incapazes de competir com as chinesas. Durante a Climate Week, planejam falar sobre pouco mais do que isso.

Nick de la Forge, sócio da Planet A Ventures (Berlim), disse que sua firma já excluiu de vez investimentos em startups ocidentais de baterias, reciclagem, eletrolisadores, solar e hardware para eólica. “Antes eu suspeitava que a China estava muito à frente; depois da viagem, esses setores ficaram estritamente fora da lista”, afirmou.

Yair Reem, da Extantia Capital, contou que já interrompeu investimentos em fabricantes ocidentais de células de bateria. Em vez disso, busca cooperação com empresas chinesas na cadeia de suprimentos. “Na manufatura de baterias no Ocidente, o jogo acabou”, disse.

Ashwin Shashindranath, ex-diretor do Macquarie Group e hoje sócio da Energy Impact Partners, disse que ficou “claríssimo” que investidores ocidentais vivem “numa bolha” de ilusões sobre a China.

Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA e chairman da Generation Investment Management, afirmou que a supremacia chinesa na transição energética está levando “muitos países” a considerar laços mais próximos com Pequim. Ele chamou o recuo americano em tecnologias de transição de “tragédia”.

A China fabrica 80% dos painéis solares do mundo, 60% das turbinas eólicas, 70% dos carros elétricos e 75% das baterias, tudo a um custo menor que o do Ocidente. Além disso, responde por 75% das patentes de energia limpa e domina a cadeia de minerais críticos para tecnologias verdes.

O famoso modelo de trabalho “996” (das 9h às 21h, seis dias por semana), embora oficialmente proibido, ainda dita normas do mercado de trabalho, segundo os investidores.

Para Irena Spazzapan, ex-executiva do Goldman Sachs e hoje chefe da Systemiq Capital, os avanços da China refletem sua busca por independência energética. “Eles priorizaram a segurança energética acima de tudo”, disse.

Apesar disso, a China continua sendo o maior consumidor e produtor de carvão do mundo, e políticos ocidentais a acusam de vencer a corrida da tecnologia limpa à custa do meio ambiente e de direitos humanos.

Miranda Schreurs, professora de política climática da Escola de Políticas Públicas da Baviera, reconhece preocupações, mas destaca que Pequim está “ocupando o vácuo deixado pelos EUA, que rejeitam a ciência climática e a cooperação internacional”.

O domínio chinês não significa necessariamente lucros para as empresas locais. O governo vem eliminando subsídios e a superprodução derrubou preços, corroendo margens. “Os interesses dos acionistas têm sido largamente ignorados”, disse Spazzapan. O sistema favorece escala, não rentabilidade.

Para investidores, a experiência tem sido de “miséria total”, afirma Dan Wang, pesquisador da Universidade de Stanford. O modelo chinês se apoia em muito poder estatal e consumidor, mas traz pouco benefício para investidores financeiros.

Segundo Gernot Wagner, economista climático da Columbia, permitir que empresas quebrem em massa gera custos sociais, mas ajuda a criar “campeãs globais”. Para Nick de la Forge, foi uma revelação ver o quão longe a China leva esse “darwinismo corporativo”: só sobrevivem os mais fortes.

Os investidores também observaram como a China está internalizando cadeias produtivas inteiras. Gang Lin, fundador da Marvel-Tech (Xangai), disse que encontra fornecedores locais em todas as etapas, dispostos até a adaptar processos. A empresa desenvolve turbinas a gás trifuel (hidrogênio, amônia e gás natural).

Muitas startups chinesas agora buscam escapar das guerras de preços com exportações. A GCL Perovskite, do grupo GCL, já atraiu Sequoia China e Temasek como investidores e pretende se “globalizar o quanto antes”, disse o chairman Fan Bin.

Outro ponto observado foi o foco chinês em avanços incrementais, em vez de rupturas radicais. “Eles começam pelo que é mais fácil de escalar e depois fazem as loucuras”, disse Reem, da Extantia. “É o oposto do que o Ocidente faz.”

A viagem também incluiu uma parada na Contemporary Amperex Technology (CATL), maior fabricante mundial de baterias de íons de lítio. “Vimos a linha mais automatizada e avançada do mundo, com 12 delas em paralelo, e muitas mais ao redor”, disse Jacob Bro, sócio da 2150. “Percebe-se que alcançá-los é inútil: não vai acontecer.”

A esperança europeia de criar um gigante de baterias ruiu com a falência da sueca Northvolt AB, que pediu proteção contra credores nos EUA e na Suécia. “Hoje, se você quer construir algo como a Northvolt, tem que chamar esses caras e fazer junto com eles”, disse Bro.

Por Alastair Marsh

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