O setor de data centers avalia que o Brasil finalmente entrou no jogo global após a criação do Redata, regime especial de tributação lançado pelo governo na quarta-feira (17). Para Chris Torto, CEO e fundador da Ascenty, maior operadora da América Latina com mais de 30 projetos na região, a medida consolida o país como um mercado competitivo para atrair investimentos em inteligência artificial.
O executivo lembra que a tributação tornava a importação de equipamentos proibitiva: em alguns casos, os impostos superavam R$ 1,50 para cada real investido. Com o Redata, a carga cai para cerca de 2%. “Isso muda completamente o cenário e coloca o Brasil de vez no radar das big techs”, afirmou em conversa com o InvestNews.
O peso do hardware ajuda a explicar a euforia. Enquanto a construção de um data center pode custar R$ 1 bilhão, o investimento em equipamentos chega a oito vezes mais, algo próximo de R$ 8 bilhões.
No lançamento do programa, o Ministério da Fazenda estimou que a nova política pode atrair até R$ 2 trilhões em investimentos privados em dez anos, com impacto fiscal de R$ 7,5 bilhões em três anos — dos quais R$ 5,2 bilhões já reservados no Orçamento de 2026.
Hoje, cerca de 60% dos dados brasileiros ainda são processados no exterior, principalmente nos EUA, o que amplia o déficit de serviços digitais, que chegou a US$ 7,1 bilhões em 2024. O Brasil é atualmente o 10º maior mercado de data centers no mundo, em uma lista liderada pelos americanos.
A Medida Provisória foi publicada na quinta-feira (18) e tem validade de 120 dias para que o Congresso decida se transforma o texto em lei. Essa etapa é considerada crucial para dar ao setor a segurança jurídica necessária.
Destravar investimentos
Na avaliação de Torto, os grandes players estavam de fato à espera da medida para acelerar seus aportes no Brasil. Google, Microsoft e AWS, diz ele, só precisavam de um ambiente tributário mais competitivo para ampliar operações no país.
O executivo acrescenta que 2026 tende a ser ainda mais forte, com projetos já mapeados sendo tirados do papel a partir da consolidação da lei. “A MP é o gatilho. O próximo ano deve marcar a virada definitiva do Brasil como hub regional de inteligência artificial”, afirmou.
O Brasil desponta como protagonista no mapa latino-americano de data centers, em um mercado que deve dobrar dos US$ 7,1 bilhões de 2024 para US$ 14,3 bilhões até 2030, impulsionado pela explosão da IA e pela corrida das empresas para migrar dados para a nuvem.
Segundo relatório do BTG Pactual, tanto o Brasil quanto o Chile reúnem condições estratégicas para capturar esse movimento — da oferta abundante de energia renovável aos cabos submarinos que conectam a região ao mundo. No país andino, a própria Ascenty tem um plano de R$ 7 bilhões para instalar seis unidades em Santiago até 2028.
Energia para crescer
Torto avalia que o avanço da inteligência artificial elevou a escala dos aportes em todo o mundo — tendência que deve chegar com força ao Brasil. “Se antes um projeto custava entre US$ 100 milhões e US$ 200 milhões, agora pode ultrapassar US$ 10 bilhões. A mesma mudança vale para a capacidade instalada: de 10–20 megawatts para 1 gigawatt por unidade.”
Mas enquanto o Chile saiu na frente com um plano nacional dedicado ao setor, a nova política tributária brasileira busca acelerar a atração de investimentos e consolidar o país como hub regional. Para o CEO da Ascenty, o Brasil reúne agora vantagens adicionais: “Temos energia renovável mais barata e um mercado muito maior. Isso torna o país competitivo não apenas na América do Sul, mas no mundo.”
O custo de energia no Brasil é mais de 60% menor que nos Estados Unidos e Europa, reforçando a atratividade para operações intensivas em processamento. “Em muitos países você só consegue certificados de energia limpa; aqui temos energia renovável de verdade”, acrescentou Torto.
Neste sentido, o Redata também impõe contrapartidas ambientais: os data centers beneficiados terão de operar com 100% de energia renovável e comprovar eficiência hídrica, mantendo o índice de consumo de água (WUE) em níveis mínimos.
Apesar do otimismo, advogados apontam incertezas na aplicação do regime. “Apesar de ser um primeiro passo, há ainda importantes pontos de atenção”, disseram João Paulo Cavinatto e Raphael Gomes, do Lefosse Advogados. Entre eles estão a definição sobre quais equipamentos poderão se beneficiar da desoneração, a falta de critérios claros para o fornecimento de energia 100% limpa e o fato de que a principal carga tributária do setor continua sendo o ICMS, de competência dos Estados.
Novos mercados
O Redata prevê que ao menos 10% da capacidade dos data centers seja destinada ao mercado interno — regra que Torto considera um estímulo ao ecossistema brasileiro. “Vamos ceder espaço para empresas nacionais dentro dos nossos data centers. Isso cria um ambiente fértil para startups e empreendedores de IA desenvolverem aplicações aqui, em vez de contratar infraestrutura no exterior”, disse.
Ele também vê espaço para pulverização de projetos em novos Estados. “Nem tudo pode ser servido de São Paulo e Rio. O Ceará já é um ponto importante pelos cabos submarinos, e outras regiões, como Nordeste e Centro-Oeste, podem ganhar espaço — desde que haja conectividade e mão de obra qualificada.”