Opinião – InvestNews https://investnews.com.br Sua dose diária de inteligência financeira Thu, 26 Sep 2024 21:12:52 +0000 pt-BR hourly 1 https://investnews.com.br/wp-content/uploads/2024/03/favicon-96x96.ico Opinião – InvestNews https://investnews.com.br 32 32 Carlos Kawall: “Foco da política fiscal não pode ser reduzido à meta de superávit primário” https://investnews.com.br/opiniao/carlos-kawall-foco-da-politica-fiscal-nao-pode-ser-reduzido-a-meta-de-superavit-primario/ Thu, 26 Sep 2024 18:57:23 +0000 https://investnews.com.br/?p=618190 Neste primeiro ano de vigência do arcabouço fiscal, o governo parece estar mais próximo de evitar o que se temia meses atrás: a necessidade de alterar a meta fiscal para 2024. Há poucos dias, na divulgação do 3º Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sugeriu a possibilidade de aumento da nota de crédito (“rating“) do país, enquanto o secretário-executivo Dario Durigan alegou “irracionalidade” nas críticas ao desempenho da política fiscal.

Poucas vezes houve tanta dissonância entre a visão triunfalista do governo e o ceticismo crescente de analistas econômicos e especialistas em contas públicas.

Para o governo, o cumprimento da meta fiscal primária é prova suficiente de que aqueles que previam o contrário estão errados e que a política fiscal em curso é exitosa. O foco da política fiscal deve ser circunscrito ao mero atingimento da meta de resultado primário?

Antagonismo entre as políticas fiscal e monetária

Com a economia brasileira continuando a superar as expectativas de crescimento e com o desemprego nos níveis mais baixos dos últimos dez anos, surpreende a esquizofrenia entre a política fiscal ultraexpansionista e a política monetária contracionista, em um ambiente de inflação desancorada.

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A política fiscal também deve levar em conta o contexto cíclico e atuar contra ele, e não a favor. No contexto atual, conter o gasto público ajudaria a reequilibrar a oferta e a demanda, beneficiando o combate à inflação sem a necessidade de aumento da taxa Selic, que ocorre na contramão do cenário global.

Deterioração institucional e irrelevância do resultado primário

Se o resultado primário é o instrumento de gestão da política fiscal, seu objetivo é controlar a trajetória da dívida pública. Nos últimos anos, seguidas PECs elevaram gastos e comprometeram a estratégia de garantir uma trajetória de estabilização e queda do endividamento público.

No período recente, a meta de resultado primário deixou de ser um guia confiável do grau de aperto da política fiscal, com o uso de diversos expedientes que fragilizam a institucionalidade fiscal: desonerações de tributos não compensadas por receitas de caráter permanente, contabilização de apropriação de recursos privados (PIS/PASEP, recursos esquecidos nos bancos) como receita primária, tentativa de expandir gastos públicos (vale-gás) por fora do orçamento, uso crescente e vultoso de créditos extraordinários, gasto parafiscal via fundos públicos, orçamento de Itaipu e conta CDE.

Em tempo: mudar a própria meta (como feito para 2025 e 2026) também faz parte do jogo.

Desequilíbrio estrutural do gasto obrigatório

A volta da política de aumento real do salário mínimo, a reindexação de gastos de saúde e educação à receita e o afrouxamento de critérios para concessão de benefícios sociais recolocaram a expansão do gasto obrigatório da União em uma trajetória de crescimento insustentável, em ritmo inclusive superior ao verificado antes da aprovação do teto de gastos, em 2016. Como resultado, observamos uma trajetória firme de crescimento da dívida pública, mesmo em um contexto de vigorosa expansão da receita. 

Do ponto de vista dos mercados, a reação tem sido preocupante: as taxas de juros reais de longo prazo continuam em elevação e voltaram a patamares (em torno de 6,5%) somente vistos em 2015/2016, quando atravessamos a nossa última grande crise fiscal.

Aqueles que contestam o sucesso da política fiscal entendem que seu foco não deve ser o mero atingimento da meta de superávit primário. Ela deve se concentrar em sua atuação cíclica e interação com a política monetária; na busca por aprimoramento institucional, transparência e credibilidade; e, sobretudo, em uma perspectiva de médio e longo prazos, evitar novas crises fiscais e a imposição de sacrifícios crescentes às gerações futuras na forma de endividamento acelerado e aumentos da carga tributária.

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No ritmo atual, a dívida bruta promete atingir 85,0% do PIB ao final de 2026, próxima do nível máximo verificado durante a Covid-19, contra 71,7% do PIB ao término de 2022

A fragilização da institucionalidade fiscal e a elevação do endividamento público não são exclusivas do Brasil. O temor é que sejam resultantes do alto grau de polarização política que vivemos globalmente nos últimos dez anos. Nesse cenário, o populismo fiscal não escolhe ideologia (como observa-se mesmo na eleição nos EUA), e a expansão do gasto público e/ou das desonerações tributárias são formas de dar alguma sustentação às sempre frágeis taxas de aprovação dos incumbentes. O ciclo político tradicional, de governos austeros nos anos iniciais e gastadores no ano eleitoral, não funciona mais. 

A necessidade de derrotar o oponente a qualquer custo, para defender a democracia, acabar com a corrupção,  preservar os costumes ou avançar com o identitarismo se sobrepõem à responsabilidade fiscal, podendo até contar com a complacência dos poderes legislativo, judiciário e órgãos de controle. No caso brasileiro, portanto, é difícil acreditar que algo estrutural será feito antes da eleição presidencial de 2026. Pelo contrário, se o verdadeiro foco da política fiscal é a missão de garantir a vitória contra o “mal”, cresce o risco de um vale-tudo.  

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Por que Mark Zuckerberg, da Meta, aposta tão alto na inteligência artificial https://investnews.com.br/colunistas/por-que-mark-zuckerberg-da-meta-aposta-tao-alto-na-inteligencia-artificial/ Fri, 02 Aug 2024 10:50:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=604921 A Meta, dona de Facebook, Instagram e WhatsApp, já gastou US$ 30 bilhões apenas em compra de placas (GPUs) da Nvidia dedicadas ao treinamento de modelos de inteligência artificial nos últimos três anos. É um valor equivalente ao que o governo americano investiu no Projeto Manhattan, que resultou na bomba atômica retratada no filme Oppenheimer. 

A comparação parece despropositada, mas é uma das poucas que dá conta do tamanho da aposta que a empresa vem fazendo em busca de supremacia em uma tecnologia emergente.

Quando começou a montar essa gigantesca infraestrutura (que equivalerá a 600 mil GPUs até o fim do ano), ainda em um momento pré-ChatGPT (2022), o fundador e CEO Mark Zuckerberg não tinha certeza sobre qual seria a sua utilidade. A ideia inicial era treinar modelos para melhorar o algoritmo do Instagram que sugere vídeos, para competir com a avançada IA do chinês TikTok.

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Investidores viram com alguma desconfiança o gasto. Mas Zuckerberg manteve que seria importante para a Meta ter o hardware que permitisse à empresa surfar em qualquer onda que viesse. “A essa altura, eu prefiro arriscar construindo essa capacidade antes que seja necessário do que quando for tarde demais”, disse na conversa com investidores em que anunciou os resultados do 2º trimestre de 2024, na última quarta-feira (31/7).

Além de silício, a Meta investiu em pessoas. O time de IA, chefiado por Yann LeCun — um dos cientistas mais respeitados no campo — sobreviveu inclusive a cortes profundos na empresa e teve liberdade para experimentar.

Mark Zuckerberg anuncia novidades da Meta 27/09/2023 REUTERS/Carlos Barria

E, ao contrário de OpenAI (criadora do GPT), Google (Gemini) e Anthropic (Claude), a Meta compartilhou seus avanços de IA com o mundo, na forma de modelos em código aberto.

Há poucos mais de uma semana, a empresa atualizou sua família de grandes modelos de linguagem (LLMs), chamada de Llama 3.1, o primeiro a rivalizar em performance com os modelos fechados, como o utilizado no ChatGPT. Qualquer empresa pode hospedar ou modificar os modelos — a Meta só cobra um licenciamento acima de 700 milhões de usuários.

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“O objetivo não é ter necessariamente o melhor modelo e sim o mais utilizado”, avalia Ben Thompson, analista de mercado do Stratechery. Ao disponibilizar o Llama, a Meta espera aprender com o que os desenvolvedores vão fazer, para depois criar novas aplicações em cima.

Isso será fundamental. Porque a verdade é que a Meta precisa de ideias do que fazer com a tecnologia, levando em conta o que aconteceu com a primeira aplicação com IA generativa: seus chatbots que emulam celebridades, lançados com pompa ano passado, foram desligados esta semana. Não deu certo.

Em seu lugar, a Meta disponibilizou o “AI Studio”, que permite a qualquer influenciador do Instagram criar chatbots que imitam aparência e linguagem para interagir com os seguidores. Funcionalidade parecida estará disponível até o fim do ano a donos de negócios que quiserem criar robôs de atendimento ao cliente com IA via WhatsApp. Com isso, Zuckerberg espera que a empresa vire líder em uso de inteligência artificial nos próximos meses.

Para desespero de acionistas, não há um modelo de negócios muito óbvio para a aplicação da IA pela Meta ainda, além da promessa de aumento o engajamento no Instagram, WhatsApp e Facebook. Além disso, ainda está fresca na memória de Wall Street a aposta furada no metaverso, que fez a empresa afundar bilhões e até mudar de nome.

Mas os resultados positivos na divisão de publicidade, que fizeram o faturamento crescer 22% em relação ao mesmo tri de 2023, permitem algumas aventuras. E o que parece mover Zuckerberg é o desejo de controlar o seu futuro. Por diversos momentos nos últimos anos, a Meta não pôde colocar funcionalidades extras no Instagram e Facebook porque dependia de aprovações de Apple (iOS) e Alphabet (Android). 

Se as próximas inovações serão mediadas pela inteligência artificial, como aconteceu com smartphones na última década, a Meta quer ter uma influência grande na construção desse futuro. A ver se a aposta se paga.

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“A Álgebra da Riqueza”, o livro de Galloway que vale para iniciantes ou profissionais tarimbados https://investnews.com.br/opiniao/colunistas-opiniao/a-algebra-da-riqueza-o-livro-de-galloway-que-vale-para-iniciantes-ou-profissionais-tarimbados/ Wed, 24 Jul 2024 10:50:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=602398 The Algebra of Wealth: A Simple Formula for Financial Security” é o mais novo livro (e já best-seller) de Scott Galloway, professor de Marketing da NYU Stern School of Business, empreendedor serial e autor de vários outros best-sellers nos Estados Unidos.

O livro se propõe a oferecer um guia prático de bons hábitos pessoais, profissionais e financeiros para potencializar o sucesso financeiro no longo prazo.

À primeira vista, o título pode induzir o leitor a acreditar que se trata de mais um livro de finanças, feito por um financista para financistas. Mas não é. E isso é uma excelente notícia.

Em geral, a maioria dos livros feitos por financistas (como eu) são chatos, monótonos e prolixos. Na dificuldade de expressar temas profundos de forma simples, direta e leve, deixamos de cumprir uma das missões nobres da nossa profissão: melhorar a educação financeira das pessoas.

Galloway é um craque na arte da escrita. Sua habilidade de combinar dados empíricos com narrativas pessoais e humor torna sua escrita não apenas reflexiva, mas também agradável de ler. Ele utiliza muitas analogias e exemplos do dia a dia para ilustrar conceitos complexos, o que torna as ideias do livro mais compreensíveis. Por isso, recomendo fortemente que leia sentado, com caneta ou marcador na mão. Inúmeros trechos são altamente “printáveis”, “postáveis” e compartilháveis.

A fórmula central de “The Algebra of Wealth” é “Riqueza = Foco + (Estoicismo x Tempo x Diversificação). O livro tem um capítulo dedicado a cada um desses elementos.

Em ESTOICISMO, o autor aborda como a prática dos valores estoicos (coragem, sabedoria, justiça e temperança) ajuda a alinhar o comportamento de curto prazo com os objetivos financeiros de longo prazo, promovendo hábitos saudáveis e escolhas de vida que contribuem para a construção de riqueza. Ele lembra que o capitalismo é um sistema espetacular para gerar riqueza, mas também altamente capaz de criar tentações de consumo excessivo.

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Em FOCO, o ponto forte são as dicas sobre gestão de carreira e geração de renda, enfatizando a necessidade de eliminar distrações e focar em atividades que realmente agregam valor. Comunicação é o maior ativo do mundo moderno, trabalho presencial é fundamental para acelerar o desenvolvimento profissional e fazer bom networking desde cedo irá te ajudar a criar aliados e mentores ao longo da carreira.

Sempre na pegada de criar alguma fórmula para facilitar o entendimento, vem mais uma: (Talento + Foco) -> Maestria -> Paixão. Com trabalho duro e foco em obter maestria do seu talento, a recompensa virá em forma de paixão.

Na segunda metade do livro, TEMPO e DIVERSIFICAÇÃO são abordados com temas relacionados a finanças pessoais e investimentos. A base do “Financial Security” (segurança financeira) parte de como ser eficaz controlando seu tempo (ativo mais valioso que uma pessoa tem) até como criar gatilhos mentais e regras simples para cumprir o orçamento familiar à risca.

Também são tratados vários conceitos que discutimos com nossos clientes no dia a dia de uma empresa de gestão de patrimônio: disciplina e capacidade de poupança, volatilidade do orçamento, alavancagem, organização do fluxo de caixa em buckets (categorias) e a ótica de uma carteira com objetivos de curto, médio e longo prazo.

Fiquei especialmente contente quando Galloway recomendou que as pessoas procurem um planejador financeiro CFP (Certified Financial Planner) para garantir que as decisões de investimento estejam alinhadas com os objetivos e a tolerância ao risco, mas o mais importante: alguém com quem se tenha uma relação fiduciária, em que os interesses estejam alinhados com os do investidor.

Em DIVERSIFICAÇÃO, Galloway aborda como uma carteira diversificada nos investimentos não é só fundamental para potencializar retornos, mas também uma estratégia para mitigar grandes riscos: “diversifique para maximizar o retorno, não o upside“, “risco é o preço do ganho”. Ele destaca também a importância de estar constantemente se atualizando sobre o que está acontecendo nos mercados, de controlar as emoções (um pouco de behavior finance, ou finança comportamental) e de utilizar instrumentos financeiros que minimizem o pagamento de taxas e impostos.

Talvez nesses dois capítulos da segunda metade o livro se assemelhe muito a outros livros de finanças pessoais, mas, ainda assim, dotado de uma didática incrível, ele vai te ajudar a fixar melhor alguns conceitos ou até te ajudar a compreender outros ainda não-compreendidos.

Acredito que o livro oferece grande valia para todos os tipos de interessados em investimento, desde jovens em início de carreira que buscam desenvolvimento pessoal até planejadores financeiros e educadores financeiros como eu.

Não tenho a menor dúvida que, ao chegar no Brasil, em pouco tempo o livro dividirá a prateleira dos livros de finanças mais recomendados.

[O livro “The Algebra of Wealth: A Simple Formula for Financial Security” tem previsão de lançamento no Brasil no início de agosto, pela Editora Intrínseca, sob o título “A Álgebra da Riqueza, Uma Fórmula Simples para o Sucesso“. Com 352 páginas e tradução de Antenor Savoldi Jr., o livro impresso será vendido por R$ 59,90 e o e-book por R$ 39,90.]

Renato Breia é economista, planejador financeiro CFP e sócio-fundador da Nord Wealth, onde administra o patrimônio de R$ 5 bilhões de clientes.

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Hora de acelerar para tornar o marco dos fundos realidade https://investnews.com.br/colunistas/hora-de-acelerar-para-tornar-o-marco-dos-fundos-realidade/ Wed, 17 Jul 2024 20:08:44 +0000 https://investnews.com.br/?p=600871 A Resolução 175 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), novo marco regulatório dos fundos, trouxe muitos aspectos positivos, mas precisa virar realidade para toda a indústria. Inicialmente prevista para entrar em vigor em abril de 2023, sofreu sucessivos adiamentos a partir de demandas de diferentes participantes do mercado.

Depois de ter sua entrada em vigor postergada para outubro do ano passado, algumas alterações passaram para abril de 2024 e, com os últimos ajustes da CVM, o prazo final para a adaptação do estoque de fundos que já estava em funcionamento antes da resolução passou de 31 de dezembro de 2024 para 30 de junho de 2025.

Antes disso, porém, há tipos de fundos e outras alterações que já terão de estar de acordo com a nova norma. Por exemplo, o artigo 48, parágrafo 2º, inciso XI, que se refere à fixação de uma taxa máxima a ser cobrada pela distribuição dos fundos, entra em vigor em 1º de novembro próximo –  a previsão anterior era de 1º de outubro de 2023. Há um escalonamento normal, já que é uma alteração profunda em todo o setor, provavelmente a maior em 30 anos, desde o Plano Real.

É verdade que, desde a publicação da norma 175 da CVM surgiram outras questões, como a mudança de tributação dos fundos exclusivos e offshores determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que complicaram ainda mais a vida dos participantes do mercado. Mas é preciso cumprir os prazos sob o risco de algumas normas caírem em descrédito.

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Entre os principais benefícios do novo marco regulatório está uma definição mais clara e equilibrada dos papéis e responsabilidades dos gestores e administradores. Antes havia a ideia de responsabilidade solidária entre essas duas figuras que acabava criando uma zona cinzenta. Essa dúvida, no caso dos Fundos de Investimento em Participações (FIPs) ou Fundos de Investimento Imobiliários (FIIs), por exemplo, gerava alguns problemas. Nos dois casos, é o gestor quem deveria contratar uma consultoria independente para a avaliação anual dos valores dos ativos, mas, em alguns casos, se ele não a providenciava, o administrador agia para evitar uma eventual punição por responsabilidade solidária.

Agora, cada um tem a sua obrigação. Na norma antiga, era o administrador quem contratava o gestor de um fundo, o que não tem muito sentido, já que este último é quem formula a tese de investimentos, faz a captação dos recursos e escolhe os ativos. Com a nova norma, gestor e administrador devem estabelecer apenas um acordo operacional. Cada um deve contratar serviços de acordo com o seu escopo.

O administrador é responsável por tesouraria, controle, processamento dos ativos, escrituração das cotas e auditoria independente. Já o gestor fica a cargo de contratar a intermediação das operações (como uma corretora), consultoria de investimento, agência de classificação de risco, formador de mercado de classe fechada e a eventual co-gestão da carteira de ativos.

Há muitas outras mudanças significativas trazidas pela Resolução CVM 175, algumas até mais perceptíveis pelos investidores, como a possibilidade de oferecer fundos que investem até 100% no exterior para o público em geral. Antes, só tinham acesso a esses produtos investidores qualificados, aqueles com mais de R$ 1 milhão aplicados.

Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs – cotas seniores) e os que investem em criptoativos também podem ser oferecidos agora para o público em geral.

A padronização dos documentos dos fundos, seguindo modelos internacionais, é outro avanço, tornando mais fácil para os investidores compreenderem os produtos oferecidos.

O novo marco regulatório ampliou ainda a transparência nas estruturas de custos dos fundos. As taxas de administração, gestão e distribuição precisam estar especificadas nos documentos disponíveis para o investidor, o que é bastante positivo.

A possibilidade de criação de classes e subclasses de cotas em um mesmo fundo é outra mudança relevante, proporcionando maior flexibilidade e customização de estratégias de investimento, permitindo a segregação do patrimônio de cada uma.

Tudo isso demanda tempo para que os processos nas gestoras e administradoras sejam adaptados e que as equipes conheçam as novas regras, mas é preciso que o setor enfrente esse desafio com mais celeridade. A resolução foi publicada em dezembro de 2022. Portanto, não é hora de novas prorrogações.

Um obstáculo que muitas empresas, sobretudo as de menor porte, ainda não superaram é o de atualizar os sistemas de TI com as novas exigências. Não é tarefa das mais simples, mas em plena era da Inteligência Artificial não pode ser desculpa para mais atrasos.

A resolução 175 da CVM veio para melhorar a indústria, aumentando a segurança jurídica, aproximando o setor dos padrões internacionais e adequando as regras às novas complexidades do mercado. Então, deve ser interesse de todos nós do setor trabalhar para torná-la realidade.

Quem não acelerar agora ficará para trás. Como diz o ditado, camarão que dorme a onda leva.

Gustavo Falcin é fundador e CEO da América Private Equity Administração de Recursos

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade dos autores e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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Como não cair em um ‘Cavalo de Troia’ financeiro https://investnews.com.br/colunistas/como-nao-cair-em-um-cavalo-de-troia-financeiro/ Tue, 02 Jul 2024 17:22:02 +0000 https://investnews.com.br/?p=596916 Para investidores em geral, duas situações são especialmente intoleráveis: perder uma oportunidade e perder dinheiro. 

Em termos de desenvolvimento de uma riqueza e de investimento, o grande erro é imaginar que uma  oportunidade se apresenta como uma revelação momentânea e não como resultado de um  planejamento. 

A construção de um patrimônio financeiro, qualquer que seja o tamanho que ele possa alcançar, não  se dá pela captura das oportunidades matinais, reveladas por assessores de investimento a cada  saldo disponível em sua conta, mas através de muita informação e de propósitos. 

Como disse Warren Buffet – um dos mais bem-sucedidos investidores do mercado mundial –, “nunca invisto em um negócio que não consigo entender”

Warren Buffett fala no palco durante a Cúpula das Mulheres Mais Poderosas da Fortune - Dia 2 no Mandarin Oriental Hotel em 13 de outubro de 2015 em Washington, DC. Foto: Paul Morigi/Getty Images
Warren Buffett fala no palco durante a Cúpula das Mulheres Mais Poderosas da Fortune – Dia 2 no Mandarin Oriental Hotel em 13 de outubro de 2015 em Washington, DC. Foto: Paul Morigi/Getty Images

O crescimento das operações estruturadas de investimento 

Nos últimos anos, houve um aumento na distribuição de produtos financeiros estruturados  complexos, sem informações relevantes sobre seus riscos e custos. 

Algum assessor de investimento já deve ter entrado em contato com você ou alguém conhecido, oferecendo operações ou produtos de investimento “fantásticos”, através dos quais você poderá  investir em mercados de risco e ainda ter seu capital “protegido” contra perdas. 

Pois bem, estas operações e produtos adotam estratégias denominadas estruturadas, onde é  possível expor ou manter seu capital em um mercado de risco e, ao mesmo tempo, controlar  variações negativas de valor, devido a mudanças nas condições de mercado. 

Embora estes produtos prometam frequentemente a proteção do capital, geração de renda e  diversificação, a falta de transparência associada aos retornos líquidos, riscos e custos esperados tem suscitado preocupações significativas. 

As instituições financeiras utilizam técnicas de marketing agressivas para promover estes produtos  estruturados, enfatizando o potencial de rendimento e a proteção do capital. Isso pode induzir os  investidores a acreditarem que estão acessando produtos sofisticados, de baixo risco e retorno potencial. 

Produtos de investimento estruturados geralmente vêm com taxas e encargos ocultos, que não são imediatamente aparentes para os investidores em geral. Essas taxas podem reduzir  significativamente os retornos líquidos, beneficiando as instituições financeiras às custas do capital dos investidores. 

A comercialização destes produtos enfatiza a rentabilidade potencialmente superior oferecida pelos mercados de risco, aliada à proteção do capital investido, sem, contudo, detalhar o retorno líquido máximo e mínimo esperado, os custos operacionais e o fluxo de caixa exigido.

Promessas de retornos superiores e proteção do capital vêm atraindo investidores que buscam rendimentos superiores aos investimentos de renda fixa, mas com pouca experiência ou tempo para operar em mercados de risco. 

Há evidências de que a complexidade desses produtos estruturados é utilizada para atrair  compradores desavisados e, ao mesmo tempo, produzir lucros elevados para bancos e distribuidores. 

Neste artigo, eu exploro como investidores em geral vêm sendo vorazmente enganados por estas promessas e as potenciais consequências de se investir sem conhecimento e acesso à informação completa. 

Entendendo a composição das operações estruturadas

Para que você possa compreender melhor os investimentos estruturados, farei uma breve introdução sobre o mercado de derivativos. 

Investir em derivativos envolve a negociação de contratos financeiros, cujo valor é derivado ou está relacionado ao valor de um ativo subjacente, como ações, commodities, moedas, taxas de juros,  índices de mercado, entre outros. 

Entre os derivativos estão: 

▪ Contratos futuros: obrigam os compradores e vendedores a negociarem um ativo específico, em  uma data futura, a um preço previamente acordado. Os principais contratos futuros negociam a taxa de juro, o índice de ações, a cotação do dólar e o preço de mercadorias como trigo, petróleo  e ferro. 

▪ Contratos de opção: dão ao detentor do contrato o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender um ativo a um preço específico, dentro de um período determinado. Os principais  contratos de opção negociados dão direito ao titular de comprar ou vender ações e dólares. 

Entre os estruturados estão: 

Produtos estruturados são instrumentos financeiros que combinam ativos tradicionais, como ações, títulos de renda fixa, índices, moedas, mercadorias ou fundos mútuos, com derivados. 

Envolvem uma engenharia financeira complexa, construída com propósitos específicos, como  salvaguardar o capital investido da queda nos preços dos ativos subjacentes, alavancar os retornos  potenciais ou permitir o ingresso a mercados inacessíveis diretamente. 

A teoria financeira tradicional sugere que produtos financeiros estruturados abrangeriam estratégias concebidas para mitigar as consequências de eventos adversos, distribuindo o risco potencial entre  várias partes interessadas. 

A literatura recente sugere destinações menos bem-intencionadas, onde investidores de varejo são  envolvidos pela estrutura sofisticada e ofuscados pela complexidade das operações estruturadas, incorrendo em retornos negativos, ajustados ao risco e altas taxas cobradas por bancos e corretoras. 

As modalidades de operação estruturada mais divulgadas pelos emissores e distribuidores:

1. Proteção total ou parcial: são utilizados derivativos para estabelecer travas de baixa e de  alta. Isso significa que você pode ter ganhos limitados, mas também sabe o quanto pode perder  na operação. 

2. Retorno controlado: através do uso de derivativos, o investidor terá um retorno prefixado  no período, desde que, em nenhum momento, o ativo desvalorize mais que uma barreira  estabelecida. 

3. Bilateral: através do uso de derivativos, o investidor ganha com a volatilidade do mercado,  sem precisar prever a direção do movimento de preço. 

4. Alavancagem: a estratégia que combina a compra de um ativo de menor risco, como um título de renda fixa, com uma opção de compra de um ativo de maior risco, como ações. O objetivo é  proporcionar ao investidor um rendimento estável (do título de renda fixa), com a possibilidade de ganhos adicionais (da opção de compra) se o preço do ativo de maior risco subir. 

Apresentadas desta forma simplificada, operações complexas como as estruturadas parecem  extremamente interessantes, se não fosse a relação risco/retorno desproporcional e custos  extraordinários. 

Não à toa, a maior corretora do país se tornou alvo de uma ação judicial por promover práticas abusivas na distribuição de produtos estruturados e levar investidores a prejuízos que alcançam R$ 18 milhões. 

Os principais relatos feitos nos processos dizem respeito a investimentos em Certificados de  Operações Estruturadas (COEs) e em operações estruturadas alavancadas pela corretora. 

Os clientes relatam propaganda enganosa sobre os rendimentos, informações sobre os riscos e  custos incompletas e promessas de retorno e proteção do capital inicial investido que não se  cumprem e resultam em perdas milionárias. 

Uso de investimentos estruturados para mascarar riscos e taxas

Demonstrar como a complexidade das operações estruturadas se tornou um subproduto para  emissores e distribuidores não é tarefa simples. Tão difícil quanto obter informações detalhadas sobre as transações relacionadas aos produtos estruturados de varejo é fazer comparações com produtos mais simples. 

Muitos produtos de investimento estruturados são vendidos diretamente aos investidores por  corretores, que, no seu esquema de venda, visam investidores inexperientes. 

Entre os produtos de investimento mais divulgados pelo varejo e mais lucrativos para bancos e distribuidoras estão os Certificados de Operação Estruturada – COE. 

Os COEs são um instrumento financeiro que combinam características de diferentes ativos, como renda fixa e derivativos, em um único produto. O objetivo é proporcionar ao investidor a possibilidade de obter retornos maiores do que os da renda fixa tradicional, com um risco controlado. 

No entanto, é importante entender como esses produtos funcionam, os custos e os potenciais riscos envolvidos.

Um estudo de pesquisadores da FGV mostrou que a esmagadora maioria dos COE’s vendidos a  investidores de varejo tinha retorno esperado abaixo da chamada taxa livre de risco, ou seja, de um investimento seguro e sem risco de perda. 

“O COE é, em resumo, uma espécie de Cavalo de Troia financeiro… O comprador de um COE típico investiu seu dinheiro em um produto ilíquido, sem garantia de crédito (COEs não têm cobertura do Fundo Garantidor de Crédito) e com retorno esperado abaixo do que poderia ser obtido no Tesouro Direto”, aponta estudo da FGV/EESP “O retorno esperado dos COEs.

Vamos a um exemplo prático. 

Um banco emite um COE com as seguintes condições: 

▪ Valor Investido: R$ 10.000,00 

▪ Prazo: 5 anos 

▪ Proteção de capital: 100% do capital investido 

▪ Retorno condicional: se o Ibovespa subir mais de 20% no período, o investidor recebe 10% do retorno total. Se o índice subir menos de 20%, o investidor recebe apenas o capital investido. 

Se o Ibovespa subir 30%, o banco ganha com a valorização, mas o investidor recebe apenas 10% do retorno total (ou seja, R$ 1.000,00), além do capital investido (R$ 10.000,00). 

Se o índice não subir ou cair, o investidor recebe apenas o valor investido (R$ 10.000,00), perde a correção monetária acumulada em 5 anos, e a instituição financeira pode ter usado o seu dinheiro para outras operações que geraram lucro. 

Embora os COEs possam parecer atraentes devido à proteção de capital e ao potencial de retornos superiores, eles frequentemente beneficiam mais os emissores e distribuidores do que os  investidores, devido às suas estruturas complexas, custos ocultos e retornos limitados. 

Considerações finais 

A falta de transparência e de uma fiscalização de mercado íntegra no Brasil tornou mais fácil o  repasse de produtos de investimento complexos a investidores do varejo, sob a promessa de retorno  superior e proteção do capital. Para se protegerem contra a falta de transparência e as armadilhas  desenvolvidas pelos emissores e distribuidores, os investidores devem observar as seguintes  iniciativas: 

1. Eduque-se: obtenha uma compreensão básica dos produtos financeiros, dos riscos e custos associados. Caso não seja possível desenvolver um nível de conhecimento básico ou restar  qualquer dúvida sobre o risco e custos de uma oferta de investimentos, opte pelo mais simples e  compreensível.

2. Faça perguntas: não hesite em fazer perguntas detalhadas ao seu assessor ou corretor sobre um produto de investimento, incluindo como os retornos são calculados, quais riscos estão envolvidos e todas as taxas associadas. 

3. Formalize as respostas: solicite que o assessor/corretor de investimentos formalize as  questões relevantes relacionadas à oferta de investimento, especificando: 

• Como o investimento gera retorno e qual é a taxa de retorno esperada;

• Quais benchmarks (referências comparativas) são relevantes para avaliar o desempenho do  investimento; 

• Quais os riscos e perdas potenciais, seja em função de variações de mercado ou inadimplência;

• Por quanto tempo seu capital ficará vinculado e quando você poderá esperar retornos;

• Com que facilidade você pode comprar ou vender o investimento sem impactar  significativamente seu preço;

• Como você pode sair do investimento e quaisquer condições ou penalidades para saque  antecipado;

• Como o investimento será tributado;

• Detalhamento das taxas de administração, taxas de desempenho, custos de transação e  quaisquer encargos ocultos.

Observação importante: não se trata do envio de regulamentos e prospectos, mas da formalização de todos os aspectos que devem ser relacionados no script de venda de um produto de  investimento. 

4. Cuidado com garantias: Seja cético em relação a qualquer produto que prometa retornos  garantidos ou proteção de capital, especialmente se as condições não forem claramente  explicadas. 

5. Procure aconselhamento independente: considere a contratação periódica de um consultor de investimento independente, sem vínculo com qualquer instituição financeira, que possa fornecer  uma avaliação imparcial do produto.

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade dos autores e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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ESG, mulheres negras e a luta contra a manutenção de estruturas excludentes https://investnews.com.br/colunistas/esg-mulheres-negras-e-a-luta-contra-a-manutencao-de-estruturas-excludentes/ Tue, 02 Jul 2024 16:52:43 +0000 https://investnews.com.br/?p=596896 As mulheres negras do Brasil e dos Estados Unidos da América têm em comum, quando se trata de mercado de trabalho, o lugar da base da pirâmide de salários recebidos e ocupação de cargos de liderança. Alterar essa realidade é mudar o mundo capitalista, é alterar o status quo da economia e de toda uma sociedade, conforme alertou a pensadora americana Angela Davis, num encontro internacional sobre feminismo negro e decolonial em terras brasileiras, na cidade baiana de Cachoeira, em 2017:

“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram”, disse na Bahia a autora de Mulheres, Raça e Classe, uma das obras ícone da interseccionalidade. 

Essas são palavras tão verdadeiras e objetivas que tanto alertam a quem se interessa pelas mudanças sociais quanto quem trabalha ferozmente para que algumas coisas nunca mudem para as mulheres negras, pois sua ascensão é lida como um fator de desestabilização do capitalismo, da atual ordem econômica mundial, norte-americana e isso inclui a brasileira.

A realidade atual é que as mulheres negras trabalhadoras nos EUA,  em 2022, ganharam apenas 70% do salário dos homens brancos, enquanto as mulheres brancas estavam mais perto do topo salarial, chegando a 83% dos ganhos salariais de homens brancos. Os dados são de uma análise do Pew Research Center que também revelam que essa desigualdade salarial entre homens e mulheres nos Estados Unidos permaneceu relativamente estável nas últimas duas décadas.

Já em nosso país, o salário recebido por mulheres negras é 47% menor do que a média dos brasileiros, de acordo com relatório divulgado em maio de 2024 pelo projeto Mude com Elas. Enquanto a remuneração média delas é de R$ 1.582, a renda brasileira fecha em R$ 2.982. As mulheres negras ganham 2,7 menos que homens brancos, que têm média salarial de R$ 4.270.

Quando as mulheres negras são empreendedoras, nos Estados Unidos, suas empresas recebem menos de 1% de todo o dinheiro de capital de risco investido no país. Os dados são do Fearless Fund, que investe em empresas lideradas por mulheres negras nos estágios pré-seed, seed e série A. Fundado em 2008, em Atlanta, o Fund tem a missão de preencher a lacuna no venture capital para mulheres negras fundadoras que constroem empresas escaláveis e de alto crescimento. 

Essa iniciativa, que visa mover a base da pirâmide em terras norte-americanas, tem sido atacada de forma contínua sob a lideranças do ativista conservador Edward Blum, que também capitaneou processos movidos contra ações afirmativas nas universidades. Tanto que em junho de 2023, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou como inconstitucionais as políticas afirmativas de admissão nas universidades norte-americanas, prejudicando o acesso e inclusão de pessoas negras, hispânicas ou de outros grupos sub-representados em algumas instituições universitárias. 

Voltando ao Brasil, aqui o cenário de investimentos não é muito promissor, levando em conta que – ao contrário dos Estados Unidos em que a população negra é minoria – as mulheres negras são o grupo que constitui maioria. Apenas 4,7% das startups brasileiras foram fundadas exclusivamente por mulheres e receberam ínfimos 0,04% dos mais de US$ 3,5 bilhões aportados no mercado brasileiro em 2020. Os dados são do estudo Female Founders Report 2021, elaborado pelo Distrito, Endeavor e B2Mamy. Nesse universo restrito, a participação das mulheres negras brasileiras é de 19,1% (sendo 5,8% pretas e 13,3% pardas). 

Está cada vez mais óbvio que o espaço para mudança desse quadro, tanto no Brasil como nos EUA, não deveria existir para alguns setores conservadores e que a batalha para que permaneça como está nunca cessou e ganha novos impulsos. A onda conservadora americana em relação a pautas ESG foi assunto nessa coluna recentemente e dialoga com as preocupações de mulheres negras que estão no mercado de investimentos brasileiro dispostas a não perpetuar o Status Quo.

No início de junho, um tribunal federal de apelações dos EUA suspendeu o programa de subsídios do Fearless Fund, decidindo que um grupo conservador pode ser o vencedor no processo em que alega ser um programa discriminatório. Esses grupos estão em batalha legal contra programas de diversidade empresarial e o alvo atual, além do Fearless Fund, são empresas e instituições do governo norte-americano.

Sobre esse assunto, Monique Evelle, investidora no Shark Thank, lembra que o Brasil tem uma tradição de copiar os Estados Unidos e alerta: “Estamos vendo empresas acabarem com o setor de Diversidade e Inclusão considerando a decisão da Suprema Corte dos EUA com as universidades. Isso pode impactar empresas que estão no Brasil e atendem os EUA, ao pensarem que criar vagas afirmativas é inconstitucional. É um movimento perigoso e acredito que, infelizmente, isso vai chegar no Brasil. Minha preocupação é que aconteça muito mais rápido do que imagino”.

Se prevalecer o ditado popular de que notícia ruim corre rápido, nesse cenário de retrocesso, já estamos vendo o sinal amarelo quase chegando ao sinal vermelho no Brasil. As ações afirmativas no serviço público, por exemplo, estão na pauta do Congresso Nacional recebendo ataques dos nossos conservadores eleitos, que representam grupos contrários às ações afirmativas, e atuando para que a base, o meio e o topo da pirâmide “permaneçam como se acham” – um jargão parlamentar que se aplica como luva, infelizmente.

O pacote de maldades é também interseccional. Contempla gênero, raça e classe de forma contundente e perversa, visando que as estruturas não se movimentem e que a base da pirâmide permaneça como está. O recado é nítido. Para as mulheres negras,  reserva-se a imutabilidade, na visão da parte conservadora da sociedade, e que elas não se atrevam a desestabilizar o capitalismo. Porém, temos uma tradição de resistir e encontrar meios de mudar situações, como o período escravocrata, encontrando meios de sobreviver e avançar.

Como bem disse outra autora negra, Conceição Evaristo:  “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer”.

Quem vem para essa luta junto com as pessoas negras?

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade dos autores e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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A boiada passa, chega a conta e fica a pergunta: quem vai pagar?  https://investnews.com.br/opiniao/colunistas-opiniao/a-boiada-passa-chega-a-conta-e-fica-a-pergunta-quem-vai-pagar/ Mon, 03 Jun 2024 20:35:24 +0000 https://investnews.com.br/?p=584598 É famosa a frase do então Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sobre mudanças na legislação ambiental, sob o viés de um governo negacionista, dita numa reunião ministerial em 2020: “Ir passando a boiada”.

O neoliberalismo forjou tragédias possivelmente evitáveis em vários lugares do mundo e estamos acompanhando, em tempo real, o que acontece no Rio Grande do Sul, infelizmente em proporções inéditas e gigantescas naquela região. Não há, ainda, como calcular as perdas. Pode ser que se mostre incalculável se pensarmos na dimensão humana, nas milhares de pessoas que agora estão na condição de desalojadas, refugiadas climáticas, em luto. 

A comoção é algo esperado nessas situações, assim como a mobilização popular, já tradicional nessas grandes tragédias, que costuma fazer doações, gerar e consumir conteúdo tanto em mídias tradicionais como, mais recentemente, digitais.

Enquanto as chuvas caem no Rio Grande do Sul, uma enchente solidária transborda todo tipo de ajuda até o estado. Vale lembrar que em outros desastres ambientais, a comoção, a depender da população atingida, não é tão visível e audível como tem sido no Sul, a exemplo de Mariana e Brumadinho. Quais seriam os motivos? 

O território gaúcho devastado pelas águas abriga uma população que foi, inicialmente, vulnerabilizada de forma horizontal. No entanto, pontuamos que comunidades quilombolas e tradicionais, espaços religiosos de matrizes africanas, ribeirinhos, e outras populações, principalmente as que têm conexão diferenciadas com seus territórios – e que, muitas vezes – já estavam enfrentando outras precariedades socioeconômicas – são populações que se tornam ainda mais expostas ao racismo ambiental, logo, são mais passíveis de injustiças climáticas.

LEIA MAIS: O que explica as chuvas no Rio Grande do Sul

Os efeitos da passagem da boiada e a identificação de quem abriu a porteira podem até ficar em segundo plano, inicialmente. Mas, conforme as águas baixam, os destroços e omissões se tornam mais visíveis.

Em 21 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu ao governo do Rio Grande do Sul e à Assembleia Legislativa gaúcha 10 dias para se pronunciar sobre as mudanças na legislação ambiental que começaram em 2019 e, na sequência, o plenário do STF decidirá se a alteração é constitucional ou não. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União indica a necessidade de inspeção das mudanças legislativas pela Corte. O subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado se pronunciou: “Legislações ambientais não podem ser afrouxadas em prol de supostos benefícios econômicos. De certo, as exportações do agronegócio do Rio Grande do Sul estavam em alta devido às mudanças legislativas. Contudo, qual preço disso tudo?”.

O argumento “achar culpados e culpadas não trará vidas, patrimônios e negócios de volta” não apenas é insustentável, como desonesto e imprudente. A apuração de responsabilidades é um imperativo da gestão pública. À questão da legislação, soma-se a corrida imobiliária – com apoio da gestão neoliberal – e a falta de manutenção, renovação e ação imediata do sistema de escoamento em algumas cidades, como Porto Alegre. 

Foto: Carlos Macedo/Bloomberg

PEC das Praias

No contexto de impactos ao meio ambiente está a PEC das Praias (PEC 3/2022), de autoria do ex-deputado federal Arnaldo Jordy (Cidadania-PA), que atualmente tramita no Senado Federal e, nessa casa, tem como relator o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Essa PEC prevê a transferência de propriedade de terrenos do litoral brasileiro da marinha brasileira (União) para estados, municípios e proprietários privados.

Na visão de Ana Ilda Pavão, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais, o teor dessa PEC, no fundo, é a urbanização das orlas e os grandes empreendimentos. “Quem vai lucrar? Não somos nós. Nós só vamos perder. Essa PEC precisa ser revista. Muito tem se falado aqui, mas se esqueceram de falar da vida”, disse.

Ao promover a dilapidação de uma legislação regulatória em relação ao meio ambiente para beneficiar segmentos econômicos, como, o setor imobiliário e do agronegócio, o estado agrícola planta “progresso” para colher não se sabe exatamente o quê. Além disso, mostra-se imprudente ao lidar com mudanças climáticas como fenômenos da natureza, desconsiderando a ação humana. Afinal, a boiada que passa não é exatamente constituída de animais, mas de seres humanos e suas ações metaforizadas na fala infeliz do ex-Ministro Salles.

No momento anterior às enchentes, lucros. Mas e agora que o estado chegou a estar com 85% do seu território sob as águas? Um neoliberalismo que se ampara ideológica e politicamente no negacionismo pode ser chamado de burro, nesse contexto? Não prevenir para lucrar é inteligente em que lugar do mundo?

São perguntas difíceis que requerem respostas urgentes, assim como mudanças de paradigma e, possivelmente, nova revisão legislativa. Ainda no campo dos questionamentos difíceis, como uma gestão de viés neoliberal vai receber a ajuda do estado, já que que prega o “estado mínimo”? O “como” aqui é estratégico porque não tem muita opção. Vai ter que receber ou não vai haver reconstrução ágil e/ou viável, revelando mais um paradoxo dessa grande tragédia brasileira.

Outro ponto que precisamos destacar é que essa “boiada” passou no Sul, mas seus efeitos serão sentidos, economicamente, em todo o país. Recursos que seriam usados em outras regiões vão precisar ser realocados para mitigar os impactos no estado. O comércio exterior brasileiro sentirá os efeitos, pois o Rio Grande do Sul – só em 2023 – chegou a US$ 22,3 bilhões em exportações, um volume que impacta a economia nacional, assim como uma eventual perda de parte do montante.

Na perspectiva da agenda ESG, é o momento de redirecionar as atividades produtivas no estado a partir de bases sustentáveis, pois não são fenômenos episódicos, são recorrentes. Para que as populações e cadeias produtivas do Rio Grande do Sul não voltem a ser atingidas vai ser preciso renegar o negacionismo, tornando a gestão ambiental e de recursos hídricos basilares no planejamento. Ou seja: priorizar as políticas públicas considerando as mudanças climáticas para evitar prejuízos humanos e materiais descomunais.

Além disso, é preciso que a população se envolva na mudança, identificando representantes que tenham compromisso com as questões climáticas. Também é necessário que as empresas assimilem que as tragédias destroem negócios e atingem lucros. As mudanças climáticas não são algo do futuro e o presente do Rio Grande do Sul é a prova para quem desacreditava. Nessa linha, o atual Governo Federal empenha-se em mobilizar todos os segmentos da sociedade para garantir participação social e contribuir com a elaboração do Plano Clima Adaptação, uma política que vai elaborar a estratégia federal de adaptação à mudança do clima. 

Como disse a Nina Silva em suas redes sociais, para finalizar nossa reflexão, é preciso – a partir do compromisso com uma abordagem ESG – assumir que “estamos reconhecendo a interdependência entre as ações humanas e o meio ambiente, e assumindo a responsabilidade de proteger não apenas os lucros ou a reputação das empresas, mas também as vidas e os meios de subsistência das pessoas afetadas. Nesse sentido, a integração desses princípios é um imperativo moral que coloca as necessidades socioambientais no centro das decisões e ações empresariais e governamentais. Estamos falando sobre vidas.”

As informações desta coluna são de inteira responsabilidade dos autores e não do InvestNews e das instituições com as quais ele possui ligação. 

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Cadeia produtiva é pilar para estabelecer círculo virtuoso da agenda ESG https://investnews.com.br/opiniao/colunistas-opiniao/cadeia-produtiva-e-pilar-para-estabelecer-circulo-virtuoso-da-agenda-esg/ Fri, 24 May 2024 18:18:25 +0000 https://investnews.com.br/?p=576107 A noção de que a cadeia produtiva é estratégica quando estamos tratando da Agenda ESG tem crescido e dado frutos. Ao consolidar relações com fornecedores bem avaliados, além de continuamente monitorados, uma corporação protege seus investimentos e sua imagem ao mesmo tempo. Portanto, para assegurar e avançar na mitigação de riscos em relação à Agenda ESG, esses são alguns fatores a considerar seriamente. 

Em vez da palavra desconfiança, que tem emergido nesse cenário, usar criteriosamente a prática da confiança – ou seja, criar e utilizar marcos de aferição para balizar decisões em relação à cadeia produtiva. Essa é uma diretriz estratégica a ser alcançada e mantida.

Significa produzir confiança, por meios objetivos, de que um fornecedor está alinhado à agenda ESG. 

Parece óbvio, mas sabemos que nem sempre esse alinhamento é o principal critério num mundo em que redução de custos e aumento dos lucros são as linhas hegemônicas de atuação. No entanto, também verificamos: à medida que as pautas ligadas à sustentabilidade ganham notoriedade e espaço, também circulam imagens e discursos que nem sempre correspondem à realidade.

Os excessos e distorções discursivas criam bolhas de desconfiança em torno da agenda ESG, como tratamos nesta coluna recentemente. Como combater esses excessos? Um caminho que podemos vislumbrar e pavimentar é o da construção da confiança e internalização das práticas, dando robustez quando se trata de governança.

Nessa mesma linha, é oportuno implementar os meios para monitorar de forma contínua, desde antes das contratações, cada etapa dos processos produtivos e elos da cadeia de suprimentos. Essa construção interna de confiança, capilarizada para cada ponto da cadeia, é a meta para a solidez que vai perpassar um discurso que se sustenta.

A blindagem da cadeia produtiva por meio de objetividade na prestação de contas; cultura organizacional baseada na equidade, mecanismos de transparência efetivos para tornar informações relevantes disponíveis e acessíveis. Tudo isso devidamente contemplado nas metas evita impactos negativos.

Temos exemplos de como a expansão e a capilarização de boas práticas é necessária. Uma reportagem publicada no Estadão (18/03), por exemplo, mostra como grandes empresas brasileiras se movimentam para garantir a expansão de boas práticas também para os seus fornecedores.

A reportagem traz dados e declarações de Vale, Klabin, Gerdau e Suzano, que demonstram como essas corporações estão apostando, por exemplo, na criação de treinamentos para aprimorar seus fornecedores nesse sentido.

É relevante observar que as motivações são pragmáticas, objetivas. Trata-se de ampliar a receptividade no mercado externo, em especial, a Europa, além de evitar multas e outros embargos em operações internacionais.

A reportagem também destaca que as boas práticas em toda a cadeia podem facilitar acesso a taxas de juros melhores, prazos mais extensos, assim como acesso a linhas de crédito específicas, por exemplo, para programas de sustentabilidade ambiental.

A Gerdau tem um conjunto de iniciativas, informadas na reportagem, que abrange muitos pontos da pauta ESG de forma objetiva para sua cadeia de fornecedores, por meio do Programa Inspire. Desde 2022, a companhia estabeleceu novas cláusulas ESG para contratações a serem feitas no Brasil.

Além disso, há incentivo para que a pauta seja parte da agenda desses fornecedores, para que seja criado programa ou política de diversidade, equidade salarial, para que haja atuação na contratação e retenção de pessoas negras, mulheres, pessoas com deficiência e LGBTI+.

Outro exemplo é a Vale, que lançou em 2020 o programa Partilhar, por meio do qual a companhia tem  incentivado a cadeia de fornecedores para que contribua com o desenvolvimento sustentável das regiões onde atua. Mais de 280 fornecedores da mineradora aderiram ao programa.

*As opiniões dos colunistas não representam necessariamente a posição do InvestNews

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A transparência precisa ser o elemento central quando se trata de agenda ESG https://investnews.com.br/opiniao/colunistas-opiniao/a-transparencia-precisa-ser-o-elemento-central-quando-se-trata-de-agenda-esg/ Fri, 03 May 2024 21:33:25 +0000 https://investnews.com.br/?p=576103 As  práticas requeridas pela sigla ESG, com todas as letras que a compõem, assim como o devido monitoramento de resultados qualitativos e quantitativos correspondentes, formam um conjunto que precisa estar centralizado e baseado em medidas de transparência.

Muitos sinais de alerta para a crise em torno da agenda ESG, principalmente fora do Brasil, vêm a partir de questionamentos relacionados com transparência. 

Embora a sigla tenha atravessado os últimos anos em alta, mesmo sem dispor coletivamente de parâmetros comuns para aferição de resultados, chegou o momento em que a falta de unidade de critérios de avaliação afeta o viés de crescimento da Agenda ESG, representando um cenário de inflexão – seja pela não-universalidade das métricas, a realidade mais comum, ou pela ausência de índices públicos para norteá-las.

Além disso, emergem debates sobre a politização de temas da pauta ESG. Esse processo constante de discussão a partir de um prisma político é um fator que já afasta segmentos do mercado e coloca em foco algumas fragilidades.

Vale ressaltar que, no primeiro semestre de 2022, o mercado de investimentos começou a ser impactado por um relatório de engajamento da BlackRock, a maior gestora de fundos do planeta, que anunciou a redução de apoio para propostas apresentadas por empresas em temas da pauta ESG, especialmente em relação ao pilar Ambiental. 

A repercussão prossegue. Até 2022, Larry Fink, CEO da BlackRock, sinalizava para critérios de alinhamento e adesão a tratativas ambientais, sociais e de governança como necessários para seus investimentos. Esse recálculo de rota, que está ainda mais consolidado um ano depois, vem na afirmação do mesmo CEO, já em meados de 2023, sobre abandonar o uso do termo ESG, sob a justificativa de que há “politização do tema”.

Sabemos bem que o problema não é o termo ou seu uso, mas a suspeição que se coloca sobre resultados, métricas utilizadas, a falta de transparência na escolha e aplicação de critérios de mensuração.

A própria Black Rock reforça que deixar de usar o termo não significa o abandono total dos critérios anteriores, pois afirma que a “gestora continuará conversando com as empresas nas quais têm participação sobre descarbonização, governança corporativa e questões sociais a serem abordadas”. 

Nos últimos meses, em termos de desempenho, se apresentam dados negativos. Efetivamente, os investimentos em fundos ESG estão recuando nos Estados Unidos, conforme constata numa reportagem da CNN americana, republicada no site da sucursal brasileira, em 23 de outubro de 2023.

“Nos EUA, os ativos sob gestão em fundos ESG diminuíram de US$ 339 bilhões (cerca de R$ 1,706 trilhão) no segundo trimestre para US$ 315 bilhões (R$ 1,585 trilhão) no final de setembro”, diz a publicação.

Nessa mesma matéria, Robert Jenkins, chefe global de pesquisa da Lipper (uma fornecedora de dados financeiros) também contesta o uso do termo, além de revelar o declínio de fluxos e ativos sob gestão, em relação ao investimento em ESG. Novamente é reforçada a visão de que o conceito não funciona, as medições não são relevantes para análise em relação aos investimentos e o que deve predominar é “pensar no investimento responsável em um sentido mais amplo.”

A inflexão traz os sinais de crise e justificativas de que a “politização” do termo ESG está no contexto identificado como ativismo. Desse modo, aparecem alertas de narrativas estarem se sobrepondo às realidades, tanto no que diz respeito ao bom desempenho e consequente valorização e lucratividade, quanto aos reais valores agregados nos processos, aos concretos impactos sociais, ambientais e de governança obtidos. 

A questão também passa pelas denúncias de “greenwashing” para aumentar classificações ESG em divulgações públicas e, novamente, fica explícito que é preciso implementar e /ou reorientar as ações a partir da transparência. Além dessa dimensão que deveria ser transversal, a transparência também traz credibilidade, revela eficiência e compromisso.

Além da transparência de resultados, cada vez mais cresce o debate sobre índices, métricas, meios de medição e aferição que sejam universalizáveis. Ao final, poder recorrer a ferramentas que já foram testadas, além de avaliar a aplicação para resolver questões semelhantes, pode ajudar a termos resultados que possam ser comparados.

Certamente, a partir de critérios similares deve ser possível (e torna-se imprescindível) compartilhar o que é realizado, o quanto a empresa é bem-sucedida ou não, para que caminhos similares possam ser seguidos. E para que se alcancem metas confiáveis, responsáveis em todas as três letras: E, S e G

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Quem perde quando mulheres negras chegam aos espaços de poder? https://investnews.com.br/opiniao/colunistas-opiniao/quem-perde-quando-mulheres-negras-chegam-aos-espacos-de-poder/ Sun, 24 Mar 2024 21:19:43 +0000 https://investnews.com.br/?p=565385 A presença feminina em cargos de diretoria estatutária e em conselhos de administração ainda está abaixo do desejável na maioria das empresas brasileiras. Ilustrando esse fato, temos o estudo “Mulheres em Ações”, publicado em dezembro de 2022 pela B3, que se baseou em informações públicas prestadas pelas companhias em documentos regulatórios.

Esse mapeamento da evolução da diversidade de gênero no mercado brasileiro retrata uma realidade que já passou da hora de ser transformada.

Segundo o “Mulheres em Ação”, “de cada 100 empresas com ações negociadas em bolsa no Brasil, 61 não têm mulheres em cargos de diretoria estatutária, e 37 não têm participação feminina no conselho de administração, embora seja possível observar um aumento da presença de mulheres nos CAs no último ano.”

A pesquisa Women in Business, da auditoria Grant Thornton, ouviu cerca de 5 mil executivos e executivas em 28 países e os dados não são positivos. As mulheres em cargos no alto escalão em empresas brasileiras médias eram 38% em 2022, no ano seguinte esse índice passou para 39%, só um ponto percentual a mais de um ano para o outro. O estudo registrou a queda da participação de mulheres em cargos importantes no Brasil, era 35% em 2022, e em 2023 eram apenas 31% em postos de CEO.

Neste cenário do mundo corporativo, que já é desalentador, quando fazemos o recorte de gênero e raça a desigualdade é gritante. Identificar a sub-presença histórica em espaços de poder e decisão, é revelar um gargalo injusto na prática, apesar das mudanças de discurso e da própria agenda ESG ter avançado como tema urgente nas últimas décadas.

Esse alerta está dado e a situação precisa ser encarada de frente por setores do mercado e da sociedade que têm compromisso com o combate à desigualdade de gênero e raça, além da promoção da diversidade. 

Em março de 2023, o Women On Board (WOB) – que certifica empresas que possuem pelo menos duas mulheres em conselhos; e o Conselheira 101 – programa de incentivo à presença de mulheres negras em conselhos de administração – manifestaram-se sobre resultado de estudo realizado pelo ACI Institute, núcleo de pesquisas em governança corporativa da KPMG. 

Nessa pesquisa, a presença de mulheres negras correspondia a um traço percentual em conselhos de administração de empresas abertas brasileiras. A contundência desse resultado é reafirmada publicamente pelo WOB e Conselheira 101: “Traço. Não é 1%. Não é 2%. Não é 3%. É traço. Em um país em que 25% da força de trabalho é formada por mulheres negras.”

Gargalo

O absurdo concreto desse gargalo é ressaltado pela fundadora do Conselheira 101, Jandaraci Araújo. “Correspondemos a 28% da população brasileira, somos a maioria da maioria, visto que mulheres são 52% da população. No entanto, não estamos representadas nos espaços de liderança de forma equânime, seja nas organizações privadas ou públicas”, destacou ela em março de 2023, em declaração veiculada no jornal O Globo.

É fundamental ressaltar que existem mulheres negras prontas e capacitadas para ocuparem esses espaços, sem desculpas para a argumentações que se refiram a não haver o perfil no mercado. E essa busca por qualificação faz parte de ações individuais e coletivas, como o próprio Conselheira 101, responsável pela formação de dezenas de mulheres negras para atuarem em conselhos, desde 2020, ao ser criado por um coletivo de mulheres. Apoiado pela KPMG e Women Corporate Directors Foundation, o programa já formou 67 executivas, e destas quase a metade já está atuando em conselhos de administração, consultivos e comitês. 

Quem perde quando as mulheres negras chegam aos espaços de poder?

O status quo que valida a supremacia do homem branco e sua forma de estar e agir. Dito isso, precisamos também reafirmar que a diversidade não é uma concessão e, sim, um grande fator de contribuições, além de promoção da igualdade. Um conselho de administração que tenha representações de diversos segmentos da sociedade é um espaço potente para geração de riquezas econômicas, financeiras e sociais, exatamente por colocar na mesma mesa – em contraposição, confronto ou convergência – diferentes visões de mundo, do mercado e da sociedade. 

Esse diferencial é confirmado por uma mulher experiente nesses espaços, a Liliane Rocha, CEO e Fundadora da Gestão Kairós. Atualmente, ela é uma das poucas mulheres negras que contrariam as estatísticas que apresentamos, pois atua como conselheira deliberativa do Instituto Tomie Ohtake, conselheira consultiva de diversidade da Ambev e do Pacto de Promoção da Equidade Racial.

Liliane Rocha, CEO da Gestão Kairós e Autora do Livro Como ser Uma liderança Inclusiva Foto: Myla Dutra

Liliane Rocha afirma, em artigo publicado no Universa Uol (novembro de 2023), que “cada mulher negra em conselho revoluciona o topo da tomada de decisão. Além de serem profissionais, intelectuais e especialistas gabaritadas para ali estarem, levam consigo percepção e vivência social que por muitos anos não existiam nas reuniões e conversas dos conselhos, uma vez que a perspectiva de diversidade e inclusão, ESG, igualdade e equidade são inerentes às suas vivências em sociedade”. 

Quem ganha com as mulheres negras nesse espaço é toda a sociedade. Ao estar nesses lugares, sua presença é um fator poderoso para minar o pacto da branquitude, como nos alerta Cida Bento: “A branquitude se expressa em uma repetição ao longo da história, de lugares de privilégio assegurados para as pessoas brancas, mantidos e transmitidos para as novas gerações”.

As mulheres negras são as propulsoras da mudança, ao avançar, elas são capazes de mudar as estruturas, em março e o ano inteiro. Estamos com elas!

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