Exclusivo: pressionada pelas tarifas, Embraer analisa fabricar cargueiro nos EUA, diz CEO

Francisco Gomes Neto busca um acordo que livre aeronaves das tarifas, e coloca na mesa a possibilidade de produzir mais aeronaves nos EUA

Tão logo a carta de Donald Trump anunciando a tarifa de 50% para produtos brasileiros se tornou pública, empresários, investidores e analistas começaram a calcular o tamanho do estrago e identificar quem seria o mais afetado – o que colocou a Embraer sob escrutínio, contrastando com o destaque que tinha ganhado recentemente por viver seu melhor momento operacional. No segundo trimestre, por exemplo, bateu recorde de carteira de pedidos: US$ 29,7 bilhões no total, somando as 180 encomendas de aeronaves que fabricante tem a entregar nos próximos anos.

As angústias de agora têm razão de ser. Cerca de 30% da receita de exportações da companhia vêm dos EUA. Considerando também as operações que a Embraer tem por lá, o mercado americano responde por mais da metade da receita da fabricante. 

Em 15 de julho, numa espécie de coletiva de emergência, o CEO da Embraer foi categórico: o efeito de um tarifaço seria similar ao da Covid para a empresa. Foi lá em 2020 que a Embraer teve de lidar com as consequências do vírus para o setor aeronáutico e com a desistência da Boeing de comprar sua área comercial. Durante a pandemia, a produção de aeronaves comerciais caiu de 100 unidades anuais para 50.

A Embraer tem fábricas nos EUA, mas o best seller da empresa ali é o jato regional E-175, feito em São José dos Campos (SP). Caso uma realidade assim perdure, é possível que boa parte das encomendas acabem canceladas.

Isso exigiria repensar os planos de produção e mesmo o tamanho da sua força de trabalho, num corte que pode ser da ordem de 20% do quadro de funcionários. A projeção da Embraer era aumentar o faturamento em mais de 50% em cinco anos, para US$ 10 bilhões. Agora esse cenário está nublado.

Apesar da preocupação, Francisco Gomes Neto, o CEO, mantém um olhar esperançoso – em grande parte, por causa das lições aprendidas com o inferno astral de 2020. “Nossa tese é de que a relevância econômica da Embraer, tanto para o Brasil como para os Estados Unidos, é tão grande que podemos ser otimistas de chegar a uma solução. A racionalidade econômica vai prevalecer”, diz o executivo em entrevista exclusiva ao InvestNews.

A entrevista aconteceu na manhã de sexta-feira, 25, a poucos dias de 1° de agosto, previsão para as tarifas entrarem em vigor. Nessa corrida contra o relógio, Gomes Neto acredita que, mesmo que a desejada solução não venha dia 31, acabe chegando pouco depois.

Nos últimos dias, o executivo intensificou a agenda de reuniões para falar com autoridades brasileiras e americanas, além de parceiros locais, de companhias aéreas a fornecedores de componentes. “Tenho recebido feedbacks positivos dos dois lados [autoridades brasileiras e americanas].”

Nesta semana, na teleconferência de resultados do segundo trimestre, o CEO da American Airlines, Robert D. Isom, se declarou pronto para auxiliar nas negociações. A companhia aérea é a maior operadora das aeronaves E175 no mundo. “É uma parceira excelente”, disse Isom. 

Made in Brazil?

Os aviões da Embraer podem até ser brasileiros, mas têm DNA global – incluindo um percentual significativo de componentes americanos. No caso do E175, os motores vêm dos EUA (GE), e outros componentes fundamentais chegam da Alemanha (trem de pouso), da França (ar condicionado), da Espanha (estabilizadores), do Japão (partes das asas)…

Cada aeronave é uma conferência da ONU. Justamente por isso o setor aéreo goza de isenção tarifária global há praticamente meio século. É basicamente inviável produzir um debaixo de um corredor polonês de tarifas. Mas essa é só mais uma das verdades que o segundo mandato de Trump não considera. 

Desde abril, a Embraer já vinha lidando com a alíquota de 10% imposta pela Casa Branca aos produtos brasileiros – um percentual até celebrado pelo mercado por ter sido uma mordida bem menos feroz do que a anunciada a diversos países até então. O impacto para a Embraer foi de 0,9 ponto percentual na margem Ebitda, algo “bem equacionado”, segundo o CEO. 

Agora, com os 50% surgindo no horizonte, tudo muda de figura. A expectativa de Gomes Neto, de qualquer forma, é que a situação seja resolvida de maneira semelhante ao que ocorreu com o Reino Unido. Na negociação, o governo britânico se comprometeu a comprar aeronaves Boeing. Ele acredita que uma solução semelhante possa ser alcançada aqui, beneficiando a Embraer. 

E-175, aeronave tem 88% do mercado de pequeno porte nos EUA. Foto: Divulgação

A dependência dos EUA

A Embraer é extremamente exposta ao mercado americano, tanto na aviação executiva como na aviação comercial. 

Os EUA são o maior mercado dos jatinhos da companhia, com 70% das vendas dessa aeronaves são destinadas a clientes americanos. Há mais de 1.100 jatos executivos Embraer voando por lá (7% da frota americana). Os jatos executivos em produção hoje são o Phenom, jato leve mais vendido do mundo há 13 anos, e o Praetor, mais parrudo, sucessor do Legacy. Ambos são produzidos nos EUA, mas também não estão imunes a tarifas. 

A montagem dos dois ocorre na cidade de Melbourne, Flórida. Mas há componentes que chegam do Brasil, e de outros países tarifados. No caso do Phenom, 40% é conteúdo não-americano. No do Praetor, 60%.

Na aviação comercial, a das aeronaves vendidas para cias aéreas, a Embraer também é um player de destaque nos Estados Unidos. São quase 1.000 aeronaves operando no país, a maior parte delas E175. Com ele, a Embraer detém 88% de market share entre os jatos comerciais de pequeno porte.

Tem mais. De todos os jatos comerciais produzidos hoje no mundo, ele é o único autorizado a operar em aeroportos regionais americanos devido à “cláusula de escopo”, uma regulamentação que limita o peso máximo de decolagem para aeronaves que operam em rotas regionais nos EUA.

Gomes Neto lembra que “fazer um novo avião para esse segmento nos Estados Unidos [pelas mãos da Boeing, por exemplo] não é algo que acontece rapidamente. Demora anos.” Ele reforça que a Embraer está em uma posição única, porque, enquanto a cláusula de escopo permanecer, o E175 será insubstituível.

“Se eles precisarem desse avião lá, é nosso. E aí paga-se essa tarifa, que é muito pesada”, afirma Gomes Neto. “Ou tem outro jeito de resolver. E aí voltamos à racionalidade econômica”, completa.

A presença nos Estados Unidos

Uma das possibilidades analisadas pela Embraer seria ampliar ainda mais a produção em território americano. Hoje, ela emprega diretamente quase 3 mil pessoas nos Estados Unidos, além de criar outras 10 mil vagas de empregos indiretos, em fornecedores e prestadores de serviços. 

Com 45 anos de presença nos EUA, a Embraer possui fábricas em Melbourne e em Jacksonville, na Flórida, além de centros de serviços em vários Estados, como Texas, Arizona e Tennessee. Ao todo, são US$ 3 bilhões em ativos nos Estados Unidos.

E a relação comercial é favorável aos EUA. A Embraer planeja comprar mais de US$ 20 bilhões em componentes dos Estados Unidos nos próximos cinco anos, enquanto exportará US$ 13 bilhões, segundo o executivo. 

Ou seja: a companhia tem um poço de argumentos para tirar aeronaves e peças de avião do balaio tarifário.

KC-390, maior sucesso comercial da unidade militar da Embraer

KC-390 made in USA

Outro caminho estudado pela companhia tem a ver com o potencial do KC-390, aeronave de transporte militar. Já são mais de 40 unidades vendidas para forças aéreas mundo afora (bastante para um avião do tipo; e a Índia, sozinha, avalia a compra de 80 unidades.

O modelo é visto como uma peça-chave para o futuro da empresa. Segundo o executivo, caso a demanda pelo KC-390 cresça de maneira substancial, a Embraer considerará a produção do avião nos Estados Unidos, dado o volume adicional que seria necessário.

“É um negócio novo. Se tivermos sucesso em introduzir, não teremos capacidade instalada somemte no Brasil para atender à demanda. Então podemos ter fábrica lá e gerar empregos lá”, diz o CEO. 

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