Negócios
Livrarias crescem no vácuo de grandes nomes e mostram resiliência do setor
Em expansão, Leitura se apoia na venda física, enquanto redes menores se reinventam sem apostar em megalojas.
Saraiva, Cultura, Laselva… A longa lista de livrarias que entraram nos últimos anos com pedido de recuperação judicial e acabaram decretando falência – ou autofalência – deixou a sensação de que o setor vive uma crise sem fim. Mas o final dessa história não parece ser tão trágico quando se olha o segmento como um todo.
Nomes menos conhecidos, como Leitura, da Vila e Travessa, crescem no vácuo deixado pelas grandes marcas, o que inclui ainda a saída da Fnac do Brasil, em 2018. Embora possa soar contraintuitiva, a estratégia de negócios dessas livrarias mostra que o modelo de lojas físicas ainda resiste, assim como o hábito de ler livros impressos – e não digitais (e-book).
O que mudou, na verdade, é o tamanho dos locais ocupados. Ou seja, quem apostou em megalojas em shopping centers e na competição com o e-commerce encontrou dificuldades no caminho. Já aquelas que cultivaram um serviços mais qualificado e personalizado sobreviveram e estão conquistando espaço diante da menor competição no setor.
“O que houve foi uma substituição com lojas um pouco menores do que as megalivrarias que haviam”.
MARCUS TELES, FUNDADOR DA LIVRARIA LEITURA.
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A marca surgida em Minas Gerais alcançou a meta de chegar a 110 unidades em 2023 e já ocupa o posto de maior rede de livrarias do Brasil. O segredo do negócio é manter a operação “na palma da mão” e nunca trabalhar com dívida, crescendo sempre com capital próprio. Todas as lojas pertencem à família fundadora, mas muitas existem em sociedade com funcionários com mais tempo de casa.
Teles, que também é presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), cita dados do anuário de 2023 do setor, que mostra que o número de livrarias em 10 anos caiu apenas 2%, passando de 3.026 em 2013 para 2.972 este ano (estimativa). Trata-se de um percentual bem menor do que o projetado por quem previa o fim do varejo livreiro.
Ainda assim, não se pode relegar os grandes desafios enfrentados pelo comércio físico de livros e afins. “As livrarias tiveram alguns momentos de queda, como na crise de 2015 a 2016, depois novamente na pandemia, mantendo as portas fechadas por um longo período, e algumas empresas que estavam endividadas não conseguiram continuar”, lembra Teles.
Como se reinventar?
Da mesma forma, tampouco se pode desconsiderar as informações que os dados mais recentes do setor trazem. Para o presidente da ANL, apesar do fechamento de muitas lojas, o resultado final é bem mais positivo do que negativo. Isso porque não houve declínio no varejo de livrarias, como se considerava que poderia ocorrer, mas sim uma reinvenção.
Portanto, o desafio do setor tem sido se reinventar. Afinal, as pessoas continuam lendo livros e o leitor deve ser o foco desse negócio. Para se ter uma ideia, apenas em 2022, os brasileiros compraram R$ 5,5 bilhões em livros, sendo que apenas 1% desse valor representa o tipo digital. O que mudou é o canal de vendas.
“Uma fração considerável das livrarias físicas não conseguiu se adaptar e está saindo de cena. Tal fato acontece em diversos setores, em empresas que falham em perceber mudanças de hábitos de consumo que afetam diretamente seus negócios”.
Estevão Seccatto, especialista em turnaround.
Como exemplo, Seccatto cita a Laselva, que já foi uma das maiores livrarias do Brasil, chegando a ter 80 lojas, com foco em pontos físicos em aeroportos. Porém, após não cumprir com seu plano de recuperação judicial, protocolado em 2013, teve em 2018 sua falência decretada.
De lá para cá, o Brasil teve outros casos emblemáticos de livrarias fechadas, como a Cultura e a Saraiva. “Os erros que levaram ao estado falimentar são parecidos”, destaca o especialista em turnaround, citando, entre outros fatores, o uso de caixa para abertura ou manutenção de grandes pontos comerciais e a competição agressiva das lojas virtuais.
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Curadoria e experiência in loco
Daí porque, para se diferenciar do mercado online e atrair o cliente até as lojas, grande parte das livrarias físicas tem investido em curadoria e na experiência in loco do leitor. Além de poltronas para sentar e apreciar a leitura, música ambiente e cafeteria integrada ao espaço, vale apostar em feiras, palestras e eventos de lançamento para atrair o público.
Muitas também apostam em nichos específicos, como títulos de autoras mulheres; obras temáticas (LGBT, indígena, racial etc.) e especializadas na produção infanto-juvenil ou mesmo publicações independentes. Ou seja, é uma grande vitrine da indústria editorial e da divulgação de novidades.
As livrarias devem tirar proveito da preferência pelo livro impresso, tornando-se o local para conhecer as obras e socializar-se. “A livraria é mais que um lugar que vende livros. É onde encontra-se conhecimento e lazer. É um ponto de conexão”, resume Marcus Teles, da Leitura e ANL.
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