Apesar de ter tido as suas receitas fortemente multiplicadas durante a pandemia de Covid-19 diante do boom das entregas de alimentos em domicílio, o iFood foi a empresa que mais deixou de recolher impostos sob o programa, criado com o objetivo declarado de socorrer setores impactados pelas restrições de circulação nas cidades.
Originalmente uma empresa brasileira, o iFood passou a ser 100% controlado pelo grupo holandês Prosus em 2022.
Decisão de agosto do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que ainda não havia sido levada a público confirmou a tese do governo de que o iFood não tinha direito à isenção de impostos sob o programa após a edição de uma portaria que limitou as atividades elegíveis. O entendimento do tribunal é que os pagamentos deveriam ter sido retomados a partir de maio de 2023, mas a companhia continuou se beneficiando sob o amparo de liminares.
Em documento visto pela Reuters, a Receita Federal citou no processo “enorme dano ao erário” e apontou que a empresa deixou de recolher, de maneira indevida, mais de R$900 milhões em tributos federais.
Em resposta sobre a decisão da Justiça, o iFood informou que já fez os pagamentos dos valores devidos em parcelas nos meses de setembro e outubro, ressaltando que está “em dia com todas as suas obrigações junto à Receita”.
“O iFood esclarece que os recursos utilizados para o pagamento desses tributos estavam provisionados no seu balanço e, portanto, não houve impacto financeiro na operação,” disse em nota.
A empresa acrescentou ainda que usufruiu do benefício somente enquanto esteve vigente a decisão judicial que o autorizava a fazê-lo, tendo interrompido seu uso desde janeiro deste ano.
Os pagamentos ajudam o governo na busca pela meta de déficit fiscal zero neste ano, enquanto a equipe econômica avalia soluções para cobrir o buraco aberto no Orçamento depois que o Congresso Nacional derrubou a medida provisória 1303, que elevava tributos e previa alguns cortes de despesas.
Procurada, a Receita Federal afirmou que não comenta temas em discussão no Poder Judiciário nem situações que envolvam contribuintes específicos.
Criado em 2021, o Perse zerou alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins para empresas dos setores de eventos e turismo e áreas correlatas. O programa, porém, passou por alterações legais que miravam restringi-lo desde o governo Jair Bolsonaro, e foi extinto em abril deste ano depois da aprovação de um teto de R$15 bilhões em renúncia fiscal, parte do esforço do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reduzir gastos tributários.
“O Perse estava previsto para terminar quando a renúncia fiscal chegasse aos R$15 bilhões. Então, como o iFood era o maior beneficiário do programa, estava lá em primeiro lugar, ele foi consumindo esse limite, e os outros contribuintes começaram a se sentir, inclusive, prejudicados”, disse a procuradora da Fazenda Nacional Raquel Mendes.
Segundo ela, o pagamento do iFood ao governo não vai gerar uma reabertura do Perse para novas concessões de benefícios, apesar de, na prática, os R$15 bilhões de limite do programa não terem sido efetivamente consumidos após a devolução dos tributos.
Argumentos do fisco anexados ao processo apontam que a empresa de entregas “sequer foi afetada pela pandemia, pelo contrário, cresceu absurdamente”, com receitas tributáveis mensais que saltaram de R$236 milhões em março de 2020 para R$836 milhões em dezembro de 2022 e R$1,2 bilhão em dezembro de 2024.
A elevada renúncia de arrecadação gerada pelo Perse mesmo após o fim da pandemia foi alvo de críticas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que descrevia o programa como mal desenhado, com renúncias excessivas que dificultavam o trabalho do governo para melhorar a trajetória das contas públicas.
Em 2023, ele chegou a propor a extinção do programa, mas por pressão do Congresso a iniciativa acabou prorrogada no ano passado, prevendo o teto de R$15 bilhões, valor que foi consumido em menos de um ano.