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O ‘ESG à brasileira’ precisa dar salto em relação à população negra
Passou da hora de intensificar o debate, construir parcerias entre grandes e pequenas empresas, com foco em negócios negros, além de ampliar a presença negra corporativa em cargos de liderança.
É inegável que o contexto de pós-escravidão brasileira exige que as ações de ESG (do inglês), Environmental (Ambiental – E), Social (Social – S) e Governance (Governança – G) sejam adaptadas a nossa realidade. Em nossa visão, poucas empresas têm debatido de forma qualificada e atacado frontalmente o “S” de Social, que no Brasil tem uma raiz de desigualdade racial incontestável.
Acompanhamos iniciativas que resultam em ações de sustentabilidade socioambiental, governança e sociais e vemos acontecer o ESG à brasileira, com pontos que precisam e podem ser melhorados. Mesmo reconhecendo que mudanças estruturais são lentas, ressaltamos que a maioria dos investimentos em ESG carecem de mais foco no S, em especial no que diz respeito à presença negra.
Em relação à incorporação da força de trabalho mais diversa, quando se trata de inclusão, as contratações seguem com maior foco na diversidade feminina. Conforme levantamento da Teva Índices, 14,1% dos assentos dos conselhos de administração das companhias de capital aberto são ocupados por mulheres. Ao mesmo tempo, um estudo do Instituto Ethos, o Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas, quando falamos de cargos executivos, apenas 4,7% das posições dentre as empresas brasileiras de maior faturamento são compostas por negros e negras.
O legado de impedimentos do acesso da população negra ao poder econômico e bom padrão educacional é um fator concreto, explicável pelo racismo estrutural e identificado em dados oficiais, um cenário que impede avanços mais rápidos e consistentes. Só aumentar a força de trabalho, em relação à diversidade racial que estrutura nossa sociedade, não contribui tão assertivamente quanto integrar o empreendedorismo negro – ampliando acesso aos meios de produção – para acelerar a movimentação das estruturas.
Criar e desenvolver programas com recorte racial, em relação aos investimentos, que sejam política ativa de grandes empresas, de governos em todas esferas, que prevejam aportes em startups, contratação de empresas prestadoras de serviços, fortalecimento da relação com fornecedores de matérias-primas é fundamental e urgente. Esse é um fator de qualificação, um diferencial, em relação às atuais práticas em ESG no Brasil. Esse investimento público e privado em negócios pretos, com alocação organizada e sistemática de venture capitals, ao mesmo tempo em que se amplia a própria presença negra em cargos de liderança, precisa existir.
As alianças para a mudança devem acontecer e beneficiar pequenos negócios negros, como a Apuan Design, uma agência jovem de publicidade do Rio de Janeiro, formada por 3 jovens negros descontentes com os obstáculos ao protagonismo negro em grandes campanhas de datas “populares”, fatores enfrentados em outras agências. Pequenas empresas como essas poderiam ter prioridade em contratações de prestação de serviço, por exemplo, e integrar a cadeia de suprimentos de outras. Acessar linhas de investimento para startups negras a fundo perdido ou juros zero, integrar programas de inovação aberta com grandes empresas focadas em negócios pretos.
Existem instituições, organizações, movimentos e personalidades construindo pensamento e se movimentando concretamente em relação a esse gap e que podem auxiliar outras empresas que se propõem a avançar nas iniciativas de ESG. O Movimento Black Money atua nesse sentido, em articulação com outras iniciativas, propondo reflexão, trabalhando em comunidade, investindo no compartilhamento de oportunidades, capacitação, informações estratégicas e rodadas de negócios.
Recentemente, a Expo Favela reuniu em São Paulo milhares de pessoas, empresas e organizações num formato de feira de negócios que foi além das exposições e networking, com palestras, workshops, debates, pitches de startups periféricas, intervenções culturais, filmes e outras demonstrações da diversidade das favelas. Criado em 2011, outro exemplo é o Fundo Baobá para Equidade Racial, uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo mobilizar recursos, apoiando projetos que promovam a equidade racial no Brasil e no exterior.
Grandes corporações já identificaram que precisam acelerar rumo à igualdade, como a Avon, que coloca em prática o Compromisso Antirracista da empresa, que estabelece um conjunto de objetivos até 2030, incluindo 30% de mulheres negras em posições de liderança, contratação de 50% de pessoas negras, letramento e sensibilização das equipes, apoio ao empreendedorismo negro feminino e maior representatividade negra nas áreas de Comunicação, Recursos Humanos, Marketing e Vendas.
Desde março de 2021, o Nubank trabalha na implementação, já com ações em andamento, do Semente Preta, um fundo de investimentos focado em startups fundadas ou lideradas por empreendedores negros e negras. O aporte é de R$ 1 milhão em empresas de base tecnológica que já tenham o MVP (produto mínimo viável). O Semente Preta é parte dos compromissos de combate ao racismo estrutural divulgados pelo Nubank em novembro de 2020.
Num país em que a população negra é maioria, mas observamos que praticamente todos cursos de ESG e Diversidade têm maioria de docentes brancos, fica mais fácil compreender as lacunas e que temos muito a avançar na movimentação das estruturas. Nem podemos dizer que o momento é esse. Melhor destacar: já passou da hora, seguimos perdendo potencialidades e atrasando nosso desenvolvimento socioeconômico ao não aproveitar nossa diversidade como riqueza.
Alan Soares é um empreendedor social reconhecido internacionalmente. Além de especialista em negócios, é um dos fundadores do Movimento Black Money, onde utiliza seu conhecimento em prol da liberdade financeira da comunidade negra no Brasil. |
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