A decisão, assinada pela juíza Simone Gastesi Chevrand, da 7ª Vara Empresarial da Capital, atinge a Oi, Portugal Telecom International Finance (PTIF) e Oi Brasil Holdings Coöperatief U.A., e reconhece a situação de “insolvência técnica e patrimonial” do grupo.
O pedido partiu do próprio gestor judicial da companhia, o advogado Bruno Galvão Souza Pinto de Rezende, que na sexta-feira já havia solicitado o reconhecimento do estado de insolvência. A própria Oi admitiu, nos autos, que não tinha mais condições de cumprir o plano aprovado em seu segundo processo de recuperação judicial, nem de gerar fluxo de caixa suficiente para honrar todas as dívidas.
Em outubro, a dívida com fornecedores não sujeitos à recuperação chegou a cerca de R$ 1,7 bilhão, acima dos R$ 1,5 bilhão informados inicialmente e muito distante da receita mensal em torno de R$ 200 milhões que a companhia tem hoje. O gestor, então, classificou o cenário como insustentável.
Na decisão, a juíza afirma que “não há mais surpresas quanto ao estado do Grupo em recuperação judicial. A Oi é tecnicamente falida”. Segundo ela, a empresa descumpriu obrigações previstas no plano de recuperação homologado em 2024 e também deixou de pagar dívidas extraconcursais, enquadrando-se nas hipóteses do artigo 73, incisos IV e VI, da Lei 11.101/2005, que tratam do descumprimento do plano e da “liquidação substancial” por esvaziamento patrimonial em prejuízo de credores.
A magistrada critica o “aditamento” ao plano apresentado pela Oi neste ano, usado pela companhia como justificativa para interromper pagamentos. Ela observa que a proposta continha cláusulas ilegais apontadas pelo Ministério Público e, mesmo se viesse a ser aprovada, não teria capacidade de reverter a situação de insolvência.
Paralelamente, a empresa buscou um Chapter 11 nos Estados Unidos para repactuar dívidas extraconcursais e liberar garantias, numa estratégia que a juíza descreve como contrária à legislação brasileira e que, na prática, prolongou artificialmente a vida de uma companhia já inviável.
As operações da Oi continuarão provisoriamente para garantir a manutenção dos serviços essenciais e a liquidação ordenada dos ativos da companhia. A Oi oferece serviços integrados de telefonia fixa, banda larga e TV por assinatura. Ela tinha cerca de R$ 35 bilhões (US$ 6,6 bilhões) em dívida bruta no segundo trimestre, de acordo com seu balanço.
O despacho também traz um diagnóstico duro sobre o modelo de negócios que restou da antiga supertele. De acordo com os relatórios da administração judicial e do observador do juízo, a Oi passou a depender quase exclusivamente da venda e da oneração de ativos, além da contratação de novos empréstimos, para se manter em funcionamento. “Não houve um momento sequer em que a atividade empresarial se mostrasse bastante para mantê-la”, registra a juíza, que conclui que já não há mais “empreendedorismo, criação de empregos, função social”, mas um “arremedo de empresa” utilizado como subterfúgio para a dilapidação de um patrimônio que já foi vasto.
A saga financeira da Oi
Os problemas da companhia se estendem por mais de uma década, começando com seu pedido de recuperação judicial de então R$ 65 bilhões — um recorde à época — em 2016, em um tribunal do Rio de Janeiro. Aquele pedido, vindo da então quarta maior operadora de telefonia móvel do Brasil, causou choques no sistema financeiro, que já estava sob pressão devido a uma recessão profunda que vinha afetando empresas em todo o país.
Com cerca de metade de sua dívida nas mãos de credores internacionais, o processo envolveu a criação de dois grupos de bonistas opositores, com nomes como Aurelius Capital Management e GoldenTree Asset Management, além de credores como o China Development Bank. O processo também acionou pagamentos de cerca de US$ 14 bilhões em contratos de swap de crédito (credit default swaps).
Seu primeiro processo de recuperação judicial foi concluído em dezembro de 2022. Apenas alguns meses depois, a Oi voltou a pedir proteção contra credores para evitar um cross default e o vencimento antecipado de suas obrigações, à medida que continuava a enfrentar dívida crescente e queima persistente de caixa. Outros fatores, na época, incluíam um súbito aumento das taxas de juros no Brasil e a perda contínua de clientes de telefonia fixa ao longo dos últimos anos.
Vendas de ações da Oi se intensificam à medida que problemas financeiros se agravam
Em ambos os pedidos feitos no Brasil, a Oi adotou medidas semelhantes nos Estados Unidos, onde entrou com pedido de Chapter 15, um processo auxiliar em que o tribunal americano reconhece o procedimento estrangeiro e lhe confere efeitos conforme a lei local aplicável.
Mas as tensões aumentaram em julho passado, depois que a Oi pediu o encerramento desse processo, afirmando em um documento que ainda estudava opções, que poderiam incluir o pedido de recuperação sob o Chapter 11 do Código de Falências dos EUA.
A ideia era que a Oi tentasse acessar até US$ 70 milhões em novo financiamento DIP (debtor-in-possession), após já ter recebido aprovação para US$ 400 milhões em dezembro de 2023.
Mas um fornecedor apoiado por fundos geridos pelo Banco BTG Pactual contestou a possibilidade de a Oi buscar proteção sob o Chapter 11, argumentando que a legislação brasileira proíbe que uma empresa recorra à proteção judicial contra credores mais de uma vez em um período de cinco anos. O debate jurídico girava em torno do que o tribunal confirmou ser uma tentativa inédita de conduzir processos de falência no Brasil e nos EUA sem que um tivesse prioridade sobre o outro.
Um tribunal americano havia sugerido que a Oi entrasse em um processo de mediação com o fornecedor no Brasil. Enquanto isso, um juiz brasileiro, no fim de agosto, recomendou que o tribunal dos EUA aguardasse uma decisão local antes de decidir se cancelaria ou não o Chapter 15. A Bloomberg News informou em agosto que a companhia buscaria o Chapter 11 assim que o processo de Chapter 15 fosse encerrado.
Próximos passos
Em seu texto, a juíza afirma que o quadro atual do Grupo Oi se aproxima da doutrina de “deepening insolvency”, abrindo espaço para eventual responsabilização de administradores e controladores por danos causados com o prolongamento da crise.
Apesar da decretação da falência, a sentença preserva, em caráter provisório, a operação da Oi Soluções e de estruturas associadas, como Serede e Tahto. Essas unidades concentram cerca de 4,6 mil contratos com órgãos públicos e 10 mil contratos com empresas privadas, responsáveis por serviços de dados, voz, IoT e infraestrutura de telecomunicações em todo o país.
Entre os clientes estão sistemas críticos, como as comunicações do CINDACTA (em transição para a Claro), conectividade de agências bancárias e lotéricas da Caixa, ministérios, universidades, Judiciário e telefones públicos em milhares de localidades onde a Oi é a única prestadora.
Com base em parecer da gestão judicial, a juíza entende que “a manutenção dos serviços de conectividade em processo de transição pode ser garantida de forma eficiente e integral, em um modelo de continuação provisória das atividades”, usando o caixa operacional mensal da companhia, enquanto o passivo concursal e extraconcursal é levado para a relação de credores a ser tratada na liquidação.
A mesma decisão confirma Bruno Rezende como administrador e gestor judicial único da massa falida, concentrando nele a condução tanto da liquidação quanto da operação provisória dos serviços essenciais. A Oi já vinha sendo administrada pelo interventor e por um comitê de transição, depois que sua diretoria e seu conselho de administração foram afastados por decisão judicial em setembro.
O plano inicial, segundo o relatório do gestor, é organizar uma liquidação “ordenada”, com a alienação da unidade produtiva que concentra esses contratos estratégicos – o que ajudaria a preservar empregos, assegurar continuidade dos serviços e, ao mesmo tempo, maximizar o valor de ativos em benefício dos credores, com destaque para a prioridade de pagamento aos trabalhadores.
