Negócios
Em recuperação judicial desde 2018, Saraiva põe fim a história centenária
Empresa não conseguiu sobreviver à queda das receitas e pediu autofalência; relembre a história.
O pedido de autofalência protocolado pela Saraiva (SLDE3) nesta quarta-feira (4) na Justiça põe fim à história da centenária rede. Trata-se do último capítulo da empresa fundada em 13 de dezembro de 1914 pelo imigrante português Joaquim Inácio da Fonseca Saraiva, e que se tornou uma sociedade anônima em 1947, abrindo capital em 1972.
A empresa chegou a ter mais de cem lojas espalhadas pelo Brasil há menos de dez anos. Em 2018, porém, entrou em recuperação judicial, quando tinha 85 lojas em 17 estados brasileiros, além do Distrito Federal. À época, a empresa acumulava R$ 675 milhões em dívidas junto a 1,1 mil credores.
Com o processo de RJ em curso, as dificuldades da empresa continuaram expressivas, principalmente sob o impacto da pandemia. Com a piora da situação nos últimos meses de 2023, a Saraiva devolveu a sede da empresa em agosto e, no mês passado, anunciou o fechamento das cinco lojas remanescentes.
Último respiro
Afinal, por que o pedido de recuperação judicial não teve resultado depois de cinco anos? Mais que isso, o que quer dizer a falência decretada pela própria Saraiva?
“Quando se faz um pedido de autofalência dentro de um pedido de recuperação judicial significa que de fato a empresa jogou a toalha”
Eduardo Grangeiro, coordenador da área de Reestruturação de Empresas e Falências do escritório SCA – Scalzilli Althaus
Ou seja, a própria Saraiva chegou à conclusão da impossibilidade de continuar os negócios.
Conforme a empresa descreve na petição, entre as razões que impedem a continuidade das atividades empresariais, está o período de forte crise pela qual passa o mercado brasileiro de livrarias ainda pouco antes do pedido de recuperação judicial e, desde então, sem previsão de melhora.
De uma forma geral, um fator recente que prejudicou uma série de setores da economia real foi a taxa de juros elevada, que contribuiu para diminuição da renda disponível da população e para o aumento do custo do crédito.
“A autofalência é um processo falimentar em que o próprio devedor solicita a falência, em vez de ser solicitada por um credor”, reitera o especialista em reestruturação empresarial, Estevão Seccatto.
Para ele, entre os fatores que levam a essa situação estão: o uso de caixa para abertura/manutenção de grandes pontos comerciais; canal digital pouco explorado pelas próprias lojas virtuais frente a uma precificação e concorrência agressiva com o comércio eletrônico (e-commerce) e outros marketplaces.
Mudança de hábito
A Saraiva também menciona na petição o hábito dos clientes de comprar cada vez mais pela internet, com as compras online sendo mais práticas, rápidas e econômicas. Mesmo o segmento editorial também sofreu com muita concorrência e pressão por custos. Ao mesmo tempo, há poucas barreiras de entrada para a atividade de venda de livros.
Citando declarações do presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Marcos Pereira, em entrevista em dezembro de 2020, a Saraiva afirma no pedido apresentado que, nos dias atuais, é impossível para uma livraria física, que tem altos custos, competir com canais on-line apenas no preço.
“Com a mudança no hábito do comportamento do consumidor, migrando cada vez mais para compras online em detrimento da compra em loja física, a Saraiva viu a sua receita cair drasticamente ao longo dos anos”, explica Leandro Petrokas, diretor de research e sócio da Quantzed. É exatamente isso o que aponta levantamento feito pelo InvestNews.
Com base nos balanços trimestrais, o faturamento da Saraiva em quatro anos caiu drasticamente, passando da casa dos R$ 155 milhões no segundo trimestre de 2019 – antes, portanto, da pandemia – para apenas R$ 7 milhões em igual período deste ano.
Já o prejuízo líquido se aprofundou em 2020, com perdas de quase R$ 200 milhões em três meses. Porém, a última linha do resultado chegou a ficar no positivo no ano passado. Ainda assim, foi por pouco tempo, com a empresa voltando ao vermelho no início de 2023.
“Parece ser um caminho sem volta onde o tempo das ‘vacas gordas’ para empresas de venda física de livros ficou para trás”
Leandro Petrokas, diretor de research e sócio da Quantzed
E agora?
Houve, portanto, uma tempestade repleta de fatores negativos para a Saraiva, elevando as dificuldades de honrar os compromissos com os credores. “A empresa não via alternativa”, resume Grangeiro, do escritório SCA.
Para ele, a Saraiva lutou para “manter-se viva ainda que por aparelhos”, mas “não tentou permanecer viva a qualquer custo”.
“A decisão da Saraiva foi bastante amadurecida, pois a falência foi um remédio útil ao invés de esperar até o último momento de vida que mantivesse a empresa artificialmente de pé”
Eduardo Grangeiro, do escritório SCA
Grangeiro avalia que o pedido da empresa deve ser acolhido pelo juiz responsável da 2ª Vara de Falências e Recuperações de São Paulo, o que pode ocorrer nos próximos dias. A partir daí, o administrador judicial irá se desfazer dos bens da empresa e distribuí-los entre os credores, ao mesmo tempo em que haverá o encerramento das atividades da Saraiva.
Já para o setor existem duas possibilidades. Na avaliação de Petrokas, pode haver uma grande consolidação, em que “o vencedor leva tudo”, com poucos nomes ou apenas um player dominando o mercado. “Ou, o que parece mais provável, seria o extremo oposto: uma pulverização de players menores atuando, com receita e margens menores”, aponta.
Afinal, só em 2022 os brasileiros compraram R$ 5,5 bilhões em livros, sendo apenas 1% digital, do tipo e-book. “As pessoas continuam lendo livros. O canal de vendas é que mudou. Fato consumado”, afirma Seccatto.
Para o especialista em reestruturação empresarial, o episódio com a Saraiva marca o fim de um modelo de negócios, que já respirava por aparelhos após os casos emblemáticos da Laselva e da Livraria Cultura. “Uma fração considerável de livrarias físicas não conseguiu se adaptar e está saindo de cena”, destaca.
De qualquer forma, empreender no Brasil é uma tarefa complexa, seja por uma série de questões burocráticas ou custosas para a empresa. “Diante disso, pode-se ver um movimento de novos pedidos de RJ e falência, caso não sejam realizadas mudanças estruturais (e não apenas incentivos pontuais) para a melhora do ambiente de negócios no Brasil”, conclui o especialista da Quantzed..
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