Negócios

Megaporto pode reduzir a rota Brasil-China em 10 dias – o problema é chegar até ele

A China bancou a construção de um porto gigante no Peru, de olho (também) no Brasil. Ausência de ferrovias é a pedra no sapato

Publicado

em

Tempo médio de leitura: 6 min

Megaporto de Chancay, no Peru, construído com dinheiro chinês para agilizar o comércio entre o país de Xi Jinping e a América Latina. Foto: Getty Images

O presidente da China, Xi Jinping, e a presidente do Peru, Dina Boluarte, inauguraram oficialmente o porto de Chancay durante uma cerimônia no palácio presidencial do Peru, em Lima, na quinta-feira. O empreendimento resume as ambições de Pequim de fortalecer o comércio com a América do Sul, enquanto o mundo se prepara para medidas comerciais mais restritivas sob o presidente eleito dos EUA, Donald Trump.

O porto de Chancay, a cerca de 70 quilômetros ao norte de Lima, é de propriedade majoritária e operado pela chinesa Cosco Shipping. A instalação promete reduzir o tempo de viagem de cargas entre a China e o Brasil em 10 dias – hoje leva-se 35 dias para que produtos transitem daqui até o nosso maior parceiro comercial, e vice-versa. Mas obstáculos significativos ameaçam diminuir o seu sucesso.

Simplificando, o transporte de produtos agrícolas das principais regiões de cultivo do Brasil para a costa oeste do Peru exige a travessia da extensa Amazônia e a travessia das montanhas dos Andes. E, no entanto, existem poucas estradas boas e nenhuma ligação ferroviária ligando as regiões.

“É geograficamente complicado”, disse Marco Germanò, pesquisador da Universidade de Nova York que acompanha os investimentos chineses na região. Embora o porto de Chancay possa reacender um antigo sonho de integração das costas atlântica e pacífica da América do Sul, ele não vê um plano eficaz para concretizar isso.

Mesmo a ligação entre Chancay e algumas áreas produtoras de café e cacau no centro do Peru não é totalmente eficiente, disse Rafael Zacnich, gestor de estudos económicos do grupo exportador ComexPerú. Ele disse que espera que o novo porto atraia mais investidores que buscam melhorar a infraestrutura.

O enigma do porto de Chancay surge num momento em que a China enfrenta ameaças renovadas de uma guerra comercial com os EUA. A nação asiática foi encorajada a encontrar outras fontes de abastecimento de produtos como soja e milho, e o Brasil, potência agrícola, é fundamental. A última vez que Trump foi presidente, Pequim aumentou as compras de soja do Brasil à medida que as compras dos EUA diminuíram.

LEIA MAIS: Como Brasil e México se tornaram estratégicos para a Dubai Ports, sócia da Rumo e da Suzano

“A América do Sul está crescendo, melhorando os rendimentos, plantando mais hectares, fazendo coisas que precisam ser feitas como país, o que coloca esses volumes no cenário global, e isso é absolutamente um problema”, disse Matt Carstens, CEO da Landus, a maior cooperativa agrícola de Iowa. “Esse porto terá um efeito adicional, não apenas sobre o que talvez aconteça na América do Sul e na China, mas também em outras partes do mundo.”

Ainda assim, não está claro como os governos sul-americanos irão enfrentar os desafios da geografia e da má infra-estrutura de transportes.

“Temos que construir”, disse o ministro das Finanças peruano, José Arista, numa entrevista. “E construí-lo exige duas coisas: descobrir a viabilidade económica e descobrir se existe vontade política para investir os recursos necessários.”

O Peru é uma economia pequena. Embora as suas exportações de cobre e outros minerais possam ir para a China através de Chancay, a integração com outros países sul-americanos é fundamental para tornar a rota marítima mais relevante.

“A ideia é que o Peru seja o centro de exportação para a Ásia”, disse Alfredo Thorne, ex-ministro das Finanças que dirige a empresa de consultoria de investimentos Thorne & Associates em Lima. “Temos pouco comércio com o Brasil, mas esta pode ser uma oportunidade para aumentarmos.”

A rodovia existente entre a costa do Peru e a área agrícola mais proeminente do Brasil, no estado de Mato Grosso, exige que caminhões atravessem os Andes. Isso pode ser um problema, uma vez que os caminhões maiores, que normalmente transportam soja e milho, não conseguem circular pelas estradas, o que significa que o transporte deve ser feito em veículos menores.

LEIA MAIS: Mubadala prepara processo de venda do Porto Sudeste, diz diretor

“É um custo extremamente elevado”, diz Edeon Vaz, diretor executivo do Movimento Pro-Logística, que representa os produtores de soja e milho no estado brasileiro.

Grupos agrícolas no pequeno estado brasileiro do Acre, que faz fronteira com o Peru, veem oportunidades surgindo no porto de Chancay. A produção de carne suína e de soja tem aumentado na região e o transporte através do Peru provavelmente acontecerá no futuro, segundo Assuero Doca Veronez, que dirige a Federação de Agricultura e Pecuária do Acre.

“Mas a infraestrutura logística precisa ser montada com mais qualidade”, afirmou.

O grupo do agronegócio e as autoridades locais querem uma nova rodovia ligando a cidade brasileira de Cruzeiro do Sul à cidade peruana de Pucallpa. Uma tentativa de construir tal estrada, no entanto, foi interrompida no ano passado por um tribunal federal devido a preocupações com potenciais danos às áreas ambientalmente protegidas e às comunidades indígenas.

Embora o governo do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva queira melhorar as estradas perto da fronteira com o Peru nos próximos anos, a construção de uma rota controversa no Acre não está contemplada no plano atual do governo federal.

O tamanho do porto de Chancay representa um grande passo para a América do Sul, uma região que há muito sofre com atrasos nos embarques – muitas vezes isso torna os produtos menos competitivos nos mercados externos.

Para usufruir de tais benefícios, porém, os países sul-americanos também precisam aumentar os acordos de transporte existentes para permitir que os caminhões fluam através das fronteiras, disse Wagner Cardoso, superintendente de infra-estruturas do CNI, a Confederação Nacional da Indústria.

Por Dayanne Sousa e Rachel Gamarski

Mais Vistos