Eike Batista voltou a bater o bumbo a respeito de sua "supercana". O agronegócio brasileiro vê o projeto com desconfiança, os idealizadores da variedade de cana foram à falência da última vez que apostaram nela, mas o ex-bilionário continua vendendo a supercana como "revolucionária".
Isso não é novidade. O InvestNews já mostrou por que a supercana de Eike não vingou antes e dificilmente vingará agora. O que há de novo é a estratégia de levantar milhões de dólares vendendo a investidores comuns a criptomoeda $EIKE – supostamente, para bancar uma fábrica de bioplástico (feito a partir do bagaço) a ser erguida na Flórida.
O objetivo inicial é levantar US$ 100 milhões com a venda do criptoativo, mas até a publicação desta reportagem, na tarde de quarta-feira (26), a empreitada rendeu pouco menos de cem mil dólares.
Também são novos – e gigantescos – os números das projeções que envolvem a supercana. A produção de biomassa, de etanol, o retorno financeiro esperado, tudo é monstruoso e inverossímil.
A estrutura financeira e os sócios de Eike na empreitada também inspiram mais dúvidas do que confiança. Para quem entende do assunto, a supercana não para em pé.

Os sócios
À imprensa, Eike anunciou ter fechado uma captação de US$ 500 milhões (quase R$ 3 bilhões no câmbio atual) para tocar o projeto da supercana. Ele afirma que o dinheiro vem de um fundo alimentado pela BrasilInvest, de Mário Garnero, pelo fundo soberano Abu Dhabi Investment Group (ADIG) e pela GF Capital.
Na última sexta-feira (21), o CEO do fundo, Renato Costa, deu uma entrevista ao Times Brasil e disse ter um colossal cheque de US$ 100 bilhões para investir no país. Seria dinheiro suficiente para comprar uma Petrobras, uma Raízen e ainda sobraria um bom troco.
A dinheirama estaria pronta para ser derramada em projetos de infraestrutura diversos. O CEO fala em portos, ferrovias, cidades inteligentes, saneamento... E o agronegócio, claro.
Renato se apresenta no LinkedIn como CEO do pouco conhecido Grupo Financial – de onde deriva a tal GF Capital. Em um press release publicado na internet, a empresa se diz "especializada em crédito internacional" e patrocinadora de "eventos relacionados ao golf, além de equipes de automobilismo como a nova geração de pilotos da família Fittipaldi".
O mesmo texto apresenta Renato como "o terceiro maior especialista do segmento [de finanças] em todo mundo", diz que ele é formado em Administração pela Universidade Mackenzie e que "agrega em seu currículo mais de 70 cursos extracurriculares".
No release, o Grupo Financial surgiu em 2014. No LinkedIn, Renato diz que é CEO da empresa desde 2011.
Outro sócio da supercana é Mário Garnero, por meio da BrasilInvest. A empresa nasceu como um banco de investimentos nos anos 1970 e acabou ganhando fama em um escândalo financeiro na década seguinte. Garnero foi condenado por estelionato e fraude, mas a condenação foi posteriormente anulada pela Justiça.
Os números
Em geral, a imprensa tem divulgado o come back de Eike destacando os grandes números do seu anúncio. E eles realmente chamam a atenção. O empresário pretende plantar 70 mil hectares da supercana nos próximos cinco anos, o que seria suficiente, segundo ele, para produzir um bilhão de litros de etanol por ano e também um milhão de toneladas de biomassa.
A título de comparação: a Raízen, maior sucroalcoleira do planeta, produz por safra mais ou menos 3 bilhões de litros de etanol e 5 milhões de toneladas de açúcar em pouco mais de 1,3 milhão de hectares. Ou seja: só em etanol, os números de Eike descrevem uma produtividade 6 vezes maior por hectare. Um milagre em termos agro.
A empresa de Rubens Ometto, com toda sua estrutura de produção agroindustrial, gera por ano um lucro operacional (Ebitda) de R$ 7,5 bilhões com o processamento da cana, bem menos dos R$ 34,3 bilhões (US$ 5,9 bilhões) prometidos pelo projeto de Eike para produzir a supercana – em apenas 70 mil hectares.
Nesta quarta-feira (26), o controlador da Cosan comentou brevemente a iniciativa de Eike. Provocado por André Esteves na CEO Conference do BTG Pactual, Ometto disse: "Falar do Eike… é difícil criticar, mas já fizemos isso [investir na supercana] e abortamos. Conheço os técnicos que estão lá, que eram daquela empresa da Votorantim", reportou o Pipeline.
A supercana
Os "técnicos que estão lá" são o administrador Luis Carlos Rubio e o engenheiro agrônomo Sizuo Matsuoka, que perderam tudo quando a Vignis, empresa que criaram para desenvolver a nova cana, foi à falência.
Do espólio da Vignis, restam hoje 25% da variedade de amostras de supercana que foi desenvolvida pela empresa – o chamado germoplasma. Na prática, é esta a oportunidade que Eike oferece aos investidores: colocar dinheiro num patrimônio genético que hoje é só uma parte do que foi produzido pela Vignis até a sua falência.
Rubio e Matsuoka se conhecem desde 2002, quando os destinos do administrador e do agrônomo se cruzaram na Votorantim Novos Negócios (VNN), braço de investimentos do grupo pertencente à família Ermírio de Moraes. Rubio trabalhava na VNN, que apostou nos estudos de melhoramento genético de cana-de-açúcar conduzidos por Matsuoka, àquela altura já um pesquisador experiente e professor na UFSCar.
A Raízen, de Ometto, chegou a testar as variedades de cana desenvolvidas pela Vignis, mas chegou à conclusão de que o projeto não tinha viabilidade econômica. A Vignis fechou as portas em 2018 e agora a supercana tenta a sobrevida com Eike Batista.
Colaborou Rodrigo Tolotti.