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Intel vive seu ‘momento Kodak’: entenda como a fabricante de chips ficou para trás

Empresa que já foi símbolo de inovação e tecnologia perdeu o ‘bonde da IA’ e vive a maior queda nas ações desde 1974

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Qual foi o pior dia da sua vida? Para executivos da Intel, talvez tenha sido a última sexta-feira (2). As ações da empresa desabaram 26% após uma série de anúncios dolorosos para a companhia: demissão de 15% do quadro de funcionários, suspensão no pagamento de dividendos pela primeira vez desde 1992 e corte de US$ 10 bilhões nas despesas para 2025.

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A maior queda nas ações da Intel em 50 anos levou o valor nominal das ações a um nível não visto desde 2013. Sim, quem comprou há 11 anos viu hoje seu ganho de capital cair a zero. Década perdida.

A questão agora é se a Intel terá capacidade de enxugar custos e investimentos, como pretende, enquanto tenta ser competitiva na corrida do ouro que virou a inteligência artificial. Até aqui, está claro que a empresa está léguas atrás da Nvidia, cujos chips servem de base para os modelos de linguagem que alimentam os produtos de IA das big techs.

Por valor de mercado, a Nvidia é hoje 30 vezes maior do que a Intel.

Foto: Justin Sullivan/Getty Images)

O momento da Intel lembra a debacle da Kodak. Antes símbolo de uma indústria pujante – no caso, a da fotografia –, a Kodak hoje é mais lembrada pela incapacidade que mostrou em se atualizar tecnologicamente, o que levou-a a uma recuperação judicial em 2012.

Os números do segundo trimestre também não ajudaram. A Intel teve prejuízo líquido de US$ 1,6 bilhão, revertendo lucro de US$ 1,4 bilhão no mesmo período do ano passado.

Estaria em andamento a “kodakização” da Intel?

Nada será como antes

Em 2000, ela chegou a valer US$ 500 bilhões – o equivalente a US$ 0,9 trilhão em dinheiro de hoje, atualizado pela inflação. A empresa surfou como poucas a onda informatização na década retrasada, quando “informática” era uma palavra tão frequente nas manchetes quanto é hoje “inteligência artificial”.

Conforme o sonho de Bill Gates – “um PC em cada casa e em cada mesa de escritório” – foi se tornando realidade, a Intel foi faturando. Seu logotipo colado nas CPUs dos computadores e nos laptops era visto como um selo de qualidade para a máquina. Dá para contar a história do desenvolvimento da informática a partir das mudanças na identidade da marca da empresa, tamanha a simbiose entre o então crescente mercado de computadores pessoais e os chips feitos pela Intel.

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Mas ela foi perdendo o embalo. O sucesso na era dos PCs não se repetiu quando smartphones tomaram para si o protagonismo e a Intel perdeu espaço nessa área para os chips feitos com base na arquitetura da concorrente Arm.

Mesmo no mercado de computadores pessoais, foi a Nvidia quem se tornou referência em chips gráficos de alto desempenho, necessários para rodar jogos pesados e softwares com muitos recursos visuais. Aliás, foi a experiência refinada por décadas de fabricação de GPUs que deu à Nvidia a vantagem competitiva quase monopolista nos data centers da IA generativa – as Unidades de Processamento Gráfico são mais eficientes nessa tarefa do que as Unidades de Processamento Centrais (CPUs), o “reino” do qual fazem parte os chips da Intel.

Wafer de silício de 12 polegadas feito em fábrica da TSMC, em Taiwan. Divulgação/TSMC

Há dois mercados de chips. O de quem desenha e o de quem fabrica. A Nvidia, por exemplo, projeta seus circuitos e manda para a taiwanesa TSMC fabricar. Já a Intel é fabricante também. E o fato é que ela ficou para traz nessa seara. A TSMC tornou-se, inequivocamente, a estrela ali, anos à frente dos concorrentes quando o assunto é capacidade de produzir os chips mais avançados do mundo, que equipam de iPhones a data centers.

A diferença na capacidade de produção é tamanha que mesmo alguns dos melhores chips desenhados pela Intel são fabricados por outras empresas.

Em receita, a Intel perdeu no ano passado a liderança do mercado de fabricantes para a sul coreana Samsung, depois de 24 anos no topo.

A derrocada da Intel ilustra bem como os Estados Unidos perderam relevância na indústria dos semicondutores ao longo das últimas décadas. Nos anos 1990, quase 40% dos chips fabricados no mundo eram made in USA. Hoje, são só 12%.

Os tigres asiáticos – Cingapura, Coreia do Sul, Hong Kong e Taiwan – capturaram e desenvolveram essa indústria, ajudados por uma combinação de mão-de-obra barata e educada, projetos de desenvolvimento nacionais focados em tecnologia e na disposição das empresas ocidentais – muitas das quais americanas – em transferir para a Ásia a produção dos semicondutores.

Que notícias me dão dos amigos?

Com a indústria dos semicondutores concentrada na Ásia, as big techs americanas se viram reféns da geopolítica. Como Taiwan, aliada dos EUA, vive sob ameaça velada de ser invadida pela China, o governo americano trabalha para que esta cadeia produtiva tão estratégica e de tanto valor agregado fique mais próxima.

Os interesses em comum aproximaram o governo Joe Biden e a Intel. O CEO Pat Gelsinger comemorou quando, em 2022, o Departamento de Comércio dos EUA assinou um cheque de US$ 8,5 bilhões para apoiar o desenvolvimento e a fabricação de chips de última geração em solo americano, o maior valor destinado a uma empresa no contexto do Chips Act – o pacote de investimentos destinado ao setor.

O presidente dos EUA, Joe Biden, e o CEO da Intel, Pat Gelsinger, inauguram em cerimônia que lançou a pedra fundamental de uma fábrica da Intel em Ohio, nos Estados Unidos. Crédito: Gaelen Morse/Bloomberg

Além dos US$ 8,5 bilhões do pagador de impostos, a Intel também buscou benefícios tributários em troca de investimentos de até US$ 100 bilhões para os próximos anos – agora, questiona-se sobre a viabilidade destes planos.

O apoio do governo, no entanto, não foi a salvação da lavoura. O balanço do segundo trimestre evidenciou as dificuldades financeiras da Intel. As margens financeiras estão espremidas pelos investimentos gigantescos necessários para erguer as fábricas de chips nos EUA. Investimentos estes que serão reduzidos em nome da saúde financeira da Intel.

Em comunicado, Gelsinger disse não alimentar ilusões. Ele sabe que “o caminho a frente de nós não será fácil” e que os cortes anunciados nas últimas horas representam “algumas das maiores mudanças da história da nossa companhia.”

Agora, a Intel precisa convencer os investidores de que vai conseguir retomar o caminho do lucro ao mesmo tempo em que tenta preservar os investimentos necessários para não perder de vista seus concorrentes.

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