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‘Ainda não é a hora’: mais brasileiras recorrem ao congelamento de óvulos e embriões

Entre 2020 e 2023, 780 mil óvulos e embriões foram congelados no país

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Uma população equivalente à do município de Criciúma, em Santa Catarina, foi acomodada nas estufas das clínicas de reprodução assistida do país ao longo de 2023. No ano passado, foram congelados 111.413 óvulos, 96,5% a mais do que em 2020. E também 115.745 embriões – óvulos já fecundados –, 20% mais do que três anos antes.

Entre 2020 e 2023, foram congelados um total de 780.024 óvulos e embriões, segundo os últimos dados levantados pelo Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio). Não existem números disponíveis sobre qual é o estoque total, mas fica claro que ele está em franca expansão. Movimento que reflete uma mudança de comportamento da sociedade: o interesse em postergar a gestação.

A reprodução assistida está longe de ser uma novidade. Há pelo menos três décadas, as técnicas de fertilização estão disponíveis, e têm uma alta taxa de eficácia. O ponto é que ela passa por uma fase de crescimento: cada vez mais gente está interessada em gerenciar seu relógio biológico; e, por consequência, há cada vez mais players preparados para atender essa demanda. Segundo o SisEmbrio, hoje são 180 clínicas de reprodução assistida no país.

Segundo estimativas do grupo Fleury, o mercado de reprodução humana movimenta aproximadamente R$ 2,7 bilhões no Brasil, sendo que a maior parte desse volume está concentrada no Estado de São Paulo. A taxa de crescimento anual composta (CAGR) – métrica utilizada para avaliar o desempenho de investimentos ao longo do tempo – é de 5% ao ano em volume de procedimentos.

De olho nesse mercado promissor, o Fleury, uma das maiores empresas de medicina diagnóstica do país, inaugurou em 2021 um centro de reprodução humana destinado a médicos externos. Ali, foi montada toda a estrutura para a realização de diferentes procedimentos – diagnósticos, fertilização in vitro, inseminação intrauterina ou congelamento de óvulos, entre outros.

E o Fleury identificou o seguinte: nem todas as clínicas de fertilidade têm sua própria estrutura para fazer o atendimento dos pacientes. Logo, havia aí uma oportunidade de negócio: oferecer esse serviço para um público – médicos especializados em fertilização – que está se tornando cada vez maior. Segundo Daniel Suslik, coordenador médico do Fleury Fertilidade, são atendidos cerca de 35 médicos por mês nesse centro.

O procedimento mais procurado no Fleury Fertilidade é o ciclo de fertilização in vitro (FIV) com transferência de embriões (60%), seguido do ciclo de congelamento de óvulos (23%). Das mulheres que fizeram FIV, cerca de 37% são pacientes com 36 a 39 anos, e das que realizaram o procedimento de congelamento de óvulos 43% tem entre 30 e 35 anos.

A Engravida, fundada em 2009, também vem expandido seus serviços, mas com uma estratégia bem específica: oferecer tratamentos a preços mais baixos e facilidades para o pagamento, com o objetivo de atender a um público mais amplo. Um procedimento de fertilização in vitro ali custa hoje R$ 12 mil – valor que pode ser parcelado em até 12 vezes no cartão de crédito. O congelamento de óvulos pode ser feito por R$ 9,6 mil. A partir do segundo ano, é cobrada uma anuidade de R$ 1,2 mil.

O processo de reprodução assistida pode ser longo e caro. Bernardo Martins, CEO da Engravida, sentiu isso em sua vida pessoal: sua esposa, Paula Brasil, passou por cinco anos de tratamento para engravidar. Martins conheceu a empresa quando Paula, estava, finalmente, no sexto mês de gestação de sua filha Clara, hoje com 3 anos e meio de idade. “Ter passado pela dor dos nossos clientes ajuda na definição dos processos”, conta.

A Engravida tem hoje oito unidades e fatura R$ 25 milhões. Segundo Martins, 70% dos tratamentos contratados são de fertilização in vitro, considerado de alta complexidade. Mas o congelamento dos óvulos tem crescido muito: sem abrir a quantidade, ele diz que o número dobrou entre 2022 e 2023. O acesso à informação sobre esse recurso é o que explica o avanço, na visão do executivo.

Seguro para o futuro

Patrícia Stille, CEO e co-fundadora da Bee4, plataforma de negociação de ações de empresas de pequeno porte, ilustra bem essa nova demanda pelo serviço. A executiva decidiu congelar seus óvulos em 2021, quando tinha 36 anos. Ela sabia que queria ter filhos, mas não naquele momento. Três anos depois, ainda não decidiu pela gestação. “Quero deixar as coisas fluírem naturalmente, mas a segurança de ter congelado os óvulos me deixa mais tranquila sobre o futuro.”

A possibilidade de fazer um “seguro” é o que está por trás da procura pelo congelamento de óvulos na maior parte dos casos. Isso é um fato tanto para mulheres jovens que preferem deixar a decisão de engravidar para o futuro, como também para casais que optam por fazer a fertilização in vitro do óvulo para poder congelar embriões. O congelamento – do óvulo ou do sêmen – também é uma alternativa para pessoas transgênero que estão prestes a iniciar a terapia hormonal. Além dos casos de pacientes oncológicos que serão submetidos a quimioterapia, que pode reduzir a fertilidade em homens e mulheres.

O processo de congelamento começa com a aplicação de injeções de hormônios para estimular a produção de óvulos. Depois, o médico utiliza uma agulha para aspirar os folículos, onde estão contidos os óvulos.

Aqueles que são viáveis são selecionados, e podem ter dois caminhos: o congelamento imediato ou a fertilização in vitro (com a transferência para o útero ou congelamento do embrião). Os óvulos congelados seguem, então, para o armazenamento em tanques de nitrogênio líquido a 196 graus negativos, e podem ficar ali em boas condições por tempo indeterminado. Depois do descongelamento, os que se recuperarem bem podem ser fertilizados.

Mas atenção: mesmo os óvulos que resistem sem problemas não garantem necessariamente uma gestação. Segundo Edgard Rizzatti, do Fleury, nenhum procedimento pode assegurar 100% de chance de gravidez. A idade da mulher no ato do congelamento do óvulo é uma variável super importante – o momento ideal, segundo o especialista, é entre 28 e 30 anos.

Mas, mesmo para mulheres nessa faixa etária, a chance da gravidez se concretizar é de 60%. A condição do útero da mulher no momento em que for receber o embrião também influencia o processo. Por tudo isso, a taxa média mundial de sucesso dos processos de fertilização in vitro não chega a 35%.

Atendimento público

No Estado de São Paulo, o Hospital da Mulher (antigo Pérola Byigton) oferece gratuitamente a possibilidade de congelamento de óvulos para mulheres em tratamento oncológico. Segundo Artur Dzik, diretor da Reprodução Humana Assistida do Hospital da Mulher, o foco principal é o atendimento às que foram acometidas por câncer de mama, doença com alto grau de cura, mas que vem crescendo entre mulheres jovens, entre 30 e 35 anos. Na grande maioria dos casos, a paciente fará quimioterapia, procedimento que pode levar a mulher a uma menopausa precoce. “A única forma, então, de preservar a fertilidade é por meio do congelamento dos óvulos”, afirma.

Assim que a mulher recebe o diagnóstico e o tratamento é definido, a equipe médica oferece essa possibilidade, explica Dzik. E a janela de oportunidade é curta: o procedimento tem de ser feito entre 12 e 15 dias, para não atrasar o início da quimioterapia. Hoje, há óvulos de cerca de 500 pacientes congelados no Hospital da Mulher.

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