Off Work
A chef Janaina Torres, do Dona Onça, conta como investe (em si mesma)
Eleita a melhor mulher do mundo na profissão, sua matemática é a seguinte: o sucesso de um projeto banca o próximo
A renomada chef Janaina Torres anda feliz. Muito feliz. Em menos de um mês, encontrou um lugar pra lá de especial para seu novo restaurante e realizou o desejo de ter um barco – estabelecendo um elo com uma de suas paixões, o mar. Até o fim do ano, cumprirá uma agenda de viagens pela Europa, Ásia e América Latina, participando de festivais e experimentos gastronômicos. Empreendedora nata, seus olhos brilham muito mais ao falar dos novos projetos do que do título de melhor chef mulher do mundo, conquistado no início deste ano, na premiação The World’s 50 Best Restaurants.
Em entrevista ao InvestNews, Janaina conta que acaba de adquirir mais um imóvel na região central de São Paulo, que já acolhe seus icônicos restaurantes Bar da Dona Onça e A Casa do Porco, entre outros negócios.
Em 2025, o novo endereço, ainda mantido em sigilo, abrigará uma das unidades do que considera o projeto de sua vida, intitulado “À Brasileira” e inspirado na ideia de se viver o país de maneira ampla. Outro local, que deve ser inaugurado somente em 2026, será maior e irá compor uma espécie de complexo gastronômico-cultural, reunindo não apenas comidas de todas as regiões Brasil, mas também festas, tradições, produções literárias, eventos culturais etc.
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Nascida em um cortiço no centro da cidade, simplicidade e atenção com as pessoas temperam\ o seu talento. Prefere ser chamada de cozinheira, em vez de chef, e diz cuidar sozinha das finanças, “na unha mesmo”. Conta que seus investimentos acabam sempre ligados ao trabalho, que para ela se mistura à vida pessoal. Sua matemática é a seguinte: o sucesso de um projeto banca o próximo. E assim vai.
Plano de previdência? “Eu tinha até anteontem. Até eu comprar esse novo negócio”, diz, sorrindo. “Eu empreendo me endividando, não tenho medo. Mas se não conseguir pagar, eu devolvo [o imóvel]”, arremata, em tom mais sério, frisando que conhece os riscos. Ao mesmo tempo, emana uma confiança enorme de que a nova empreitada irá prosperar, como aconteceu com seus outros negócios.
Ainda sobre a gestão do que ganha, Janaina não hesita em dizer que prefere reinvestir em seus estabelecimentos a ter recursos guardados no banco. “Claro que se vier uma crise, ferrou. Mas guerra é guerra, né?”, afirma, lembrando que sua origem é extremamente simples, viveu com dinheiro contado durante muito tempo, e que venceu sendo autodidata. Pouca coisa a assusta de verdade. O mais importante, diz, é que o futuro dos filhos está garantido.
Quando se separou do também chef Jefferson Rueda, em 2022, os bens principais ficaram em nome dos dois meninos, com usufruto dos pais.
Um sonho que virou resgate de memória
Janaina ainda não revela o endereço exato em que dará o primeiro grande passo do projeto À Brasileira, mas adianta que será na região onde passou toda sua infância, o que considera um presente do destino e a oportunidade de resgatar memórias também de quem conheceu o lugar.
Spoiler: o cortiço em que nasceu e passou boa parte da infância fica no bairro paulistano do Brás. Ela também morou na Mooca e no Bixiga antes de fincar raízes nos arredores da Praça da República, onde já teve uma barraca de comidas.
Na mesma região, aos pés do famoso Edifício Copan, fica o negócio mais longevo de Janaina, o Bar da Dona Onça, inaugurado em 2008. Na época, juntou cerca de R$ 150 mil, guardados durante os dez anos em que trabalhou em uma multinacional de bebidas, mas insuficientes para realizar o sonho… Entre idas e vindas para solucionar a questão, recebeu do padrinho Julio Cesar de Toledo Piza Junior uma oferta de sociedade. O resto é história.
Seu Julio, como era conhecido, faleceu em 2020, aos 80 anos. Boêmio, era figura conhecida do centro paulistano e foi presidente da antiga Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), que depois se uniu à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e, juntas, viraram a B3. Ele queria um bar próximo de casa para beber seu uísque com tranquilidade e acabou ficando com metade do Bar da Dona Onça.
Após sua morte, a fatia passou para seu único filho, Julio Neto, que herdou também 50% de outros negócios de Janaina e Jefferson (sócios até hoje): a lanchonete Hot Pork, o restaurante Merenda da Cidade e a Sorveteria do Centro, tornando-se acionista majoritário após o divórcio do casal. Juntamente com o Dona Onça e A Casa do Porco, os empreendimentos geram um faturamento próximo de R$ 100 milhões por ano.
Neto também topou investir no À Brasileira, mas neste projeto quem terá a fatia maior será ela. O capital extra será usado para restaurar o imóvel, comprar equipamentos etc.
Sobre a estimativa anual de faturamento dos seus cinco atuais negócios, Janaina comenta: “Cem milhões é um número bonito, né? Na verdade, quem ganha é o governo, que fica com quase 30%, fora água, luz etc. Isso é muito louco.” Segundo ela, considerando a parcela que é reinvestida no próprio negócio, sobra menos do que as pessoas imaginam. E faz um aviso aos navegantes: “Ninguém mais fica rico sendo dono de restaurante. Isso é meio balela. Ficava-se muito rico na época que não se pagava impostos.”
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Tempo escasso e algumas extravagâncias (só de vez em quando). Pés no chão e moderação são características que a cozinheira recomenda fortemente para quem atua, ou pensa em, no ramo de alimentos e bebidas. Para tanto, conta desde o início de carreira com a ajuda de um auditor de finanças, que verifica com rigor as despesas mensais, por exemplo.
A falta de distinção entre trabalho e rotina pessoal acaba comprometendo seu tempo livre. Chegou até a comemorar o assassinato do vilão Molina, da novela “Mania de você”, pois é fã do ator Rodrigo Lombardi. “Eu estava assistindo, mas ele morreu. Ainda bem.” Diz não ter visto a série “The Bear” (O Urso), badalada produção que retrata os dramas de um chef que herda um restaurante falido e tenta transformar em um grande negócio, premiada com três estatuetas no Emmy 2024. Atualmente, se diz fascinada pelo livro “Não é sopa”, de Nina Horta.
Alguma extravagância? Tinha vontade de experimentar um voo de primeira classe. “Aquela com chuveiro e tudo, sabe?” No ano passado, triste por ter que encerrar uma viagem fantástica ao Japão, resolveu se dar de presente um upgrade na passagem aérea. “Paguei uma fortunazinha pra ter esse momento, mas achei muito bom. Queria voltar Feliz.”
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Outro momento de felicidade está bem recente na memória. No início de setembro, ela e o atual marido, o cineasta Leandro Langoni, compraram um barco usado de 32 pés (cerca de dez metros de comprimento, por três de largura). “Estava super bem conservado e pagamos um preço bom”, comemora, dizendo que o capital veio de uma campanha de marketing que teve a atuação de ambos.
A aquisição atendeu a uma vontade antiga, e agora permite uma conexão direta com o mar, que faz parte da identidade de Janaina, nome de origem tupi-guarani que significa “rainha das águas”. O Dona Onça era para se chamar Bar da Janaina, com adornos brancos e azuis, lembrando Iemanjá.
A mudança veio quando se convenceu a usar o apelido de Dona Onça, dado por um maître amigo do então casal Rueda, o Mancha. Junto com a personalidade forte, ela também usava muitas roupas com estampa “de oncinha”. Hoje, uma tatuagem com as pintas do felino ocupa todo o seu braço esquerdo.
Com tanto patrimônio imobilizado, se amanhã, por acaso, precisar de uma alta quantia na mão, como obter liquidez imediata? “No momento, só se eu sair vendendo tudo”, dispara, rindo. “Mas não temo, pois meus negócios funcionam bem. Acho que daqui pra uns três anos eu vou ficar dura. Mas depois passa.”
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