Você cuida de cada detalhe da viagem, faz o check-in antecipadamente e chega ao portão de embarque pronto para entrar no avião. De repente, é informado de que seu assento não está mais disponível. Não é erro de sistema: trata-se do overbooking, uma prática em que companhias aéreas vendem mais passagens do que a capacidade do avião para evitar lugares vazios.
Nesta situação, quando todos os passageiros comparecem, alguém inevitavelmente fica sem embarcar e precisa lidar com consequências disso — que vão muito além do atraso. O passageiro afetado pode perder compromissos importantes, arcar com despesas inesperadas de alimentação, transporte e hospedagem, e frequentemente não recebe reembolso imediato.
Em 2024, o setor aéreo brasileiro transportou 118,3 milhões de passageiros, o segundo melhor desempenho da história no país, de acordo com dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). No entanto, o volume de passageiros afetados por cancelamentos de voos triplicou em dois anos: foram 1,3 milhão em 2022, 3,1 milhões em 2023 e 4,3 milhões em 2024, um aumento de 231% no período. Isso significa que, em 2024, 1 em cada 21 passageiros enfrentou cancelamentos, enquanto em 2023 a proporção era de 1 para 32.
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Quando considerados atrasos superiores a duas horas e cancelamentos juntos, cerca de 19,7 milhões de passageiros foram afetados em 2024 — ou seja, 1 em cada 5 viajantes passou por algum tipo de transtorno. Os atrasos mais graves, superiores a duas horas, atingiram 877,2 mil passageiros.
Embora não existam estatísticas específicas apenas para casos de overbooking, especialistas e entidades do setor apontam que a prática está frequentemente associada aos altos índices de cancelamentos e à chamada “preterição de embarque” — quando o passageiro é impedido de embarcar mesmo com reserva confirmada. Passageiros que compram passagens promocionais, viajam em horários de pico ou deixam o check-in para a última hora são, geralmente, os mais atingidos pelo problema.
Apesar de considerado ilegal no Brasil, o overbooking segue recorrente, sobretudo em datas com feriados e em períodos de férias, como as de julho — quando há aumento considerável de demanda das operações nos aeroportos.
Quais são as obrigações das companhias aéreas?
No Brasil, o tratamento dado à prática do overbooking é regulamentado pela Resolução nº 400, da Anac. Cabe à companhia aérea garantir os direitos dos passageiros afetados com alternativas. Veja:
- Primeiro passo: A empresa aérea deve procurar voluntários entre os passageiros dispostos a ceder seu lugar no voo. Esses voluntários recebem benefícios negociados, como milhas, vouchers ou outros incentivos.
- Se não houver voluntários: O passageiro que for impedido de embarcar tem direito a uma compensação financeira imediata. O valor é de 250 Direitos Especiais de Saque (DES) — cerca de R$ 1.900 — para voos dentro do Brasil, e 500 DES — aproximadamente R$ 3.800 — para voos internacionais. O pagamento pode ser feito em dinheiro, transferência bancária ou voucher, conforme a preferência do passageiro.
- Além da compensação: A companhia aérea deve ainda oferecer opções ao passageiro, como: reacomodação em outro voo para o mesmo destino; reembolso integral do valor pago pela passagem; assistência material proporcional ao tempo de espera, incluindo alimentação, hospedagem e transporte, se necessário.
Levantamentos recentes apontam que a proporção de passageiros que tiveram direito à compensação financeira por interrupções de voo — incluindo atrasos, cancelamentos e preterição de embarque (overbooking) — permaneceu em torno de 2,19% em 2023 e seguiu estável em 2024 para Brasil, Europa e Turquia. Esse percentual foi calculado pela AirHelp, a partir da base de dados da OAG Aviation, empresa global sediada no Reino Unido que fornece análises sobre o setor aéreo global.
Importante frisar que o passageiro também pode buscar indenização na Justiça por danos morais e materiais, com os valores das compensações podendo variar conforme o caso. O Congresso Nacional já se mexe e analisa propostas para coibir o overbooking no transporte aéreo. O PL 2.493/2023, em tramitação na Câmara, quer proíbe a venda de passagens acima da capacidade dos aviões, prevê multas para companhias que descumprirem a regra e facilita o reembolso aos passageiros.
No Senado, projeto de Eliziane Gama (PL 1149/2025) busca impedir o downgrade, rebaixamento involuntário de classe de assento sem consentimento e compensação adequada, medida que também protege consumidores em casos de overbooking.
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Não é só em avião
O overbooking não se limita ao transporte aéreo. Ele também pode ser registrado em cruzeiros e outros meios de transporte. Em março deste ano, um caso chamou a atenção em um cruzeiro, que sairia do Porto de Santos (SP). Mais de 250 passageiros, mesmo com reservas pagas entre R$ 5 mil e R$ 12 mil por cabine, foram impedidos de embarcar no navio após longas horas de espera sem acesso adequado a alimentação, água ou informações.
O tumulto exigiu a presença de autoridades e resultou em prejuízos financeiros e emocionais aos viajantes. A empresa responsável pelo passeio ofereceu reembolso, indenização ou realocação, mas algumas alternativas condicionavam o ressarcimento à renúncia de ações judiciais, o que gerou insatisfação entre os passageiros afetados pelo overbooking. O caso foi registrado como estelionato e segue sob investigação policial.
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Como é no exterior?
Nos Estados Unidos e na União Europeia, o overbooking é permitido, mas é fortemente regulamentado. Nos EUA, a compensação pode chegar a 200% do valor do bilhete, limitada a US$ 675 para voos domésticos e US$ 1.350 para internacionais, conforme o tempo de atraso.
Já na União Europeia, o regulamento CE 261/2004 prevê compensações entre 250 e 600 euros, dependendo da distância do voo e do atraso. Antes de negar embarque compulsoriamente, as companhias são obrigadas a buscar voluntários dispostos a ceder o lugar em troca de benefícios, como milhas, vouchers ou upgrades. Quando não há voluntários suficientes, a realocação e a compensação financeira são obrigatórias.
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O que fazer?
Se você for vítima de overbooking, siga as recomendações abaixo para proteger seus direitos:
- Negocie: Em alguns casos, aceitar voluntariamente ceder o lugar pode render benefícios extras, como vouchers ou upgrades, principalmente em voos internacionais;
- Exija informações imediatas: Solicite que a companhia aérea explique o motivo da recusa de embarque e detalhe suas opções;
- Peça o termo de recusa de embarque: Esse documento formaliza o impedimento e pode ser fundamental em eventuais processos;
- Escolha a compensação mais vantajosa: Você pode optar entre reacomodação em outro voo, reembolso integral ou remarcação para data e horário de sua conveniência, sem custo adicional;
- Solicite a compensação financeira imediata: No Brasil, peça o pagamento dos DES (Direitos Especiais de Saque) conforme a rota do voo;
- Exija assistência material: Alimentação, comunicação, hospedagem e transporte devem ser fornecidos conforme o tempo de espera;
- Guarde todos os comprovantes: Registre gastos extras, recibos, mensagens e protocolos de atendimento;
- Documente tudo: Tire fotos, registre conversas e, se possível, peça testemunhos de outros passageiros;
- Procure órgãos de defesa do consumidor: Caso não receba assistência adequada, acione o Procon, Anac ou entre com ação judicial.