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As dores – e as delícias – de viajar em um motorhome pelos EUA

Sair de um lugar quando este já não atende ou, então, estender a estadia em algum que surpreende é uma das benesses

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Na primeira freada mais brusca, a geladeira abriu e foi-se o macarrão com molho ao sugo para o chão. Uma pequena gaveta cuspiu algumas roupas com o impacto. A geladeira talvez estivesse mal fechada. Não era o caso da gaveta – esse movimento dela seria rotineiro nos outros 19 dias que se seguiriam dentro do nosso motorhome, numa jornada que cruzou o Arizona, parte de Nevada e a costa da Califórnia. 

Infortúnios não faltaram: banheiro minúsculo, o gás (propano) não esquentar toda a água do banho, ou ainda, ver essa mesma água do banho transbordando pelo ralo porque o esgoto não foi escoado (qualquer semelhança com Nomadland não é mera coincidência). Mas e daí? O benefício mais do que compensa: viajar com uma casa sobre rodas permite cruzar milhares de quilômetros (digo, milhas) sem ter de pegar voos e desfazer malas entre check-ins e check-outs de hotel.

Sair de um lugar quando este já não te atende, ou então, estender a estadia em algum que te surpreendeu é uma das benesses –  especialmente quando o roteiro inclui o Grand Canyon e suas rochas majestosas banhadas pelo rio Colorado, no meio do Arizona. 

Parque Nacional do Grand Canyon

O estado tem uma das estradas mais lindas dos EUA, com cores vibrantes em seu deserto cheio de montanhas, cujos cumes ainda degelam no começo da primavera, quando passamos por lá. Aliás, temperaturas negativas e neve ainda são comuns nessa época do ano na região. Apesar de embelezar o cenário, o clima congela o reservatório de água do motorhome. E se isso acontece, a responsabilidade da troca do item é de quem aluga. E a cotação é em dólar. 

Mas para evitar isso tem jeito. É possível comprar um anticongelante em qualquer Walmart dos EUA. Mas você vai precisar de alguns galões para fazer o trabalho. Cada um custa cerca de US$ 10 e são necessários no mínimo três. Outra opção (grátis) é simplesmente esvaziar todo o reservatório.

Camping no Parque Nacional do Grand Canyon

Dá para fazer isso usando a estrutura de campings específicos para motorhomes, onde eu, meu marido e nossa filha de quatro anos pernoitamos na maioria das noites. Para acessar é preciso fazer reserva via site ou telefone com um dia de antecedência. Mas se der sorte (e não for temporada de férias nos EUA), não é impossível conseguir um lugar de bate-pronto.

As diárias dos campings variam, em média, de US$ 55 a US$ 120, já que existem aqueles que oferecem muito além de água, energia e rede de esgoto. (Para quem não sabe, é preciso  abastecer o reservatório de água para uso na cozinha e no banheiro, além de dispensar a água suja e os detritos). No modelo alugado (um C-30 da Cruise America) o descarte acontece por uma mangueira que fica na parte de trás do veículo. Um trabalho que nem é tão sujo ou complicado.

Quanto melhor a estrutura, mais caro – naturalmente. Há espaços que são verdadeiros mini resorts: têm piscina, academia, lavanderia, wi-fi, churrasqueira e até mesa externa que, com sorte, pode ser agraciada com uma boa vista. Tomei café olhando para as montanhas dentro do Parque Nacional do Grand Canyon, para a neve no caminho até o Parque de Yosemite e, já na costa, para o mar de Malibu. 

Camping para RVs em Malibu

Para dar uma equilibrada nos gastos, pernoitar em um estacionamento de Wallmart é a coisa mais normal – e uma das únicas não cobradas nos EUA. Há vários motorhomes estacionados, mas detalhe: não são todas as unidades que permitem. Para saber quais oferecem a benesse, basta acessar aplicativos específicos que mostram via mapa em tempo real campings gratuitos e os pagos (como os acima citados), além de postos de combustível 24 horas. O “RV Parky” é um deles.

Confesso que é muito fácil fazer compras no supermercado e a sua “casa” já estar no estacionamento. Aliás, essa é de fato a parte econômica da viagem: a alimentação, já que dispensa a necessidade de restaurantes. 

Pensa: um café da manhã, almoço e jantar bem modestos podem custar, juntos, uma média diária de US$ 55 por pessoa, a depender, claro, da cidade. Com um dólar turismo muitas vezes acima dos R$ 5,20, como estava quando fiz a viagem, em meados de abril, isso significa que cada pessoa gastaria diariamente mais de R$ 250. Para uma família, a conta pode pesar, e muito, especialmente quando se tem 20 dias na estrada. 

A economia, inclusive, ajuda a aproveitar os melhores restaurantes quando você está em alguma cidade de ótima gastronomia, como São Francisco. A logística, diga-se, foi um item à parte neste caso, já que encontrar uma vaga para estacionar um carro de 9 metros naquela cidade não é tarefa fácil. Muito menos subir as famosas ladeiras.

Então o jeito é pegar um Uber e deixar o grandalhão estacionado com a vista de milhões de dólares: a Golden Gate. Tive o privilégio de dormir e acordar com a vista da linda ponte vermelha  enevoada a poucos metros de distância. Isso porque há um estacionamento gratuito e seguro para RVs (sigla em inglês para “veículos recreativos” – termo mais usual do que “motorhome” por lá) bem ao lado do cartão postal de São Francisco. Olhando para a esquerda, dá para ver a ilha de Alcatraz.   

Golden Gate, São Francisco

Um ponto importante: a gasolina

Com um roteiro que inclui o Parque Nacional do Grand Canyon (US$ 35 por carro), Horseshoe Bend, Antelope Canyon (US$ 100 por pessoa), Las Vegas, Parque Nacional de Yosemite (US$ 35 por carro), São Francisco, Vale do Silício, Monterey, Carmel-by-the-Sea, Santa Bárbara, Malibu, Santa Mônica, Venice Beach, Los Angeles e Disney California (US$ 130 por pessoa), o bolso precisa estar preparado para um bem precioso: a gasolina. 

As 2.700 milhas (4.345 quilômetros) rodadas exigiram 1.090 litros do combustível, considerando a média de quatro quilômetros por litro que esse modelo de RV consome. Escolhendo os postos com os melhores preços, pagamos entre US$ 3,60 e US$ 5,70 o galão (que tem 3,78 litros). Traduzindo: deu entre R$ 4,95 e R$ 7,84 o litro, levando em conta o câmbio médio da nossa viagem (R$ 5,20). No total, foram mais de R$ 6 mil em combustível. Mais do que o esperado.

Outro item caro é o próprio aluguel do motorhome. O modelo contratado (de 30 pés/9 metros) é de pouco mais de US$ 100 a diária. Isso não inclui as milhas rodadas (US$ 0,41 por milha, que totalizou penosos US$ 1,1 mil), muito menos os itens de cozinha, roupa de cama e de banho. Estes últimos a empresa de motorhomes oferece para alugar por US$ 150. Esquece. Compramos tudo no Walmart por US$ 60. 

O seguro também precisa ser contratado à parte – e a chance de você ter de acionar é real. Uma leve batida em uma árvore por conta do alarme da ré não ter funcionado custou US$ 500 no acerto de contas. A empresa disse que a fibra de carbono amassada era a justificativa, mas detalhe: a área  já estava “remendada” antes do acontecido. Logo, o dano poderia até ter sido menor do que de fato foi. A dica é: tire fotos na vistoria de retirada. Ou contrate o seguro. Ele custa cerca de US$ 25 por dia até o limite de… adivinhem? US$ 500.

O que nos surpreendeu foi o fato de não termos gasto nada em pedágios, apesar de tantas milhas percorridas. É até estranho o fato de não haver praças de pagamento – pelos menos no percurso que fizemos – o que pode fazer o motorista achar que a “pista é free”. A realidade é que precisa ser checado na internet se existe alguma cobrança da taxa nas respectivas rodovias. E esse é um trabalho bem chato, além do fato de o prazo para pagamento ser de 48 horas.

Para quem acredita que esse é um tipo de viagem mais econômica, a resposta é: depende. O custo benefício até pode ser melhor que o de bons hotéis, mas há outras cifras a contabilizar, como vimos aqui. Mas uma coisa é fato: a experiência que você leva para o resto da vida é imensurável. 

Camping em Page Lake Powell, Arizona – Foto: Janaína Ribeiro

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