Para diminuir dívida, Raízen faz ‘saldão’ de R$ 15 bi em ativos

Companhia deve vender mais usinas ainda este ano e espera levantar cerca de US$ 1,5 bi com ativos na Argentina

A Raízen apertou os cintos nos últimos meses e acelerou o ritmo da venda de ativos para ficar mais enxuta – e menos endividada. A empresa vai divulgar nesta quarta-feira (13) seu primeiro balanço do ano fiscal 2025/26 (de abril deste ano a março do ano que vem) e a expectativa é de que mostre uma melhora na sua dívida líquida. 

No plano em curso para diminuir o endividamento – em tempos em que o juro alto faz sangrar o caixa da empresa – a Raízen decidiu sair de operações que não são estratégicas. Nesse “saldão”, a empresa identificou R$ 15 bilhões em ativos potencialmente à venda. O objetivo principal é vender a operação na Argentina, mas o que se mostra mais viável é a venda de mais um pacote de usinas pelo Brasil, apurou o InvestNews.

Do que está à venda, pouco mais de R$ 3 bilhões já foram para os cofres da empresa. Em geração distribuída, por exemplo, o que era mais relevante já foi vendido. Também levantou mais de R$ 2 bilhões ao vender as usinas MB, Leme e Santa Elisa, todas em São Paulo – as duas últimas ainda em processo de conclusão de venda.

Primeiro, as usinas

Após as três transações divulgadas, a Raízen ainda opera 27 unidades e vem recalibrando o portfólio em dois movimentos: vender ativos deficitários — onde ociosidade e custo fixo drenavam caixa — e vender ativos que não fazem mais sentido no desenho de clusters (conjunto de usinas próximas). 

Em alguns casos, a negociação envolve a indústria mais a produção de cana; em outros, apenas a cana. Com isso, a Raízen consegue melhorar a capacidade por usina.

O problema, no entanto, é que, à medida que o tempo passa e as unidades são vendidas, fica mais difícil encontrar interessados para as próximas transações. “As opções de venda dentro do estado de São Paulo estão diminuindo”, observa uma pessoa com conhecimento do setor.

As usinas Leme e Santa Elisa são bons exemplos do movimento. Eram unidades com déficit operacional, mas estavam localizadas em São Paulo, em regiões com alta demanda por cana e grande número de potenciais compradores próximos. No caso de Santa Elisa, havia quase 20 unidades a distâncias de menos de 100 km.

Agora, com a saída das duas usinas, a expectativa é de que esse índice de ociosidade média da Raízen caia de pouco mais de 20% para algo em torno de 18%, de acordo com cálculos de empresas especializadas no setor sucroenergético. A empresa não abre dados de produtividade de suas usinas. 

Mas de acordo com números de mercado, há outros grupos de usinas com déficits significativos. Os clusters de Araraquara e Assis, por exemplo, têm ociosidade acima de 25%, mas estão em regiões com menos concorrência. Portanto, pode haver menos compradores para esses ativos. 

Entre investidores e analistas que acompanham a Raízen, a expectativa é de que pelo menos quatro usinas sejam vendidas até o começo de 2026. Os principais alvos são os ativos no Mato Grosso do Sul: duas usinas em Rio Brilhante e uma em Caarapó. As duas primeiras estão com ociosidade perto de 30% enquanto a última opera com alta utilização da capacidade produtiva. Usinas na divisa entre São Paulo e Minas Gerais também fariam sentido de venda.

No caso das usinas de Mato Grosso do Sul, a avaliação de agentes do mercado é de que essas unidades possam ser oferecidas a players interessados em etanol de milho, já que a Raízen não se alinha tão bem com essa tese e a região é boa para a commodity.

Ainda assim, pessoas próximas à Raízen defendem que a demanda por usinas não está baixa e que é possível negociar preços atrativos. Por enquanto, os números apontam para outra direção.

A expectativa inicial da Raízen era de que os ativos à venda fossem avaliadas em cerca de US$ 70 a US$ 100 por tonelada, mas a realização efetiva das vendas de ativos no setor sucroenergético têm sido de US$ 40 a US$ 50 por tonelada, pelos cálculos de empresas do setor. 

Apesar disso, investidores e analistas avaliam as vendas como estratégicas porque, mesmo com valores de transação menores, não afetam o fluxo de caixa da companhia. “Na verdade, podem melhorá-lo ao eliminar a necessidade de aporte em operações deficitárias”, observa um dos gestores ouvidos pelo Investnews.

Da Oxxo da esquina aos ativos na Argentina

O saldão da Raízen inclui ainda a operação na Argentina e, por isso, deve se estender até meados do próximo ano, segundo pessoas familiarizadas com o dia a dia da companhia ouvidas pelo InvestNews. 

“A Argentina é o big ticket, mas não é um cheque simples”, diz uma pessoa próxima ao processo. O entendimento da gestão da companhia é de que a venda tem de sair acima dos quase US$ 1 bilhão pagos em 2018. Está claro, porém, que o valor não deve ser muito acima disso, mas especula-se no mercado de que a Raízen estaria buscando US$ 1,5 bilhão pela operação.

Do lado de quem acompanha o negócio, o valuation não deverá ser esse. A explicação é que, embora o ativo esteja operando bem e com margens praticamente dobradas em relação ao período da compra pela Raízen, os múltiplos pagos para atividades de refino não costumam ser altos. Além disso, operar na Argentina não é banal. Até hoje, mesmo sob o governo Milei, a Raízen ainda tinha de lidar com o controle para a retirada de dinheiro do país.

Uma das pessoas familiarizadas com a operação afirma que há mais de três interessados considerando propostas não vinculantes. Na semana passada, a Agência Estado apontou a Trafigura como uma das possíveis interessadas. O BTG Pactual tem o mandato para a venda dos ativos argentinos. 

A companhia também tem sido bastante transparente quanto ao destino do Grupo Nós, joint venture que mantém com a Femsa para operar da Oxxo, rede de lojas de conveniência que pareciam se multiplicar pelas esquinas de São Paulo.

A Raízen, que chegou a projetar 5 mil lojas Oxxo no país, agora mantém a participação no negócio como um ativo em busca de um comprador. O entendimento, porém, é que essa venda não muda o ponteiro e não demanda tanta pressa.  

De volta ao ‘core’

“Toda essa reciclagem de ativos que estamos implementando – e vamos continuar a implementar –, tem dois grandes objetivos. O principal, e o mais importante, redução do nosso endividamento, mas também buscando a simplificação dos nossos negócios”, já havia sinalizado Nelson Gomes, CEO da Raízen, na última teleconferência de resultados, em meados de maio.

Gomes assumiu a companhia no fim de 2024, vindo da controladora da empresa, a Cosan, de Rubens Ometto. A missão era mudar a rota da companhia – numa tentativa de alívio também para os números da controladora. O executivo entrou no lugar de Ricardo Mussa, executivo que levou a Raízen para a Bolsa e tocou, até meados do ano passado, uma agenda de expansão ambiciosa.

A Raízen investia cerca de R$ 12 bilhões ao ano. Fez apostas altas no etanol de segunda geração, investiu em ativos de energia renovável, comprou negócios em outros países, como Argentina e Paraguai, e ainda se aventurou no varejo de proximidade com a rede Oxxo. “Era uma agenda de crescimento muito intensa, mas com juros altos, era preciso olhar para a qualidade dos ativos e entrar num ciclo de mais geração de valor”, diz uma pessoa familiarizada com a Raízen.

Ao fim do ano fiscal de 2024/25, a Raízen acumulava uma dívida líquida de R$ 34 bilhões. Por isso, a direção traçou o plano de sair daquilo que não era o ‘core’ do negócio – numa missão desafiadora de vender alguns bilhões de reais em ativos num momento em que encontrar compradores com bolsos cheios ou dispostos a encarar um custo de capital mais elevado.

“A companhia está sendo muito seletiva no processo de desinvestimento. Não vai vender ativos a qualquer preço. A lógica é que, ao retirar operações da empresa, a Raízen não pode se arrepender depois”, diz uma das pessoas com conhecimento das operações.

A favor da empresa, está um caixa com bastante recurso e um prazo de pagamento da dívida mais espaçado. Ao fim de março, a Raízen detinha R$ 22,1 bilhões em caixa e títulos negociáveis prontamente disponíveis e apenas R$ 4,8 bilhões de dívidas vencem até o fim deste ano.

Procurada pelo InvestNews, a Raízen não quis comentar.

Exit mobile version