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Um carioca ajuda empresas americanas a decifrar o trilionário mercado dos latinos nos EUA

Isaac Mizrahi é CEO da Alma, agência que tem como clientes empresas como McDonald’s e Procter & Gamble

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O que McDonald’s, Prime Video e Procter & Gamble têm em comum? As três marcas são alguns dos clientes da Alma, agência de publicidade sediada em Miami que é dedicada a fazer com que grandes corporações alcancem o segmento populacional que mais cresce nos Estados Unidos: os hispânicos nascidos no país. Eles já representam dois terços de todos os latinos que vivem nos EUA.

“Sempre digo para empresários brasileiros que desejam fazer negócios nos Estados Unidos que é fundamental entender o mercado latino. Talvez esta seja a melhor porta de entrada para o mercado do país, principalmente pelas similaridades com a cultura brasileira”, diz o carioca Isaac Mizrahi, CEO da Alma. 

Casado com uma brasileira e pai de dois filhos – que nasceram nos EUA, falam português perfeitamente e torcem pelo Fluminense, como o pai –, Mizrahi estudou Economia no Rio, entrou no mundo do Marketing na Souza Cruz e seguiu para a Coca-Cola. Em 1999, foi transferido pela Coca para Atlanta, nos Estados Unidos. Hoje, o economista carioca é um dos principais nomes da publicidade para o público latino no mercado americano. 

Isaac Mizrahi, economista carioca que é CEO da agência Alma/ Ilustração de João Brito

“Os Estados Unidos passam por uma transformação irreversível. Os latinos detém US$ 2 trilhões de poder de consumo anual”, diz.

De acordo com o censo populacional dos Estados Unidos, feito em 2020 e publicado em 2021, 62 milhões (18,6%) dos 333 milhões de habitantes do país são de origem latina.

Entre 2010 e 2020, enquanto a população anglo-caucasiana minguava, 51% do crescimento populacional naquela década veio dos hispânicos. No total, americanos de origem hispânica, africana e asiática, considerados os três maiores grupos minoritários do país, foram 100% responsáveis pelo crescimento populacional no período. 

“São os grupos minoritários que estão liderando o crescimento da população americana e aquecendo a economia. Caso contrário, o prognóstico seria bastante desfavorável. Nações onde a população está envelhecendo tornam-se economicamente não-atrativas. Hoje, este é o caso do Japão, da Itália e de alguns países do Oeste Europeu”, explica Mizrahi.

Diferenças regionais e geracionais

Em seu livro “Hispanic Market Power – America’s Business Growth Engine”, lançado em 2023 (apenas em inglês e disponível no Kindle), Mizrahi destrincha as peculiaridades desta população e suas diferenças regionais e geracionais. Faz ainda a curadoria de dez estudos de caso, com resultados, de empresas que passaram a interagir com o segmento dos US Hispanics, ou hispânicos biculturais, que nasceram e vivem nos Estados Unidos. 

Ao deixar a Coca-Cola em 2003, Mizrahi seguiu para a BellSouth. Sua experiência seguinte foi na Nextel, já ocupando uma posição em marketing focado no mercado latino do país. 

Quando a Nextel foi comprada pela gigante de telecomunicações Sprint, Mizrahi tornou-se diretor multicultural da marca, abrangendo também os americanos de origem africana e asiática. Em 2009, ele deixou a Sprint e aportou na Alma, cujo time criativo e executivo da agência é composto por latinos nascidos nos EUA, na América Latina e na Espanha.

De Miami, onde está instalado, Mizrahi conversou com o InvestNews.

IN: O que te levou a escrever “Hispanic Market”?

Isaac Mizrahi: Há sete anos tenho uma coluna na revista Forbes americana onde escrevo sobre multiculturalidade. São cerca de 80 artigos e a revista nos revela quais assuntos geraram maior interesse. Durante a pandemia, muitos me incentivaram a colocar todas estas ideias num livro. Nele, apresento o mercado hispânico e dou dicas de como passar da oportunidade para a ação. 

Entendo que pode ser um pouco intimidador encarar pela primeira vez uma população de 62 milhões de latinos. Por onde começar? Como se organizar? É preciso de estrutura, de propaganda, de marketing, de dimensões. Quis ajudar profissionais e corporações oferecendo uma visão pragmática.

Cito o caso do McDonald’s, em que usamos na campanha o cantor J Balvín, de 39 anos, um dos maiores cantores latinos dos EUA, um fenômeno de streaming. E o caso do Jardim Botânico do Deserto, uma organização sem fins lucrativos, que abriga uma diversidade de cactos. Os gestores conseguiram aumentar o fluxo de visitação atraindo latinos: transformaram o espaço num cenário natalino em dezembro, inspirados na história dos Três Rei Magos. 

IN: O segredo é entender as nuances da geração de latinos nascida nos Estados Unidos, certo?

Mizrahi: Sim. O mercado de US Hispanic não é igual ao mercado latino-americano. O descendente de mexicanos que vive nos Estados Unidos não tem os mesmos comportamentos de um mexicano que vive no México. Apesar de ele carregar as características culturais de seus pais e avós, ele está exposto aos valores, hábitos, mercado consumidor e aos cenários econômico, político e social americano, diferentemente do mexicano. 

IN: Quando as grandes marcas descobriram este mercado? 

Mizrahi: Cerca de 20 anos atrás, quando a população latina ultrapassou a população afro-americana, do ponto de vista de tamanho. Foi um momento icônico porque a influência da população negra dos EUA é forte e marcante, culturalmente e historicamente. Até as décadas de 40 e 50, os latinos eram uma população quase inexistente, salpicadas por algumas cidades. Hoje, ultrapassou – do ponto de vista de número absoluto – a população afro-americana, que estacionou em torno de 13 % da população americana. Estamos falando de 40 milhões contra 62 milhões.

IN: O que essas marcas precisam saber sobre os hispanos dos EUA? 

Mizrahi: No médio e longo prazo, os hispânicos nascidos nos EUA tendem a ter uma maior renda por casa e maior poder aquisitivo por conta do acesso que eles têm à educação – maior percentual de graduados no Ensino Médio e em faculdades em relação aos seus pais. Isso permite que eles tenham melhores empregos e salários. É um salto significativo do ponto de vista econômico se comparado ao que ocorria duas décadas atrás, quando executivos de grandes corporações tinham incertezas sobre o poder de compra desta população. Hoje ainda há dúvidas, mas os números sobre perfil dos latinos estão muito mais claros.

Culturalmente, a mudança também foi expressiva. Em sua maioria, o latino imigrante consumia mídia, gastronomia, música e entretenimento em espanhol, do país de origem, principalmente do México, de Cuba e de Porto Rico, os três maiores pólos de imigração para os EUA. Hoje eles ainda estão conectados à cultura natal, mas criou-se também uma cultura latina específica dos Estados Unidos, uma cultura híbrida, que absorve aspectos culturais de países imigratórios como a Ásia e América Latina e que se mescla ao ambiente anglo. Por exemplo, os food trucks, que viraram moda nos últimos 15 ou 20 anos, são criação de um coreano na Califórnia.

IN: Isso reflete também a mudança no estilo de imigração, certo?

Mizrahi: Sim. É importante notar que no século XX, a imigração pós-guerras, Primeira e Segunda Guerra, trouxe gente para os Estados Unidos que queria se assimilar e ser visto como americano. Essa tendência criou o chamado melting pot, ou uma homogeneidade cultural, onde todo mundo buscava a mesma identidade. 

Hoje, somos uma salada: vivemos todos juntos, mas cada um é um ingrediente.Tomate é tomate, alface é alface, cebola é cebola. Não se trata mais de uma sopa batida num liquidificador, que gera situações forçadas e acelera o processo de assimilação. O latino de hoje vive  confortavelmente num mundo bicultural. Ele pode gostar de futebol americano e de futebol sul-americano e europeu. Pode escutar Jay-Z e Taylor Swift, mas também consumir o J Balvín, a cantora espanhola Rosalía, Peso Pluma ou o rapper Bad Bunny. Pode curtir mídia em inglês e em espanhol. Trata-se de um ambiente muito mais fluido e muito mais criativo.

IN: A população latina é diversa entre si. Como criar uma só mensagem comum a todos ao criar uma mensagem publicitária?

Mizrahi: Além de os latinos terem origens distintas, eles moram em cidades espalhadas pelos Estados Unidos. Mas os conectamos pela proximidade cultural, a começar pelo básico: as relações familiares e o senso de comunidade, que ultrapassam fronteiras geográficas e são diferentes dos do anglo-saxão, normalmente mais individualista. Há ainda a espiritualidade, a paixão por alguns esportes como o futebol e a música. 

Nós, brasileiros, ouvimos rock americano ou MPB. Mas o argentino sempre ouviu Venezuela, Cuba, México e Espanha. O latino sempre viveu o ambiente cultural mais aberto, seja na literatura ou na comida. Há uma visão para além de suas fronteiras. Por isso, principalmente nas campanhas dentro dos EUA, criamos uma visão mais horizontalizada, usando os pontos em comum que unem os latinos.

IN: Como é ser um brasileiro em meio a um mercado hispânico nos Estados Unidos? 

Mizrahi: Talvez eu não seja a pessoa típica para ser um expert multicultural. Mas percebi, o quanto nós, brasileiros, desconhecemos os nossos vizinhos, do ponto de vista de cultura, idioma, música, comida, artes, hábitos, de história dos países. Temos uma visão tão gigantesca do Brasil que acabamos não olhando com o devido carinho para nossos vizinhos. No entanto, me descobri profissionalmente entre eles: estudei espanhol, me aprofundei nas diferentes nuances, viajei a negócios, mas também culturalmente. Entre eles, estou em casa. 

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