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Celulares sem redes sociais, para crianças, já existem; resta o Brasil copiar

Nos EUA, três empresas fabricam telefones específicos para esse público – todas foram criadas por pais

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Agora em agosto, a versão brasileira do livro “A Geração Ansiosa”, best-seller meteórico do autor e acadêmico americano Jonathan Haidt, chegará às prateleiras do país, pela Companhia das Letras.

O livro é rico em pesquisas que mostram o impacto negativo de smartphones, mídias sociais e horas infindáveis perante as telas em crianças e adolescentes na última década. Sedentarismo, depressão, isolamento, queda de performance escolar, aumento do número de suicídios e formas inéditas de bullying são algumas delas

Para mudar esse cenário, Haidt traz sugestões plausíveis, como proibir os aparelhos até as crianças completarem 14 anos, banir mídia social até os 16 anos e eliminar os telefones das escolas, ecoando as recomendações feitas em 2023 pelo cirurgião-geral do governo americano, Vivek Murthy.

Haidt também sugere a volta do flip phone, o pequeno telefone de bolso, feito apenas para falar e enviar mensagens de texto. Esta última sugestão, no entanto, será a mais difícil de implementar. E para crianças vivendo nos Estados Unidos nem é necessária. O país já dispõe de três modelos de telefones criados para o mercado infantil e de adolescentes.

O Gabb Phone, o Bark Phone e o Pinwheel oferecem todas as funções de um telefone Android, incluindo câmeras e aplicativos, exceto internet e mídia social. Visualmente, eles são iguais a qualquer telefone, com a vantagem de não ultrapassarem o valor de US$ 200 (R$ 1,13 mil). Em alguns casos, os aparelhos são grátis quando pais assinam contratos de dois anos.  

Ilustração João Brito

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Os aparelhos são conectados com as maiores operadoras de telefonia dos Estados Unidos, como Verizon, T-Mobile e AT&T, e conectados ao telefone dos pais (seja Android ou iPhone) via um aplicativo que oferece geolocalização, uma ferramenta fundamental dado que grande parte das criancas no país começam a ir sozinhas para a escola e arredores a partir dos onze anos, quando ingressam na sexta série. 

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Vale ressaltar que nos Estados Unidos o WhatsApp não é uma ferramenta comercial, tampouco usada para comunicação do dia-a-dia. Os americanos se comunicam entre si por SMS, se beneficiando de pacotes generosos das empresas de telefonia celular, usando WhatsApp apenas para se comunicarem com pessoas no exterior. Isso permite que crianças e adolescentes tenham telefones sem acesso à internet – quando precisam se comunicar e formar grupos entre amigos, trocam mensagens via SMS.

Gabb Phone

A demanda pelo Gabb Phone é tão expressiva que tanto no ínicio do ano letivo quanto no Natal de 2023, o estoque dos aparelhos esgotou. A fabricante Gabb oferece modelos quatro modelos, que vão de versões de pulso para crianças mais novas a opções para pré-adolescentes, como os Gabb 3 e 4, fabricados pela Samsung e que rodam o sistema operacional Android.

Nessas últimas duas versões, há aplicativos como mapas, Duolingo, Greenlight (cartão de débito para crianças), jogos como xadrez, e o Gabb Music, cujo conteúdo tem curadoria da Tuned Global, com profissionais que já atuaram em empresas como a Sony, CBS e Walt Disney. Ficam de fora músicas com agressividade, palavrões e afins. 

Montagem comparando modelos dos celulares Pinwheel e Bark Phone/ Foto: Divulgação

Para os pais, há o aplicativo “Gabb Messenger for Parents”, em que pipocam apenas as mensagens trocadas no telefone dos filhos com cunho violento ou sexual. Isso faz com que os pais não precisem monitorar o telefone da prole proativamente. Além disso, os telefones das crianças só recebem mensagem de pessoas listadas nos contatos e o Gabb monitora o número de torpedos trocados por mês, considerando insalubre o marco de seis mil mensagens.

“Não somos anti tecnologia, mas ensinamos as crianças a usarem o aparelho de forma saudável, sem vícios e sem abrir mão da vida ao ar livre e de atividades entre amigos”, diz Lance Black, sócio fundador da Gabb. Ele ressalta que toda a tecnologia do Gabb Phone é feita em casa, no Estado de Utah. A empresa, que hoje tem mais de 300 colaboradores, surgiu em 2018 a partir da necessidade de Stephen Dalby, um pai de oito crianças, em busca de um telefone sem internet para o filho mais velho.

Como professor de adolescentes, Dalby sabia que um smartphone não seria uma boa idéia e até se contentaria com um flip phone. Mas nem isso estava mais disponível. Dalby, então, lançou a ideia para conhecidos via crowdfunding (uma espécie de vaquinha), arrecadando mais de US$ 100 mil (R$ 564,3 mil) num piscar de olhos. Em seguida, recebeu um aporte de US$ 14 milhões (R$ 79 milhões) do jogador de futebol americano Taysom Hill e do fundo de investimentos Sandlot Partners, o mesmo que apostou na companhia aérea JetBlue. 

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Pinwheel

A marca Pinwheel nasceu no ano seguinte, em 2019, também a partir do desejo de um pai de quatro filhos por uma vida offline. Dane Witbeck, ainda CEO da empresa, teve a ideia depois de ver um amigo de seu filho de oito anos ganhar um iPhone. O primeiro modelo do telefone Pinwheel entrou no mercado em 2020 e há poucos meses passou a operar também no Canadá. 

O Pinwheel oferece diversos aplicativos e, assim como o Gabb, todos pré-aprovados pelos pais. Ele inclui uma versão do Spotify sem conteúdo nocivo e algumas opções mais próximas a um smartphone completo, como Google Play e uma versão light do ChatGPT, que não dá respostas inapropriadas para a faixa etária. Ainda assim, o Pinwheel não oferece browser, mídia social ou aplicativos de adultos. 

Bark Phone

No ano passado, surgiu ainda o Bark Phone, que acabou figurando na lista das 200 melhores invenções do ano da revista TIME. Titania Jordan, diretora-chefe da Bark Technologies, explicou à revista que o telefone permite aos pais gerenciar contatos e rastrear o dispositivo. Ao mesmo tempo, um algoritmo embutido no telefone (e irremovível) monitora postagens e textos em mídias sociais em busca de conteúdo impróprio. A empresa foi criada em 2015 e abriu capital na bolsa em 2021. 

Assim como no Gabb, a instalação de todos os aplicativos do Bark é pré-aprovada pelos pais. Adolescentes podem navegar em sites como YouTube, mas sabem que há controle parental. Antes de lançar o aparelho, a Bark Technologies já era conhecida por ter desenvolvido um aplicativo de mesmo nome para pais monitorarem conteúdos em tablets e smartphones tradicionais. O app está hoje disponível nos EUA, Austrália e África do Sul. 

O que fazer no Brasil?

Como não há opções de aparelhos específicos para crianças e adolescentes no Brasil e aplicativos de jogo e mídias sociais são criados para viciar seus usuários, especialistas recomendam adiar ao máximo a entrada do telefone na vida infantil – e quando isso acontecer, impor condições. “É preciso que os pais estabeleçam regras claras e monitorem todas elas de perto”, diz educadora parental paulistana Claudia Alaminos, que já atendeu algumas famílias de adolescentes que sofriam de vício digital.  

“Não podemos esperar que adolescentes nascidos na era digital tenham capacidade de se ‘autorresposabilizar’ quando o assunto é telas. Pais, mães e responsáveis devem explicar o porquê de cada regra”, acrescenta Claudia. “Uma das melhores soluções é dar aos filhos telefones sem aplicativos de mídias sociais e com horário limitado de uso. É crucial que os aparelhos fiquem fora do quarto na hora de dormir,” recomenda a especialista. 

O Movimento Desconecta, que surgiu este ano em São Paulo e é formado por mães que defendem menos tempo de telas, também oferece suporte para famílias que pretendem delimitar horas e conteúdo on-line. O grupo acredita que quanto mais pais e escolas engajados, mais fácil é para as crianças sentirem que não são as únicas longe das horas excessivas na internet.

“Nenhum pai quer destruir a vida dos filhos. Mas muitos se arrependem de ter colocado um smartphone na mão deles tão cedo. Eles notaram a transformação de uma criança ativa, que participava da vida da casa, para uma criança apática”, nota Lance Black. “O smartphone é o novo cigarro. Precisamos encontrar o equilíbrio entre nos manter conectados com nossos filhos e, ao mesmo tempo, proporcionar a eles saúde física e mental.”

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