Newsletter

Mercado das canetas emagrecedoras pode quase dobrar em 2026 e atingir R$ 20 bilhões

Com a patente da semaglutida, do Ozempic, caindo no próximo ano, o UBS projeta que esse mercado dobre, acirrando a corrida das farmacêuticas, impulsionando as farmácias e levando o debate para o consumo

Publicidade

As canetinhas para emagrecimento estão ficando populares — e o mercado, ao contrário dos pacientes, só cresce. Segundo estimativas do UBS, o segmento brasileiro de medicamentos à base de GLP-1, como Ozempic, Wegovy e Mounjaro, deve movimentar cerca de R$ 11 bilhões em 2025 e quase dobrar de tamanho em 2026, chegando perto de R$ 20 bilhões. O que hoje ainda carrega a aura de produto caro e de nicho começa a ganhar escala — e 2026 pode marcar o ponto de virada.

O principal gatilho está no calendário. A patente da semaglutida, princípio ativo do Ozempic e do Rybelsus, expira em 20 de março de 2026, prazo mantido recentemente pela 4ª Turma do STJ ao negar o pedido de extensão da Novo Nordisk. A combinação entre versões potencialmente mais baratas do medicamento e a maior disponibilidade da tirzepatida — base do Mounjaro, da Eli Lilly — cria o cenário para uma expansão acelerada do mercado.

Os números do fim de 2025 mostram que o salto já começou. Para o UBS, o Brasil deve registrar cerca de R$ 4 bilhões em vendas de GLP-1 no 4º trimestre, com a tirzepatida já respondendo por 57% do total no período, à frente da semaglutida, com 43%.

A discussão sobre aderir ou não às canetinhas, de fato, já virou um tema super popular – e provavelmente vai aparecer em algum momento da ceia de Natal. Mas, segundo o relatório do UBS, essa penetração do produto ainda está bem abaixo do seu potencial. A estimativa é que o consumo no Brasil seja atualmente de cerca de 1 milhão de caixas por mês, o equivalente a 1,1% dos adultos com sobrepeso e 2,5% dos adultos obesos. Sinal de que preço e oferta ainda são as principais travas para a popularização desses produtos.

O Mounjaro deve ser o vetor que acelera a transição do mercado de nicho para a escala por dois caminhos. O primeiro é de demanda. Na leitura do UBS, a tirzepatida tende a ganhar espaço por eficácia e por apelo clínico, o que ajuda a explicar a velocidade com que ela se torna relevante assim que oferta e acesso deixam de ser gargalo.

O segundo é de dinâmica de mercado. Com duas moléculas fortes convivendo, o Brasil passa a ter um mercado em “dois andares”: a tirzepatida puxando receita e mix no curto prazo, enquanto a semaglutida tende a ganhar volume quando o preço cair no pós-patente. É essa combinação que sustenta a tese de que 2026 será o ano de virada.

Se a popularização vier mesmo no “pós-patente”, o primeiro impacto tende a aparecer nas farmacêuticas. A competição deixa de ser apenas entre quem tem o produto de referência e passa a incluir uma fila de empresas tentando garantir escala, canal e marca num mercado mais concorrido. O fim da exclusividade da semaglutida foi classificado como “a maior oportunidade do mercado farmacêutico brasileiro em uma década” pelo CEO da Hypera, Breno Oliveira, em teleconferência com analistas no mês passado.

A corrida também passa por capacidade industrial. A EMS, que investiu mais de R$ 1 bilhão em uma fábrica de peptídeos no interior de São Paulo, aposta na produção local das chamadas “canetas” assim que o monopólio da Novo Nordisk chegar ao fim. Neste ano, a companhia deu um passo simbólico nessa direção ao lançar, em agosto, suas primeiras canetas de liraglutida, molécula do Saxenda, produzidas no Brasil. Em 2026, a projeção da EMS é colocar no mercado 500 mil unidades da caneta de liraglutida, cujas versões foram batizadas pela EMS de Olire e Lirux.

Em entrevista ao InvestNews em agosto, Iran Gonçalves, diretor médico da EMS, destacou que o fato de a empresa já ter desenvolvido a tecnologia para a produção da liraglutida representa uma vantagem competitiva nesse processo: “A estrutura para produzir é a mesma. Todo o nosso investimento em peptídeos agora será direcionado para esse próximo passo.”

E a própria Novo Nordisk firmou uma parceria com a Eurofarma para distribuir uma “segunda marca” de semaglutida, um sinal de que o mercado já está se reorganizando antes de 2026.

Publicidade

O lado B: mercado paralelo

Esse processo de transição, porém, vem acompanhado de um lado B que tende a ganhar relevância nesse período de preços ainda elevados e oferta restrita. O UBS chama atenção para o mercado paralelo de GLP-1, alimentado por arbitragem de preços e por canais fora do circuito tradicional. A comparação com o Paraguai ajuda a entender o incentivo econômico. Segundo o relatório, uma dose baixa de tirzepatida (2,5 mg) custaria em torno de R$ 294 em farmácias paraguaias, enquanto uma dose alta (15 mg) ficaria perto de R$ 770.

No Brasil, o preço do Mounjaro varia de R$ 1.400 a R$ 3.000, dependendo da dose. A diferença abre espaço para compras em viagem, importação informal e revenda, além de estimular a procura por “atalhos” em clínicas e versões vendidas como alternativas. O banco também cita o papel do regulador, com alertas e restrições a produtos sem registro e a versões sem garantias de qualidade e dosagem.

Do SUS, às farmácias e os supermercados

Do lado do varejo, o efeito mais imediato tende a aparecer nas farmácias. O UBS estima que a RD Saúde capture algo como 35% das vendas de GLP-1, apoiada por uma exposição maior ao público de renda A/B. E há um dado que ilustra o tamanho do fenômeno dentro do balcão. Para o banco, GLP-1 já pode ter sido quase 12% das vendas de varejo da RD no quarto trimestre, um patamar que transforma o tema em categoria relevante de receita e tráfego.

A discussão, então, começa a encostar em um ponto ainda mais sensível: quem paga a conta quando esses medicamentos se tornam mais acessíveis. O UBS lembra que o SUS ainda está fora desse mercado. A Conitec, comissão que trata da incorporação de tecnologias e tratamentos no sistema público, recomendou não incorporar liraglutida e semaglutida à lista do Sistema Único de Saúde e, mais recentemente, uma consulta pública chegou a discutir a entrada da semaglutida no tratamento da obesidade, mas o pedido foi negado sobretudo por custo-efetividade.

A Conitec estimou que os custos adicionais para incorporar a semaglutida à lista do SUS poderiam chegar a R$ 7 bilhões em cinco anos. “Com a possibilidade de os genéricos provocarem quedas de preço na faixa de 30% a 50%, acreditamos que novos pedidos de incorporação possam ser apresentados à Conitec, com o objetivo de incluir na lista do SUS as versões genéricas mais baratas”, diz o time do UBS.

Nesse cenário, o mercado deixaria de ser apenas uma disputa de farmácia e indústria e passaria a tocar em financiamento, priorização de gasto em saúde e desenho de políticas públicas. E, a partir daí, o tema escapa de vez do setor de saúde.

O UBS tentou mapear como o uso mais amplo de GLP-1 pode mexer com hábitos de consumo e, por consequência, com empresas que não vendem medicamento nenhum. Pesquisas nos EUA apontam que mais da metade dos usuários relata consumir menos calorias, com queda em categorias como fast food, sorvetes, refrigerantes e snacks açucarados, enquanto água, vegetais, frutas e carnes brancas ganham espaço.

Na prática, isso sugere um efeito de segunda ordem no varejo alimentar e em restaurantes, com pressão em linhas de indulgência e compensação parcial em itens mais saudáveis, como frescos e proteínas.

Na moda, o impacto é menos óbvio. A perda de peso pode acelerar ciclos de renovação do guarda-roupa e abrir oportunidades de demanda, mas também pode bagunçar curvas de tamanho e elevar risco de estoque, um problema clássico para redes grandes em um ambiente em que giro e execução determinam margem. A popularização das canetas também pode favorecer segmentos ligados a academias e bem-estar, se o medicamento vier acompanhado de mudanças duradouras de hábito.

Publicidade
Exit mobile version