Um dos maiores passos do Brasil para impulsionar os biocombustíveis está prestes a deixar para trás grande parte da indústria que dominou o fornecimento nas últimas décadas. Com os órgãos reguladores do Brasil finalmente dando sinal verde para o esperado aumento na mistura de etanol na gasolina, serão as usinas de milho as mais beneficiadas, e não as processadoras de cana-de-açúcar já estabelecidas.
As usinas de cana-de-açúcar estão enfrentando uma concorrência cada vez maior com o etanol de milho, com um excesso de oferta prejudicando as perspectivas de uma das indústrias tradicionais do país. Elas responderam focando menos em biocombustíveis e se voltando para a produção de mais adoçantes.
“Observamos o setor de etanol de milho crescer fortemente e o setor de cana-de-açúcar se estabilizar”, disse Martinho Ono, presidente da comercializadora de etanol SCA Trading, em São Paulo. A expectativa é que isso continue nos próximos anos, disse ele, com a alta produtividade agrícola do milho mantendo os custos de produção mais baixos em comparação com a cana.
Biocombustível de milho
O avanço do milho é a mais recente ameaça para produtores de cana-de-açúcar como a Raízen e a São Martinho, que têm enfrentado dificuldades nos últimos anos com a queda dos lucros e a perda de bilhões de dólares em valor de mercado.
As empresas têm sofrido com a concorrência da gasolina, cujos preços são influenciados principalmente pela Petrobras e nem sempre refletem os mercados globais.
O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo. É também um grande consumidor de biocombustíveis, produzindo carros flex que podem ser movidos apenas a etanol. A legislação aumenta a mistura permitida de etanol na gasolina comum de 27,5% para 30%. Isso criará uma demanda extra de 776 milhões de litros de etanol nesta temporada, estima a consultoria FGA.
Embora as empresas de cana-de-açúcar vejam algum benefício, a oferta das usinas de etanol de milho está crescendo muito mais rápido.
A produção de etanol de milho aumentou em cerca de 2 bilhões de litros nesta temporada, enquanto o etanol de cana está em declínio, de acordo com a consultoria Datagro. A chamada mistura de açúcar, que é a porcentagem de cana usada para adoçante, deve atingir um recorde histórico este ano.
Isso ajudou a derrubar os futuros do açúcar bruto em Nova York em cerca de 15% este ano.
“Há poucos motivos para acreditar que as usinas de cana mudarão de ideia” sobre a mistura de açúcar, disse o economista da Datagro Bruno Wanderley de Freitas. A maioria das empresas já fez hedge para o açúcar a preços mais altos, deixando a possibilidade de migrar para o etanol para as poucas usinas que ainda não precificaram seu açúcar e para aquelas localizadas em regiões mais distantes dos portos.
Oferta de grãos
As empresas de etanol de milho têm a seu favor o aumento na oferta do grão, que fez os preços caírem 24% em relação ao pico de março. O processamento do milho também gera receita com subprodutos usados na ração animal, o que incentiva ainda mais as usinas a continuarem se expandindo.
O setor sucroalcooleiro, por outro lado, tem visto pouco investimento em capacidade adicional. A produtividade agrícola da cana também está estagnada há 20 anos.
“O que aconteceu com a cana-de-açúcar foi que ela não passou pelo desenvolvimento tecnológico como a produção de milho”, disse o CEO da São Martinho, Fabio Venturelli, em uma teleconferência de resultados. A empresa de cana-de-açúcar adicionou recentemente uma usina de milho ao seu portfólio e espera que o número de usinas de processamento de etanol de cana no Brasil acabe diminuindo, à medida que produtores menos eficientes serão forçados a fechar as portas.
O custo de produção de etanol a partir da cana-de-açúcar é atualmente quase 25% superior ao da produção a partir do milho, estima a SCA. Isso está criando um ambiente difícil para as margens de lucro dos produtores de cana-de-açúcar.
Analistas do Bradesco BBI, liderados por Henrique Brustolin, afirmaram em nota após os resultados da São Martinho que os preços do etanol estão “praticamente em linha” com os custos de produção da empresa no ano passado.
Sem dúvida, a mudança para um consumo maior de açúcar tem algumas vantagens, especialmente porque o Brasil é o maior exportador mundial do adoçante.
“O etanol de milho liberou mais cana para a produção de açúcar”, disse Arnaldo Correa, sócio da Archer Consulting. “O Brasil mantém sua posição como o principal fornecedor de açúcar para o mercado global.”
No entanto, a São Martinho e as rivais de capital aberto Raízen e Jalles Machado viram suas ações caírem cerca de 40% no último ano.
Embora a queda da Raízen reflita, em parte, preocupações com os níveis de endividamento da empresa, as ações do setor sucroalcooleiro como um todo tiveram desempenho inferior ao do Ibovespa, índice de referência do Brasil.