Virou anedota a história da senhora que perdeu dinheiro para um golpista que se passava por Elon Musk. Mas o assunto é sério. Com a evolução quase que diária da inteligência artificial, tem ficado cada vez mais difícil verificar identidades. Rostos falsos, por exemplo, são um estorvo para empresas que usam biometria facial para saber se o cliente é o cliente mesmo, não alguém querendo se passar por ele.
Só em janeiro de 2025, foram registradas 1,2 milhão de tentativas de fraude no Brasil, segundo um indicador da Serasa Experian que analisa dados de verificação de documentos, biometria facial e verificação cadastral.
Significa um aumento de 41,6% em um ano e equivale a uma tentativa de fraude a cada 2,2 segundos. E não é por acaso que isso coincida com o boom da inteligência artificial.
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“Estamos vendo cada vez mais sessões com imagens geradas por IA. Aprimoramos nossos sistemas de forma contínua para nos manter à frente dos fraudadores”, diz Kaarel Kotkas, CEO da Veriff.
Trata-se de uma companhia da Estônia especializada em identidade digital. Ela é, na essência, um “porteiro digital” que vigia a porta de entrada de qualquer serviço on-line. Sabe quando o app do banco pede para escanear o seu rosto? Então. Os clientes da Veriff são instituições financeiras, apps de mobilidade, e-commerce, bets (para checar a idade).
A empresa atua nos EUA, no Reino Unido e na Espanha, além da Estônia. E acaba de inaugurar um escritório em São Paulo. Após uma rodada de investimentos em 2022, chegou a um valuation de US$ 1,5 bilhão e se tornou o nono unicórnio de seu pequeno, e tecnológico, país – falaremos mais sobre a Estônia adiante.
Bom, uma pesquisa feita pela própria Veriff no início deste ano mostrou que 20,5% das empresas brasileiras relataram uma perda de pelo menos 10% na receita devido a fraudes, resultado bem superior ao que observaram nos EUA (13,5%) e no Reino Unido (9%).
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E se a IA tem sido a principal arma dos fraudadores, ela também é a ferramenta para combatê-los, numa corrida de gato e rato. Kotkas explica como: “Uma estratégia é a implementação de verificações de vivacidade facial para validar a autenticidade da presença humana. Isso envolve o uso de algoritmos avançados para detectar movimentos sutis do rosto e respostas, como a textura da pele e as condições de iluminação, e garantir que o indivíduo que interage com nossos sistemas seja real”.
Isso também vale para documentos – alquém querendo se passar por você pode gerar uma CNH sua via IA, por exemplo, e se cadastrar em algum sistema online. Para evitar isso, Os sistemas da Veriff analisam detalhes ínfimos para detectar anomalias. Uma base de dados é alimentada constantemente para agregar mais fatores de verificação, e aumentar a eficiência de sua IA.
O país mais digital do mundo
A Veriff é uma das 1.500 startups da Estônia, um país com a população de Porto Alegre (1,3 milhão), que faz fronteira com a Rússia e fica a duas horas de balsa da Finlândia. Desse ambiente denso em empreendedorismo, nasceram empresas de tecnologia com presença global, como Wise, Skype, Playtech (de engenharia de sites de apostas) e Bolt (concorrente do Uber).
Não é por conta da água que eles bebem. O ambiente da Estônia é especialmente amigo da inovação. Em 2001, implementaram o X-Road (2001), uma infraestrutura que interliga bancos de dados públicos seguindo o princípio “uma vez só”: você informa seus dados e, a partir daí, circula com segurança entre órgãos do governo – sistema que, 20 anos depois, inspiraria o nosso Gov.br.
Ainda em 2002 estrearam o RG eletrônico com assinatura digital. Três anos depois veio a primeira eleição com voto on-line do mundo. Na mais recente, em 2023, 51% dos votos vieram da internet – não é 100% porque o estoniano que quiser votar de casa precisa de um notebook com certificado digital instalado.
Outro salto, mais recente, é o e-Residency. Desde 2014, estrangeiros que quiserem montar uma empresa na estônia podem fazer isso sem jamais pisar no país. O sistema cria uma carteira de identidade virtual e, a partir dela, você cria um “CNPJ” estoniano – não faltam benefícios fiscais para atrair interessados.
“Trazer todos os serviços públicos para o ambiente online significou que as pessoas precisavam seguir o impulso pela digitalização para ter acesso a eles. A chave para o sucesso do país tem sido a construção de confiança entre empresas, governo e cidadãos”, afirma Kotkas.
Em dezembro do ano passado, veio mais uma novidade: o e-divórcio – esse é autoexplicativo. Algum dia, pelo jeito, os estonianos só terão de estar presentes fisicamente na hora de nascer.
“Nosso país é um excelente campo de testes”, segue o CEO da Veriff. “Temos uma população com alta familiaridade tecnológica: você testa sua ideia na Estônia e depois escala para o mercado global”.