Mesmo sem o mercado americano, a China ainda seria a maior exportadora de carros do planeta

Em 2024, foram quase 5,5 milhões de veículos exportados para 197 países. Os EUA receberam só 1,8% disso

Dá para sobreviver no mercado global sem o mercado americano? Em alguns casos, dá. A China não depende dos EUA para manter seu status de país que mais exporta carros.

Porque os EUA já eram basicamente fechados para o grande produto automobilístico chinês: os veículos elétricos. Ainda sob o governo Biden, no ano passado, eles foram taxados em 100%. Isso basicamente fechou os EUA para os elétricos do país – se você quiser chamar a atenção na California, esqueça Ferrari e Lamborghini: ande de BYD, eles são agulhas no palheiro automotivo local.

Como resultado daquele outro imposto, a China exportou praticamente zero elétricos para os EUA em 2024. E as vendas de carros híbridos e à combustão do país de Xi Jinping não foram muito além disso, pois que a guerra comercial já se desenhava.

Mesmo assim, a China assumiu no ano passado o posto de maior exportadora de veículos e passeio do planeta.

Segundo dados do Centro de Comércio Internacional (Intracen) analisados pelo InvestNews, 5,489 milhões de carros de passeio foram embarcados em portos chineses para outros países no ano passado. Foi o maior volume da última década e bem acima do segundo colocado, o Japão. No ano passado, os japoneses exportaram 5,119 milhões de veículos.

Estamos falando mais precisamente em uma diferença de 369.085 unidades.

Pois bem. O total exportado da China para os EUA foi de menos de 100 mil unidades (98.986, sendo apenas 4,1% elétricos). Ou seja, se tirarmos o país de Donald Trump do mapa de clientes da China, ela mantém a liderança. Os Estados Unidos representaram apenas 1,8% do total de exportações chinesas.

O fim da “EUA-dependência” nas exportações chinesas de carros é um fenômeno mais ou menos recente. Entre 2016 e 2017, os Estados Unidos foram o segundo maior destino de carros feitos na China.

A partir de 2018, segundo ano do primeiro mandato de Trump, veio um primeiro tarifaço: 25% sobre peças automotivas. Boa parte do negócio de uma montadora é vender peças de reposição. Só com essa taxa, já valia menos a pena mandar carros para os EUA (mesmo com a baixíssima tarifa da época para carros inteiros, 2,5%).

E daí em diante a participação americana no bolo de exportações de carros chineses foi caindo. Houve um repique em 2024, curiosamente. Mas há uma explicação: a tarifa de 100% de Biden sobre os elétricos chineses veio em setembro. Ainda assim, a fatia dos EUA seguiu mirrada, como vimos.

Como a China chegou ao topo?

Essa mudança de patamar da China é resultado de décadas de planejamento de Pequim. O primeiro passo foi fazer da China a maior fabricante de carros do mundo. Essa missão foi cumprida há 15 anos.

Depois veio o desafio de tornar esses carros mais competitivos no mercado internacional. E a meta foi cumprida em 2024, com o “título” de maior exportador automotivo. (Nota: aqui estamos falando só de carros de passeio; somando também os caminhões e vans, a liderança já tinha vindo um ano antes, em 2023.)

Ainda mais impressionante foi a velocidade dessa arrancada. Em 2019, a China havia embarcado apenas 900 mil veículos de passeio, o que lhe rendeu a 15ª posição no ranking de exportadores. E as importações ainda superavam as vendas para fora. O país ainda era um importador líquido, com 1,03 milhões de carros estrangeiros entrando em 2019.

De lá para cá, a alta nas exportações foi vertiginosa: 510%. Em 2021, dois anos depois de “ligar o turbo”, a China já estava na sexta posição. Em 2023, saltou para a vice-liderança, e no ano passado já levou o caneco:

Impulso dos elétricos puros

Qualquer brasileiro pode intuir o motivo por trás do salto chinês: os carros elétricos. 30% dos veículos de passeio que a China exportou em 2024 eram elétricos. As estatísticas de outros membros do cinco maiores países exportadores para o ano passado ainda não países ainda não estavam completas até o fechamento desta reportagem. Para comparar, examinemos então os números de 2023.

Ali, a fatia de elétricos puros da China era a maior, de longe: 34,9%. Bem à frente da segunda colocada nesse quesito, a Alemanha. Da terra de BMW, Mercedes, Audi e Porsche, a fatia de elétricos puros ficou em 19,8%.

Já quem mais vende carros a combustão pura são os EUA (83,9% das vendas). E tem o caso peculiar do Japão. Eles quase não produzem elétricos, mas se destacam nas exportações de híbridos “normais” (HEV, pela nomenclatura do mercado). São os carros que juntam motor à combustão e elétrico, mas não têm tomada (o propulsor elétrico é pequeno, recarrrega só com a energia das freadas).

O Japão é pioneiro nessa tecnologia. Começou em 1997, com o Toyota Prius, e segue firme, com as versões híbridas de seu carro mais popular, o Toyota Corolla (nas versões sedã e SUV). Daí o dominância dos HEVs nas exportações japonesas.

Os novos mercados da China

Vale notar outros pontos nessa história. As chinesas com maior presença no Brasil, BYD e GWM, nem oferecem carros de combustão pura por aqui. Um reflexo óbvio do papel dos elétricos (e híbridos) nas exportações chinesas.

Mesmo assim, a fatia de modelos 100% de combustão segue grande no bolo de exportações da China: 60,2%. E o maior responsável por isso é a Rússia. Isolada pelas sanções do Ocidente, ela passou a depender mais da China para tudo, inclusive carros.

Desde 2023 os russos viraram os maiores compradores de veículos chineses no mundo. Foram mais de 1 milhão em 2024 — 18,8% do total. E praticamente todos eles com motor à combustão (97,3%).

As importações russas superaram as do México, o segundo colocado. Em 2024, a Rússia importou 343 mil carros de passeio da China, e três em cada quatro tinham motor à combustão (76,8%).

No Brasil, há um equilíbrio: um terço elétricos puros, um terço híbridos e um terço de combustão.

Já a Europa Ocidental compra basicamente só elétricos da China. Os dados desta reportagem são do Intracen, o órgão de comércio internacional da ONU. Ele coloca a Bélgica como 4º maior importador de carros chineses. Não é bem assim. O ponto é que a Bélgica abriga o porto de Antuérpia, o segundo maior da Europa. E de lá eles partem para os demais países do continente.

O tráfego no porto belga, de qualquer forma, deixa clara a preferência dos importadores europeus pelos elétricos puros.

Veja mais no gráfico abaixo.

Mesmo com a participação ainda relevante dos modelos à combustão pura, fato é que a maior aposta da China vingou. Eles sabiam que não teriam como brigar contra as montadoras ocidentais (mais as do Japão e da Coreia) no mundo dos carros comuns.

Natural. Não se supera a confiabilidade de um Toyota, o status conferido por uma BMW ou mesmo o câmbio de uma Porsche de uma década para outra. Talvez nem de um século para o outro.

No terreno quase virgem dos elétricos era diferente. Até 10 anos atrás, só a Tesla tinha uma produção relevante de carros sem escapamento. A China colocou suas fichas aí: desenvolveu as baterias mais eficientes do mundo, barateou a produção delas, e passou a produzir modelos nascidos e criados para o universo elétrico – incluindo híbridos em que o motor elétrico é o mais importante no “trem de força”; algo inédito até então.

E graças a isso os chineses se tornaram os maiores exportadores do mundo – ainda que com uma ajudazinha da geopolítica, e dos motores a gasolina, no caso de seu maior cliente, a Rússia.

Por último, e talvez menos importante do ponto de vista chinês, o que mais nos interessa: o Brasil.

No Brasil, BYD chega ao top 10 das montadoras

Importamos 72.847 carros elétricos puros da China, quase 12 vezes mais que os EUA. Também fizemos o caminho oposto no ranking. Saltamos da 12ª para a quinta posição no mesmo período.

Entre 2023 e 2024, as três principais montadoras chinesas no Brasil — BYD, GWM e Caoa Chery — tiveram alta no ranking geral de novos emplacamentos.

As vendas da BYD aumentaram impressionantes 328%, saltando de 17,9 mil em 2023 para 76,8 mil em 2024. Com isso, ela saiu da 15ª posição entre as montadoras que mais vendem no Brasil e assumiu pela primeira vez o 10º lugar na lista:

A maior montadora da china reina absoluta entre os eletrificados. Em 2024, 72,8% dos novos emplacamentos de elétricos puros eram da BYD. A GWM veio em segundo, com 10,5%. Em terceiro, Volvo (hoje chinesa, pois é controlada pela Geely), com 7,22%. Depois, a também chinesa JAC, com 2,22%. A montadora ocidental mais bem ranqueada é a Renault, com 2,07%.

Entre os híbridos, a BYD concentrou 28,5% dos emplacamentos e a GWM, 20%, com a Toyota em terceiro lugar (17,8%).

Os dados das Nações Unidas corroboram a tendência de expansão dos elétricos nas garagens dos motoristas brasileiros: no passado, pela primeira vez os carros de passeio com motor à combustão representaram menos da metade do total que a China exportou para o Brasil:

Neste ano, a BYD passa a produzir no Brasil, em Camaçari (BA), nas dependências que um dia foram da Ford. Será a primeira fábrica no país da qual não sairá nenhum modelo movido puramente à combustão.

Agradecimentos:
Milad Kalume Neto, consultor especializado no mercado automotivo.
Leandro Barcelos, gerente de Comércio Internacional da BMJ Consultores.

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