O futuro dos hotéis em decadência está nas mãos da Faria Lima e das grandes redes

A combinação de juros altos, baixa oferta de novos projetos e demanda crescente atrai capital institucional para um setor ainda marcado por gestão amadora

No fim de agosto de 2025, moradores de Ipanema, no Rio, souberam que um edifício do bairro abandonado há oito anos terá um novo destino. O prédio, que já abrigou o Ipanema Plaza Hotel — ícone de luxo inaugurado em 2000 e fechado em 2017 após disputas societárias e dívidas — foi comprado pela rede americana Tryst Hospitality. Presente em Nova York e Porto Rico, a marca anunciou que transformará o espaço em um hotel voltado ao público LGBTQIA+, com abertura prevista para 2026. O “The Tryst Ipanema” promete rooftop com vista para a praia, spa e gastronomia assinada, reposicionando o antigo Plaza como cartão de visitas da rede no Brasil.

A trajetória do Ipanema Plaza, de símbolo de abandono a promessa de renascimento, é também um retrato de um setor em reconfiguração. A hotelaria brasileira atravessa um ciclo de retomada com novos atores disputando espaço, modelos de negócio em mutação e um ambiente desafiador para quem insiste em velhas práticas.

Da devastação à recuperação

Poucos setores sentiram tanto a pandemia quanto a hotelaria. Em 2020, cerca de 80% dos hotéis fecharam as portas temporariamente e os que restaram operavam com taxas de ocupação de 5% a 8%. “A pandemia foi brutal para a economia, mas devastadora para o turismo”, resume Manoel Linhares, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), a entidade mais antiga do setor no Brasil, fundada há 90 anos.

O baque financeiro ainda se reflete no balanço de muitos empreendimentos. Mas os anos seguintes mostraram resiliência. Em 2023, os hotéis urbanos registraram uma taxa média de ocupação de 60,8%, superando o nível pré-Covid. A diária média foi de R$ 390,80 — alta de quase 35% em relação a 2022 — e o RevPar (receita por apartamento, um indicador importante para essa indústria) cresceu quase 40%. na comparação anual. 

Nos resorts, o desempenho foi ainda mais expressivo. A taxa de ocupação chegou a 60,7% — a maior da série histórica desde 2010 —, com alta de mais de 10% em relação a 2022. A receita por apartamento ocupado cresceu 10%, reflexo do melhor controle de despesas e da alta demanda de lazer. 

Linhares reforça que o turismo de negócios ainda é o motor mais rentável: “Um turismo de negócio deixa de três a quatro vezes mais receita do que um turismo de lazer”. Em São Paulo, o principal polo corporativo da América Latina, a ocupação em 2024 atingiu 63%, com diária média de R$ 560 e RevPar de R$ 354, consolidando a cidade como destino de investidores e operadoras.

A receita do negócio

Seja em resorts de praia ou em hotéis urbanos, a sustentabilidade financeira depende de uma equação que inclui manter ocupação mínima entre 50% e 60% e realizar retrofits a cada quatro ou cinco anos. Esses ciclos de modernização são necessários para atualizar quartos, áreas comuns e tecnologia, sob risco de perda de reputação e de receita.

“A manutenção tem que ser constante. Se você deixa o produto cair, cai a reputação — e hoje, com redes sociais e reviews, isso é muito mais sensível do que há 20 anos”, afirma Waleria Fenato, especialista em gestão de receitas (revenue management, ou RM) no setor hoteleiro. Ela defende que a precificação dinâmica deve ir além das diárias: “O RM deveria ser aplicado a todos os serviços, inclusive alimentos, bebidas e spa. O preço tem que estar adequado ao que você oferece para que o hóspede tenha percepção de valor”.

Olhando para as típicas fontes de receitas de hotéis, a hospedagem segue como a principal, seguida por eventos e locação de espaços, e em terceiro lugar os alimentos e bebidas (A&B). Mas a margem do A&B é muito menor, devido ao custo dos insumos e da operação. Por isso, os hotéis buscam fortalecer receitas de maior rentabilidade, como eventos corporativos e espaços de convenções.

Ao mesmo tempo, enfrentam o peso dos canais de distribuição. Agências de turismo digitais (OTAs, na sigla em inglês) como a Booking funcionam como vitrines indispensáveis, mas cobram comissões entre 15% e 30%. Já operadoras como CVC e Decolar negociam pacotes com descontos agressivos. O resultado é uma erosão da margem para quem não consegue atrair hóspedes pelo canal direto. “Essas grandes OTAs têm um custo alto. O hotel precisa equilibrar a venda nesses canais com a construção de uma relação própria com o cliente”, lembra Fenato.

A concorrência com o Airbnb é outro fator. Para Manoel Linhares, trata-se de um jogo desigual: “Nós pagamos IPTU comercial, três ou quatro vezes mais do que o residencial. A carga tributária é muito alta, e nós geramos muito emprego. Queremos ao menos igualdade de condições.”

O peso da tradição

Cerca de 80% dos meios de hospedagem no Brasil ainda são independentes, ou seja, não estão integrados a grandes redes. Muitos deles enfrentam problemas crônicos: ausência de planejamento financeiro, conflitos entre sócios, uso indevido de recursos e resistência à modernização. O maior desafio, porém, é a sucessão.

“Normalmente, o patriarca montou a operação hoteleira, tinha o sonho da hotelaria, vivia a hotelaria. A segunda geração já não tem o mesmo viés e prefere realizar o ativo”, observa Irapuã Dantas, chefe de real estate da gestora CVPar. Esse movimento tem alimentado um mercado de compra e venda em que fundos e gestoras especializadas assumem ativos desvalorizados, aplicam reformas e reposicionamento e buscam rentabilidade maior.

“O nosso negócio é hotelaria puro-sangue. Nosso ciclo é comprar, melhorar a rentabilidade e vender o empreendimento”, resume Dantas. Em alguns casos, a CVPar usa sua própria bandeira, a Inner House, que combina hotelaria boutique com residências de luxo em modelo híbrido. “É uma operação baseada em experiências — arquitetura, gastronomia, música, wellness. É um luxo descolado, que a gente acredita ser o futuro.”

Enquanto marcas internacionais como Accor, Hilton e Marriott oferecem sistemas globais de distribuição e fidelidade, muitos independentes ainda operam “no papel”, sem ferramentas digitais para precificação ou gestão de clientes. “Eu diria que menos de 3% dos hotéis usam sistemas de gestão de receitas (RMS) no Brasil. A maioria ainda trabalha com planilhas ou vai no feeling na hora de definir os preços dos serviços”, diz Waleria Fenato.

Hoje, três modelos predominam no setor: hotéis próprios administrados por redes, franquias de marcas hoteleiras e multipropriedades. Os contratos de administração, que foram padrão no mercado por décadas, vêm perdendo espaço para as franquias. Isso porque as franquias permitem maior capilaridade, menos custo fixo e mais flexibilidade para investidores locais.

Essa mudança se reflete no pipeline de novos empreendimentos. Em 2025, o Brasil soma 152 hotéis e 23.247 unidades habitacionais em construção, com investimentos estimados em R$ 10,5 bilhões, segundo o Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB). O número é inferior ao de 2020, mas mostra retomada após anos de retração. O Sudeste concentra 50% dos projetos, seguido pelo Sul (20%). A maior parte — 73% — está localizada no interior dos estados.

Os empreendimentos mais baratos — os chamados econômicos e supereconômicos — perderam espaço, enquanto cresceram os projetos de padrão intermediário e alto, como hotéis de categoria midscale, upscale e de luxo. Outra tendência é a integração com empreendimentos maiores: hotéis que fazem parte de complexos multiuso, junto com torres residenciais, escritórios ou shoppings, e os chamados branded residences, apartamentos de alto padrão que levam a marca de uma rede hoteleira. A ideia é gerar mais fontes de receita e, ao mesmo tempo, valorizar o imóvel no mercado.

Perspectivas futuras

A Selic a 15% freia novos empreendimentos em um setor tão intensivo em dívidas como o hoteleiro. Sem financiamento fácil, muitos investidores preferem comprar e “retrofitar” hotéis já existentes, em vez de erguer novos projetos. 

Sem uma enxurrada de novos hotéis prevista até 2029, a tendência é que a procura continue maior do que a oferta. Isso deve abrir espaço para tarifas mais altas e margens melhores nos próximos anos — um cenário que anima os investidores. 

O BTG Pactual, por exemplo, está captando um novo fundo de até R$ 415 milhões para comprar hotéis prontos, mirando renda e valorização dos imóveis. Já administra o BTHI11 e o Hotel Maxinvest (MTMX11), que somam 54 unidades e R$ 3,3 bilhões em ativos. A CVPar segue a mesma linha: adquiriu o Hilton Garden Inn, na Avenida Rebouças, por R$ 110 milhões, e planeja um veículo específico para esse mercado.

Para Irapuã Dantas, da CVPar, não há dúvidas de que a hotelaria é um bom negócio: “É um ativo que paga um prêmio muito bom, acima de outros produtos de renda urbana”.

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