Fundada em 1853, a Ramirez atravessou guerras, crises econômicas e transformações tecnológicas mantendo o controle familiar. Para isso, estar sempre na mão da mesma família foi determinante para a empresa, de acordo com o diretor de mercado externo, Manuel Moreira. “Uma companhia em bolsa estaria sujeita a pressões de rentabilidade. Na mão da mesma família, a empresa tem uma paixão e um compromisso social com todos os funcionários e colaboradores”, afirma.
A ligação com o Brasil é antiga. A Ramirez exporta para o país há cerca de 122 anos e participa da Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria no Rio desde 1931. É também o único país fora de Portugal com um escritório próprio da marca. “O Rio de Janeiro é o nosso ponto-base fora de Portugal. É o único escritório internacional que temos”, diz Moreira. O mercado brasileiro responde hoje por 5% a 6% das exportações da empresa.
O executivo aponta que o consumo de pescado no país cresce, e o segmento premium começa a ganhar força. “O Brasil já está no nosso top 5 de mercados globais. É estratégico e tem potencial não só de consumo, mas também logístico para abastecimento regional”, diz.
Segundo ele, a diferença entre o peixe português e o brasileiro ajuda a explicar o apelo do produto importado. “As nossas sardinhas vêm de águas frias, ricas em nutrientes. O sabor é mais intenso, e o peixe chega fresco à fábrica. Isso não se replica facilmente em outras regiões.”
Fábrica no Brasil
Essa vantagem competitiva, no entanto, esbarra em um obstáculo permanente para quem importa alimentos: o custo tributário.
“O Brasil é um dos países mais protecionistas do mundo. O produto chega a encarecer quase 50% só em impostos antes de entrar no centro de distribuição”, afirma Moreira. O cenário, segundo ele, explica por que a empresa ainda não instalou uma fábrica local.
Mesmo assim, a ideia segue na mesa. O avanço do acordo UE–Mercosul é visto como o fator que pode destravar o projeto. “Com o acordo, tudo muda. Passa a haver espaço real para pensar o Brasil como base não apenas de consumo, mas de produção”, afirma. Ele acredita que, em um cenário de maior integração comercial, a companhia poderia atender a América do Sul e Central a partir de uma planta brasileira. “É uma coisa a ponderar, mas tem que ser medida com muita cautela”, diz Moreira.
Enquanto isso, a Ramirez tenta ampliar o alcance de suas marcas. A estratégia combina presença no varejo tradicional, com produtos como Ramirez e General, e reforço no segmento gourmet, com linhas como a La Rose.
Lata das Cidades
Nesse movimento de aproximação com o consumidor brasileiro, a empresa também aposta em iniciativas de branding. O projeto “Lata das Cidades”, que começou com Porto e Lisboa, ganhou versões brasileiras dedicadas ao Rio de Janeiro e a São Paulo. As embalagens têm apelo emocional e ajudam a conectar o produto ao imaginário local. Segundo Moreira, consumidores já tratam a iniciativa como item de coleção. “É alimento, mas está carregado de símbolos, ícones que representam uma cidade, que representam uma região. Portanto, tem uma carga emotiva, emocional, uma paixão agregada. Há pessoas que já colecionam essas edições”, diz o executivo.
A empresa também aposta na diferenciação tecnológica e ambiental. Em 2015, concentrou a produção em uma nova fábrica em Matosinhos, no norte de Portugal, equipada com sistemas automatizados e controle por inteligência artificial. A unidade opera com energia renovável, reaproveitamento de água da chuva e caldeiras movidas a biomassa. “É o que eu chamo de ‘born green’”, explica Moreira.
No Brasil, o desafio é equilibrar percepção de valor e escala comercial. O consumo de pescado ainda está abaixo da média mundial, o que indica espaço para crescimento. Segundo Moreira, essa diferença se torna clara quando o consumidor compara o produto da marca, envasado em alumínio, com as conservas tradicionais feitas em aço estanhado. “O alumínio não oxida, a textura é diferente, o paladar também”, afirma.
Para Moreira, a evolução do acordo entre blocos pode redefinir essa equação. A companhia vê o Brasil como potencial base industrial no longo prazo, mas, por enquanto, foca em consolidar a distribuição e ampliar o portfólio.
A presença no país é vista como parte de uma construção gradual. Depois de mais de um século de relações comerciais com o Brasil, a empresa quer transformar a antiga rota de exportação em um projeto de presença permanente.
