O Parlamento português aprovou, nesta quarta-feira (16), um pacote legislativo de medidas restritivas de imigração que vem sendo apontado como o maior endurecimento das políticas migratórias do país em décadas.
A proposta recebeu apoio dos parlamentares da coligação governista Aliança Democrática (AD) —integrada pelo Partido Social Democrata (PSD) e pelo Centro Democrático Social (CDS) — e do partido de extrema direita Chega.
País antes reconhecido pelos laços históricos e regras flexíveis para cidadãos brasileiros e membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Portugal adota, agora, uma postura com exigências rigorosas para entrada, residência, trabalho e reunificação familiar de estrangeiros, em especial dos brasileiros, maior comunidade imigrante do país.
Após ser aprovado pelos parlamentares, o pacote deve passar pela análise e sanção do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que dispõe de até 20 dias para ratificar o texto ou remetê-lo ao Tribunal Constitucional.
Qual é a justificativa?
O endurecimento das regras surge como resposta ao expressivo crescimento da população estrangeira em Portugal, que já ultrapassa 1,6 milhão de residentes — cerca de 15% da população total —, número que triplicou desde 2019, segundo a Agência para a Integração, Migração e Asilo de Portugal.
O Brasil detém a maior comunidade estrangeira do país, com pouco mais de 500 mil residentes. Mas o número de brasileiros que ainda buscam regularizar os documentos para viver legalmente em Portugal é expressivo. Segundo dados do governo português, até junho de 2025, foram analisados 73 mil pedidos de residência feitos por brasileiros — destes, cerca de 68 mil foram aprovados, enquanto 5.368 tiveram seus pedidos rejeitados e receberam notificação para deixar o país.
O governo justifica as mudanças como necessárias para garantir maior integração e controle migratório, especialmente após a flexibilização dos vistos para cidadãos da CPLP, da qual o Brasil faz parte.
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Principais mudanças
1. Extinção da Manifestação de Interesse e das Regularizações como Turista:
- Brasileiros e outros membros da CPLP deixam de poder solicitar autorização de residência após entrada como turista. Passa a ser obrigatório possuir visto prévio ainda no país de origem — inclusive para quem antes ingressava legalmente sem visto e regularizava a situação em solo português.
- É o fim do mecanismo da “manifestação de interesse”, que historicamente era o caminho mais utilizado por milhares de imigrantes para obtenção de status legal.
- O governo descumpre o que previa o acordo de mobilidade CPLP, rompendo a promessa de criar um canal facilitado de regularização para brasileiros.
2. Reagrupamento Familiar Rígido:
- Solicitações de reagrupamento familiar só poderão ser feitas após dois anos de residência regular em Portugal, prazo máximo permitido pelos padrões europeus.
- Restrição à regularização de cônjuges/companheiros(as): exigência de prova de convivência anterior à imigração, no país de origem, dificultando ainda mais o processo para casais.
- Regras mais severas impactam famílias que aguardam a vinda de parentes, forçando separações prolongadas e tornando o processo mais burocrático, em um sistema que já sofre com atrasos na tramitação.
3. Visto de Trabalho para Profissionais “Qualificados”:
- O visto de procura de trabalho (por até seis meses) fica restrito a profissões consideradas qualificadas pelo governo. Profissionais sem ensino superior ou fora das áreas consideradas prioritárias ficam excluídos dessa modalidade.
- O Brasil, nacionalidade que mais solicita esse visto, será fortemente afetado pelo novo filtro, o que deve limitar severamente a entrada de novos trabalhadores em setores onde há carência de mão de obra.
4. Reformas no Controle e Abordagem Policial:
- Foi aprovada a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF), núcleo policial responsável por fiscalização, deportação e controle interno, reforçando o aspecto de segurança e coercibilidade nas políticas de migração.
Impactos para brasileiros
O direito de permanência e regularização tornou-se significativamente mais restrito, com o fim dos procedimentos simplificados que antes eram garantidos por acordos de mobilidade. Essa alteração rompe expectativas e gera insegurança para milhares de brasileiros que já residem em Portugal ou que estão em processo migratório.
A reunificação familiar também foi diretamente afetada. Agora, para trazer familiares, o imigrante precisa comprovar pelo menos dois anos de residência legal no país e demonstrar um vínculo pré-existente, o que expõe muitas famílias ao risco de separação prolongada, ainda mais agravado pelos tradicionais atrasos nos processos de análise.
Outro impacto importante se dá nas expulsões e rejeições em massa. O governo intensificou as notificações a imigrantes que tiveram suas autorizações negadas, estipulando um prazo de 20 dias para a saída voluntária do país. Caso esse prazo não seja cumprido, muitos brasileiros correm o risco de serem deportados pelas autoridades de segurança.
No que diz respeito à naturalização e cidadania, o parlamento discute a elevação do tempo mínimo de residência legal exigido para solicitação da cidadania portuguesa. Para cidadãos da CPLP, o tempo poderá aumentar de cinco para sete anos, e para outras nacionalidades, chegar a dez anos. Além disso, passa-se a exigir teste de idioma, prova de integração cívica e um histórico criminal sem condenações graves.
Essas mudanças alimentam um clima de insegurança entre os migrantes, resultado tanto do endurecimento das leis quanto do aumento expressivo das fiscalizações. O cenário também contribui para acirrar o discurso anti-imigrante em parcelas da sociedade portuguesa, aprofundando o sentimento de vulnerabilidade das comunidades afetadas.
Em entrevista ao InvestNews, o advogado e professor de pós-graduação em direito migratório, Wilson Bicalho, recomenda urgência a quem pretende solicitar a cidadania portuguesa por ascendência. “É necessário reunir a documentação o quanto antes, com especial atenção à linha sucessória, às certidões apostiladas e à coerência dos dados”, orienta o especialista.
Veja, a seguir, respostas do especialista às principais dúvidas sobre o tema:
1. Se a lei mudar durante o meu processo de pedido de cidadania, qual será o critério aplicado: a lei vigente no momento do pedido ou a nova legislação?
A regra proposta estabelece que será considerada a legislação vigente no momento em que o pedido for formalmente apresentado. Portanto, se o requerimento de nacionalidade tiver sido entregue antes da data-limite de 19 de junho de 2025, ele será analisado com base na lei antiga. Isso preserva, ao menos nesse ponto, o princípio da segurança jurídica, garantindo que mudanças legislativas não prejudiquem quem já estava em processo. O ponto de atenção, no entanto, está na exigência de que o pedido tenha sido efetivamente submetido — a mera preparação de documentos ou agendamento não basta.
2. O que acontece com os títulos de residência expirados e prorrogados por decreto? Eles continuam válidos para viagens ou apenas para permanência em Portugal?
Títulos prorrogados por decreto administrativo continuam válidos para efeitos internos, ou seja, garantem a permanência legal em Portugal, o direito ao trabalho, ao acesso à saúde e à renovação de contratos. Contudo, para efeitos externos — como viagens internacionais ou reentrada no espaço Schengen — a validade pode não ser reconhecida. Muitas autoridades fronteiriças e companhias aéreas exigem documentação atualizada com validade expressa. Por isso, quem depende desses títulos para circular internacionalmente pode enfrentar restrições mesmo estando legalizado dentro do país.
3. Com a nova proposta, os filhos de netos de portugueses ainda terão direito automático à cidadania portuguesa?
A nova proposta elimina a nacionalidade originária para netos de portugueses, o que muda completamente o regime de transmissão intergeracional. Antes, o neto que adquiria a nacionalidade era considerado português de origem, o que permitia aos seus filhos — os bisnetos — obterem a cidadania diretamente. Com a nova lei, os netos passam a ser naturalizados e, portanto, seus filhos não terão direito automático. Isso significa que cada geração terá que iniciar um novo processo, sujeito a requisitos mais rigorosos. Para famílias brasileiras que vinham planejando a obtenção da cidadania como um projeto familiar de longo prazo, essa mudança quebra a linha de continuidade e impõe a necessidade de reavaliação estratégica.
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4. Quais os prazos efetivos para solicitar a nacionalidade por residência? Como será contabilizado o tempo de residência legal?
A proposta diferencia os prazos conforme o perfil do requerente: apátridas precisarão de quatro anos de residência legal; cidadãos de países de língua portuguesa, sete anos; e todos os demais estrangeiros, dez anos. O critério essencial passa a ser o tempo efetivo de residência legal documentada. O tempo de espera por decisão sobre o pedido de residência, ou o tempo passado em Portugal sem título válido [mesmo que com manifestação de interesse], não será mais contado. Essa alteração penaliza quem aguardou de boa-fé durante meses ou anos a regularização por parte do Estado e exige mais planejamento dos imigrantes.
5. O que fazer se meu título de residência expirou e ainda não foi renovado? Existem alternativas jurídicas para garantir meus direitos?
Sim. Embora o título esteja formalmente vencido, a prorrogação automática por decreto mantém o estrangeiro em situação legal. Caso haja urgência ou risco de prejuízos — como perda de emprego ou dificuldades para sair do país — é possível recorrer judicialmente. Medidas cautelares, ações de intimação à Administração Pública ou mesmo reclamações ao Provedor de Justiça são instrumentos viáveis para garantir a proteção de direitos enquanto o processo de renovação não é concluído.
6. A nova proposta exige conhecimento da língua e da cultura portuguesas: como isso será comprovado?
A proposta exige, para a naturalização, comprovação de domínio da língua portuguesa, conhecimento básico da cultura, dos direitos e deveres constitucionais, além de uma declaração de adesão aos valores do Estado de Direito Democrático. Embora a obrigatoriedade esteja definida na proposta, os mecanismos de comprovação ainda dependem de regulamentação específica. Provavelmente, serão utilizados exames semelhantes aos atualmente exigidos para quem faz o processo de nacionalidade por tempo de residência.
7. Como a prorrogação dos títulos de residência afeta a emissão de documentos bancários, contratos de trabalho e acesso a serviços de saúde fora de Portugal?
Em Portugal, a prorrogação por decreto é válida para todos os fins legais. Porém, em contextos internacionais — como abertura de conta em bancos no exterior, viagens ou acesso a serviços consulares em outros países — o documento prorrogado pode não ser aceito. Internamente, também há casos em que instituições privadas, como seguradoras e operadoras de telecomunicação, questionam a validade desses títulos. Isso cria insegurança para o residente, mesmo que ele esteja protegido pela legislação portuguesa.
8. Se eu já iniciei o processo de nacionalidade, mas ainda não concluí, corro risco de perder direitos caso a lei mude antes da conclusão?
Não. A legislação proposta respeita a data de entrada do pedido. Assim, mesmo que o processo ainda esteja pendente de análise ou decisão final, se foi protocolado antes da entrada em vigor da nova lei, será julgado com base nas regras antigas. Essa previsão é essencial para manter a confiança no sistema jurídico e proteger o cidadão contra mudanças repentinas de critério.
9. Quais estratégias jurídicas podem ser adotadas para acelerar o processo de nacionalidade ou renovação de residência diante das mudanças e da morosidade administrativa?
A principal estratégia é provocar formalmente a Administração para que tome uma decisão dentro de prazo razoável. Caso isso não ocorra, é possível acionar o Judiciário, por meio de ações de intimação à Administração ou mandados de segurança administrativos. Também é recomendável registrar reclamações junto à Provedoria de Justiça e documentar todas as tentativas de contato e diligência. Além disso, em alguns casos é possível solicitar tratamento prioritário por motivo de idade, saúde, estudo ou interesse público relevante.
10. Como a nova lei afeta a nacionalidade de filhos de estrangeiros nascidos em Portugal? Eles ainda terão direito automático à cidadania portuguesa?
O regime anterior concedia automaticamente a nacionalidade portuguesa aos filhos de estrangeiros nascidos em território nacional, desde que um dos pais residisse em Portugal há pelo menos dois anos. A nova proposta elimina essa atribuição automática. Agora, exige-se que pelo menos um dos progenitores tenha residência legal há mais de três anos à data do nascimento, além da necessidade de uma declaração expressa dos pais. Ou seja, o acesso à cidadania deixa de ser direto e passa a depender de mais requisitos formais.
11. Quais são os riscos de perder a nacionalidade portuguesa em casos de crimes graves, segundo as nova proposta?
A proposta introduz a possibilidade de retirada da nacionalidade de pessoas naturalizadas que, nos primeiros dez anos após a aquisição, venham a ser condenadas por crimes graves. Isso inclui homicídio, terrorismo, tráfico internacional de drogas e crimes contra o Estado. A retirada dependerá de decisão judicial e levará em conta a gravidade do crime, o grau de inserção do indivíduo na sociedade portuguesa e outros fatores contextuais. Trata-se de uma medida polêmica, que exige equilíbrio entre a proteção da comunidade e o respeito aos direitos individuais.
12. Como a mudança da contagem do tempo de residência (a partir do título de residência e não do pedido) impacta quem já está aguardando o processo?
Essa é uma das mudanças mais sensíveis. Muitas pessoas vivem legalmente em Portugal há anos, mas ainda não possuem um título formalizado por atrasos administrativos. Com a nova regra, todo esse tempo “invisível” deixa de contar. Isso significa que, mesmo após anos de trabalho, estudo e integração no país, o imigrante poderá ter que recomeçar a contagem de zero a partir do momento em que o título for finalmente emitido. Isso representa uma quebra importante no princípio da boa-fé e na expectativa legítima de milhares de pessoas.
13. Existem recursos judiciais para quem enfrenta atrasos excessivos ou negativas indevidas nos processos de nacionalidade ou renovação de residência?
Sim. O ordenamento jurídico português prevê meios para contestar atrasos injustificados ou decisões administrativas ilegais. A pessoa pode, por exemplo, interpor uma ação administrativa de intimação para que a entidade pública decida o processo dentro de prazo razoável. Em caso de indeferimento, também há possibilidade de recorrer ao tribunal. Além disso, em situações urgentes, é possível solicitar medidas provisórias para resguardar direitos fundamentais, como permanência no país, acesso a saúde ou regularização profissional.
14. Qual é a recomendação para famílias que estão organizando a documentação para pedido de cidadania portuguesa por ascendência?
A orientação é clara: agir com urgência. Quem tem ascendência portuguesa deve reunir toda a documentação o quanto antes, com especial atenção à linha sucessória, às certidões apostiladas e à coerência dos dados. Sempre que possível, recomenda-se incluir os filhos menores no mesmo processo. Com as alterações, o direito dos descendentes diretos — especialmente os bisnetos — poderá ser significativamente restringido. Quanto mais demorar, mais difícil será garantir o acesso à cidadania no futuro.