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Sabesp e Aegea estão entre as interessadas no saneamento de Buenos Aires, uma aposta inédita fora do país

Estatal AySA, que atende 15 milhões de pessoas em Buenos Aires, deve ser privatizada em 2026, atraindo brasileiras e players globais

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A maior privatização de saneamento que atrai empresas brasileiras não está no Brasil, mas sim na Argentina. A venda do controle da AySA (Agua y Saneamientos Argentinos), estatal responsável pelos serviços de água e esgoto da Grande Buenos Aires, despertou a atenção de Sabesp e Aegea, apurou o InvestNews, juntando-se a players internacionais como a japonesa Marubeni e a filipina Manila Water.

Se confirmada, essa será a primeira investida das grandes empresas brasileiras de saneamento em um ativo fora do país — um movimento inédito em um setor historicamente concentrado em concessões domésticas e ainda com o desafio de universalizar os serviços até o início da próxima década. Além de Sabesp e Aegea, bancos de investimento estão sondando outras empresas brasileiras de saneamento para olharem o ativo portenho.

A AySA é considerada o maior sistema urbano de saneamento da América Latina, atendendo 15 milhões de habitantes na Cidade Autônoma de Buenos Aires e em 26 municípios do conurbano. Opera três plantas potabilizadoras, 21 estações depuradoras e uma malha combinada que supera 40 mil quilômetros de redes de água e esgoto.

A AySA teria um peso significativo se fosse incorporada por uma empresa brasileira. Para a Sabesp, que atende 25 milhões de pessoas em São Paulo, a aquisição equivaleria a um salto de quase 60% na base de usuários. No caso da Aegea, que soma 39 milhões de clientes em 892 municípios brasileiros, a estatal argentina representaria um acréscimo de 45%.

Em 2024, a AySA entregou Ebitda de US$ 48,3 milhões após 17 anos de resultados negativos, mas a avaliação dos bancos de investimento é que a companhia teria potencial para gerar cerca de US$ 250 milhões de Ebitda por ano. Em termos financeiros, o valor poderia corresponder a aproximadamente 10% do resultado operacional de Sabesp e Aegea no ano passado.

Histórico complexo

A privatização em Buenos Aires carrega um peso histórico. Nos anos 1990, durante o governo Carlos Menem, os serviços foram concedidos à francesa Suez, que operava sob o nome Aguas Argentinas. O contrato permitia tarifas dolarizadas e aumentos extraordinários, mas as obras prometidas nunca saíram do papel.

Com a crise econômica de 2001, os atritos se intensificaram. Em 2006, o governo Néstor Kirchner rescindiu o contrato e criou a AySA como estatal, com 90% do capital nas mãos da União e 10% dos trabalhadores. Desde então, a companhia se tornou um dos símbolos da reversão da agenda privatizante dos anos 1990.

Essa memória pesa no debate atual: na imprensa argentina, críticos temem que o país repita a experiência de tarifas elevadas e expansão restrita aos bairros de maior renda.

O saneamento em Buenos Aires (Ilustração: João Brito)

Sob gestão pública, a AySA de fato ampliou o acesso. Entre 2006 e 2024, mais de 4,5 milhões de pessoas passaram a ter água corrente e 3,6 milhões foram conectadas à rede de esgoto. Obras de grande porte, como o Sistema Riachuelo, ajudaram a reduzir a poluição de um dos rios mais contaminados do continente.

Mas essa expansão veio a um preço alto: entre 2006 e 2023, o Tesouro argentino injetou mais de US$ 13,4 bilhões na estatal. Os déficits eram recorrentes e só foram revertidos em 2024, após um “tarifazo” que quadruplicou as contas de água em um ano. Mesmo assim, a cobertura segue desigual: em bairros centrais, supera 80%, mas em áreas periféricas mal chega a 40%.

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A infraestrutura também mostra sinais de desgaste. Partes da rede em Buenos Aires têm mais de 50 anos, e até 40% da água produzida se perde em vazamentos.

Cronograma

Para Javier Milei, a equação é simples: o governo argentino não tem mais capacidade de financiar as obras necessárias. Em julho, ele assinou o Decreto 494/2025, que autoriza a transferência de até 90% das ações da AySA para investidores privados, via licitação pública nacional e internacional.

O desenho prevê que pelo menos 51% do capital fique com um operador estratégico, enquanto o restante poderá ser colocado em Bolsa — um modelo que lembra, guardadas as devidas proporções, a privatização da própria Sabesp no ano passado, quando a Equatorial passou a ser o sócio de referência.

Funcionário da argentina AySA (Divulgação)

Decretos também habilitaram cortes por inadimplência e reajustes ordinários trimestrais, para preservar a equação econômico-financeira do contrato. O objetivo declarado é tornar a empresa mais atrativa a investidores, ao mesmo tempo em que reduz a dependência de subsídios.

O governo iniciou formalmente o processo em no último dia 19 de agosto, por meio da Resolução 1198/2025, com prazo de 8 meses para a venda — o que determina que a privatização ocorra entre março e abril de 2026.

Oportunidade brasileira

A presença de Sabesp e Aegea no radar sinaliza uma guinada no setor brasileiro. Historicamente, companhias de saneamento do país nunca buscaram ativos relevantes fora de casa, ainda mais após o Marco do Saneamento de 2020, que ampliou a competição doméstica.

Para a Sabesp, que passou por privatização em 2024, a entrada em Buenos Aires seria a primeira grande jogada após sua transição para o setor privado. Para a Aegea, consolidada como líder no mercado brasileiro, a aquisição seria uma forma de reafirmar sua escala em nível regional.

Procurada pelo InvestNews, a Aegea disse que não vai comentar. A Sabesp não respondeu ao pedido de entrevista.

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