especial – InvestNews https://investnews.com.br Sua dose diária de inteligência financeira Wed, 20 Nov 2024 00:57:17 +0000 pt-BR hourly 1 https://investnews.com.br/wp-content/uploads/2024/03/favicon-96x96.ico especial – InvestNews https://investnews.com.br 32 32 A ascensão do C-390: como o cargueiro militar se tornou uma grande cartada da Embraer https://investnews.com.br/negocios/embraer-como-o-aviao-militar-c-390-se-tornou-uma-grande-cartada-da-empresa/ Mon, 18 Nov 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=630634
C-390, o “SUV” da fabricante de São José dos Campos. Foto: Embraer

“O Antonio está sorrindo numa apresentação da Defesa. Muito bom, Antonio”, disse Bosco Costa Júnior, CEO da Embraer Defesa & Segurança, a unidade de negócios que produz aviões militares, num evento recente. 

A piada interna era para o vice-presidente e CFO da empresa, Antônio Carlos Garcia. E o motivo da eventual falta de sorrisos em apresentações anteriores talvez tenha a ver com a pequena margem de contribuição da unidade de defesa para os lucros da Embraer. 

Mesmo sendo responsável por 11% do faturamento, a Defesa responde por apenas 3% do lucro. Trata-se de uma proporção mirrada ante a da aviação executiva, por exemplo, que gera 27% da receita e 40% do lucro.

Veja o quadro completo aqui embaixo. Ele considera os últimos 12 meses até junho, a última ocasião em que a Embraer divulgou as margens de contribuição de cada uma de suas unidades de negócio.  

“A família está bem distribuída”, disse Antonio Carlos ao apresentar um slide com os dados acima, no mesmo evento – um investor day da Embraer na B3. “E a gente sabe que tem muito crescimento para vir na Defesa, certo Bosco?”

Certo, Antonio. Menos de três meses após o evento, veio o anúncio de que a Suécia se tornaria o sétimo país fora o Brasil a adotar a maior joia de engenharia da Embraer: o cargueiro militar C-390 Millennium. E esse pode ser só o começo de uma jornada promissora, com o potencial de catapultar o faturamento e o lucro da unidade de defesa.

Para entender melhor o potencial da aeronave, vale um contexto histórico.

Um novo game changer

Lá atrás, a Embraer reinventou o transporte aéreo regional. Foi com o ERJ145, de 1995: um pequeno jato de passageiros para 50 pessoas.

Veloz, econômico e com alcance de 3,7 mil km, ele criou um novo mercado, tomando o lugar de lentas e barulhentas aeronaves turboélices – e de jatos beberrões e de baixa autonomia.

O ERJ145 acabaria sucedido pelo mais moderno e espaçoso E175 no início dos anos 2000. E o E175 se tornaria o best seller da Embraer, com 943 aeronaves vendidas – para dar uma ideia do que isso significa: o icônico Boeing 747 vendeu 1,5 mil nos 55 anos em que esteve no mercado.

Embraer E175
E175: o best seller da Embraer, que não tem concorrentes diretos. Mesmo caso do C-390. Foto: Adobe Stock

A companhia de São José dos Campos viveu outros progressos ao longo do século 21. Na aviação executiva, seu Phenom 300 se tornou o jatinho bimotor mais vendido do mundo. Na comercial, as vendas da série E2, a geração mais recente de aviões de passageiros, pegaram tração após um início turbulento.

Mas ainda faltava algo que tivesse o impacto do ERJ145 e do E175, que fosse capaz de recriar todo um setor da aviação. O C-390 talvez seja esse trunfo.

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Ele começou a ser projetado há quase 20 anos, com uma missão ambiciosa: substituir o cargueiro militar de médio porte mais bem sucedido da história: o C-130 Hercules, da americana Lockheed Martin.

O Hercules é quase onipresente no universo militar. integra as Forças Aéreas de 64 países – Brasil incluído. E existe meio que “desde sempre”. Seu voo inaugural aconteceu em 1954. 

O retrô Hercules C-130, da Lockheed: A Embraer criou o C-390 foi com o objetivo de ocupar o nicho desse avião, o dos cargueiros de médio porte, mas com uma aeronave a jato e com (muito) mais tecnologia embarcada. Foto: Getty Images

Dali em diante o Hercules ganhou várias atualizações, mas manteve sua essência retrô. Tal como o Electra (também da Lockheed), que fazia a ponte-aérea Rio SP na década de 1970, ele é de um avião a hélice de quatro motores.

E a Embraer viu aí uma oportunidade. Ela sabia que centenas de Hercules, de várias as Forças Aéreas ao redor do globo, chegariam logo aos 40, 50 anos – a idade em que os aviões se aposentam. 

Começou, então, a desenhar um cargueiro militar de porte semelhante ao Hercules. Só que, claro, numa versão século 21: a jato, em vez de hélice; e com toda a tecnologia embarcada que só um projeto novo pode trazer. Eram os primeiros esboços do C-390.

A Força Aérea Brasileira gostou da ideia e decidiu bancar o projeto. Comprometeu-se a substituir sua frota de Hercules por unidades do novo cargueiro depois que ele saísse do papel – o que aconteceu em 2015, quando vieram os primeiros voos de teste. O C-390 nascia com 36% mais capacidade de carga que o Hércules (26 ton.vs 19 ton.) e uma velocidade máxima 50% maior (988 km/h vs 660 km/h).

Enquanto isso, a unidade de Defesa da Embraer corria o mundo para vender o avião a forças aéreas de outros países. O primeiro a topar foi Portugal, com uma encomenda de cinco unidades. Depois veio a Hungria, com um pedido de duas. 

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A FAB receberia seu primeiro C-390 em 2019. Até agora, chegaram sete. E outros 15 estão programados até 2034 – para quem é menos familiarizado: produzir aviões demanda toneladas de tempo. Portugal já recebeu dois. A Hungria, um. 

Antes, ele era chamado de KC-390. O “k” é de tanker; avião que reabastece caças em voo. Mas ele também funciona como um cargueiro comum, então a Embraer passou a chamar só de C-390. Instalado um kit para reabastecimento em voo, porém, ele se torna um “KC”. O Hercules não tem essa versatilidade. Ou o cliente compra um cargueiro (C) ou compra um tanker (KC). Foto: Embraer

Enquanto produzia os primeiros C-390 para os clientes originais, a Embraer caçava novos países compradores pelo mundo. Fechou com outros cinco: Holanda, Áustria, República Tcheca, Coreia do Sul e, mais recentemente, Suécia – nesse caso, o acordo envolveu o governo brasileiro, que se comprometeu, em troca, a comprar mais nove caças Gripen, em adição aos 36 da encomenda original, de 2014. 

Fato é que o mercado de aviação talvez não seja tão diferente do de restaurantes: ninguém entra em restaurante vazio, mas quando enche começa a rolar fila. “As vendas que nós fizemos abrem portas. São forças aéreas formadoras de opinião, e quem tem gerado curiosidade das demais”, resume Bosco da Costa, da UN de Defesa.

Neste momento, o C-390 tem mais de 40 unidades vendidas, contando os 10 que já foram entregues – não dá para saber o número exato de encomendas, porque os detalhes dos contratos com a Coreia do Sul e a Suécia não foram divulgados. 

O que não falta, de qualquer forma, é demanda potencial.

400 aviões

Contando os Hercules em operação pelo mundo – mais as alternativas soviéticas ao C-130 (como o Antonov AN-32) –, há pelo menos 400 cargueiros de médio porte chegando à aposentadoria em diversos países. “Estamos monitorando todos, e em conversas com vários deles”, disse Bosco, no evento da B3.

Durante a apresentação, Francisco Gomes Neto, CEO da Embraer, dirigiu-se a Bosco. “Acho que você poderia comentar um pouco sobre Saudi [Arábia Saudita] e Índia. Somando os dois dá mais do que tudo o que já vendemos até agora.”

Dá mesmo. A Índia lançou uma concorrência internacional para a compra de 80 cargueiros. E a Arábia Saudita tem 40 aviões antigos que podem ser substituídos pelo C-390 quando pendurarem as asas. 

Concepção artística do C-390 estilizado com os símbolos da força aérea da Coreia do Sul. Ilustração: Embraer

Nos dois casos, Bosco informou, seria necessário terminar a fabricação das aeronaves dentro dos respectivos países, por conta das legislações locais. Ou seja: os cargueiros passariam por uma montagem inicial na planta de Gavião Peixoto (SP) e o restante ficaria a cargo de completion centers que a Embraer montaria na Índia e na Arábia Saudita.

Outro alvo, o mais óbvio de todos, são os Estados Unidos – que também têm uma legislação protecionista. Mas não seria um problema para o C-390. “Eles têm um grande conteúdo americano [peças, sistemas etc.]. Quando você soma o das nações aliadas, passa dos 70%. Isso faz com que o C-390 atenda os requisitos do ‘Buy America Act’”.  

Nem tudo é céu de brigadeiro, claro. A Nova Zelândia, por exemplo, preferiu trocar seus Hércules antigos pela versão mais nova do próprio avião da Lockheed, a C-130J-30. A aeronave da Embraer leva mais carga em menos tempo. Sem dúvida. Mas o Hercules tem mais autonomia com a “caçamba cheia”. Leva 19 toneladas por 4,4 mil km; o C-390, 26 toneladas por 2 mil km. O velho de guerra da Lockheed, então, não é uma aeronave obsoleta. Continua sendo um concorrente forte.

Mas o fato é que Embraer conseguiu, sim, produzir um desafiante capaz de destronar o Hercules. E se as ambições em torno do C-390 forem satisfeitas, a empresa vai dar um salto quântico em termos de receita, e de relevância no mercado global.

Não será a primeira vez. 

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Evolução dos carros elétricos zero km desvaloriza os seminovos em mais de 50% https://investnews.com.br/financas/evolucao-dos-carros-eletricos-zero-km-desvaloriza-seminovos-em-mais-de-50/ Fri, 08 Nov 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=628772

Dá para dizer uma mentira contando só verdades, já dizia aquele comercial célebre da W/Brasil. De alguma forma, isso se aplica ao assunto desta reportagem: a desvalorização dos carros elétricos no mercado de usados. 

Vamos para uma dessas verdades. Em 2021, um Nissan Leaf zero custava R$ 293 mil. Tratava-se de um hatch elétrico discreto, não muito maior que um Chevrolet Onix; e custava, na época, o equivalente a um bom Mercedes com motor a combustão, o C200.

Hoje, um Leaf 2021 sai por R$ 121,7 mil pela tabela Fipe. Quem comprou um lá atrás e quiser vender agora vai amargar uma perda de 58% (em valor nominal, sem contar a inflação).

Quem preferiu um Mercedes C200 não tem esse problema. Pela Fipe, um modelo 2021 sai por R$ 283 mil hoje – quase o mesmo tanto.

Nissan Leaf, um dos pioneiros da eletrificação no mundo, e que deixou de ser vendido no Brasil após a chegada das marcas chinesas.

Outro caso clássico de desvalorização elétrica: o do Audi e-tron. Em 2021, a variante “Performance Black” dessa nave espacial custava R$ 650 mil. Mais do que um nada básico Porsche Boxter GTS 4.0 (R$ 609 mil na época). 

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Agora o e-tron de três anos atrás vale bem menos: R$ 360 mil pela Fipe. O Porsche? R$ 700 mil – não um novo; o usado mesmo. Ou seja: quem levou um e-tron e está vendendo agora perde 45%. E quem escolheu um Boxter GTS, a combustão, ganha 15%. Nada mau. Tem fundo que rendeu menos do que isso de 2021 para cá – sem incluir no pacote o usufruto de um Porsche por três anos…

Audi e-tron: a versão 2021 era uma nave espacial, mas com autonomia menor que a de um Dolphin Mini de hoje.

Ok. Mercedes e Porsche nem sempre são boas referências – o mercado de luxo tem suas esquizofrenias. Então vamos comparar aqui com algo mais frugal: o T-Cross Highline

Em 2021, esse VW 1.4 turbo custava R$ 153 mil. Hoje, o usado de três anos atrás sai por R$ 113 mil. Perda de 26%. Bem menor que os -45% do e-tron ou os -58% do Leaf.

Caso encerrado. É fato que elétricos com alguns anos de uso estão perdendo mais valor do que carros a combustão. Mas essa é só uma parte da história, porque um fato essencial ainda não entrou em cena aqui.

Vamos a ele.

Dolphin: desvalorização suave

Carro elétrico é um personagem que só ganhou corpo no cenário automotivo nacional agora, em 2024 mesmo – neste ano, até outubro, as vendas foram 420% maiores do que no mesmo período do ano passado.

Isso configura um Big Bang. E o criador dessa grande explosão é, em grande parte, a BYD. 60% dos elétricos vendidos no Brasil são ou Dolphin Mini (17,1 mil entre janeiro e outubro) ou Dolphin ‘normal’ (13,1 mil), os best sellers da marca chinesa. E vale mencionar o Ora 03, da rival GWM (2,9 mil), cujas vendas têm engrenado também. 

O Dolphin Mini não é um Dolphin. É outro carro, o Seagull – um projeto mais novo. Quando a BYD trouxe para a América Latina, porém, rebatizou o carro para que ele pegasse carona no sucesso do Dolphin.

Esses três modelos custam na faixa dos cento e tantos mil reais – pouco para os padrões de 2024 – e trazem na manga uma vantagem enorme em relação aos elétricos mais antigos: autonomia de gente grande. 

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Vamos voltar ao caso do Nissan Leaf. A versão 2021 dele, sobre a qual falamos aqui, conseguia rodar até 192 km com uma carga – pela aferição do Inmetro. Ele custava R$ 293 mil há três anos, certo? Bom, contando a inflação, isso dá R$ 340 mil em dinheiro de hoje. 

O Dolphin Mini custa uma fração disso, R$ 115 mil. E a autonomia é quase 50% maior: 280 km. O Ora 03 GT e o Dolphin Plus, as versões mais caras desses dois elétricos, fazem 320 km e 330 km. Tanto um como o outro custam um pouco menos de R$ 190 mil.      

Com tanta autonomia disponível a preços bem mais baixos que os de poucos anos atrás, é óbvio que o preço do Leaf iria despencar no mercado de usados. 

E o do e-tron também. Sabe qual era a autonomia dele em 2021? 246 kmmenor que a de um Dolphin Mini. Aí não tem a quem apelar. Aconteceu uma evolução fora de série, que tornou obsoletos carros ainda jovens o bastante para serem chamados de seminovos. Também sofreram as versões elétricas do Renault Kwid, do Peugeot 2008, o Caoa Cherry iCar…  

Já entre os seminovos elétricos desta geração, acontece o oposto: desvalorização tem sido menor que a dos modelos a combustão. A do mais vendido, o Dolphin Mini, ainda não dá para auferir, já que ele não tem um ano de mercado. A do Ora 03 também não, pelo mesmo motivo. 

Mas o Dolphin normal está entre nós a mais tempo. Então pode ser nossa cobaia. Um básico de 2023, com um ano de uso, custa R$ 129 mil na tabela Fipe. 13,8% a menos na comparação com o preço do ano passado (R$ 149 mil).

BYD Dolphin, o desbravador: esse elétrico que foi, para o Brasil, o que os modelos da Tesla representaram nos EUA e na Europa.

Para dar uma ideia: a desvalorização do Hyundai Creta, o carro mais vendido do país no varejo, foi de 16% nesse mesmo caso. A do Jeep Renegade, outro queridão do grande público, 15,6%.

Certo. Mas tem outro fato que colabora para a desvalorização acelerada dos elétricos mais antigos: a desconfiança em relação à durabilidade da bateria. Em um ano, isso não conta. Como as montadoras dão até oito anos de garantia nela, sabe-se que em 12 meses não haverá uma grande diferença. Então isso não afeta a cotação dos seminovos de um ano atrás.

Mas quando vai passando disso a preocupação entra em cena. Um celular vira tijolo em poucos anos, e ninguém quer que isso aconteça com um carro. 

Só que essa ansiedade tem pouco fundamento: as baterias duram mais do que o senso comum imagina. 

82,5% de bateria em 10 anos 

Para entender melhor essa parte, vale olhar para o caso do Model S, o primeiro sedan da Tesla. Ele é um dos poucos elétricos no mercado global com mais de 10 anos nas costas; e mesmo no passado remoto já tinha uma autonomia bacana – até 400 km, dependendo da versão.

A NimbleFins, uma seguradora btritânica fez um estudo com base em 625 desses Teslas, a partir de informações enviadas pelos donos entre 2013 e 2022. E concluiu o seguinte: modelos com dez anos de idade retêm, em média, 82,5% da capacidade original da bateria. Isso significa que um Model S 2013 com 400 km de autonomia chegou a 2023 aguentando 330 km. 

GWM Ora 03: ele ocupa o 4º lugar entre os 100% elétricos mais vendidos, atrás do Dolphin Mini, do Dolphin ‘normal’ e do esportivo BYD Seal.

Seu celular certamente não faria isso. Em 10 anos, ele vira telefone fixo – só funciona ligado na tomada o dia todo.  

Tudo mentira lá da seguradora britânica, então? Não. Porque estamos falando de animais distintos. “Todas as baterias de carros eletrificados têm sistemas de refrigeração, que aumentam muito a vida útil; ao contrário dos celulares. É por isso que a comparação não é válida”, disse a GWM Brasil em nota para o InvestNews. Essa é a diferença.

As barras de 5, 6 e 7 anos destoam do padrão porque cada idade de carro é formada por uma amostragem diferente. Nesses casos, é provável que tenham entrado veículos de bateria mais bem-cuidada.

Certo. Mas e depois de dez anos? O carro vira abóbora? 

Até vira. Mas ainda dá para fazer um purê com essa abóbora. Outro estudo, agora da canadense Geotab, uma companhia de gerenciamento digital de frotas, mostra que os elétricos de hoje têm o potencial de chegar aos 20 anos com a bateria em 64% da capacidade original. Um carro que nasceu com autonomia de 400 km, então, aguentaria 256 km; um de 300 km, 192 km (sempre em média, claro, já que a durabilidade varia de acordo com a intensidade do uso). 

Não é o fim do mundo, mas claro que aí o valor de revenda implode. No mundo dos carros a combustão, porém, é a mesma coisa. Um Toyota Corolla XEI 2004 (para mencionar um modelo reconhecidamente durável) custa R$ 30 mil na Fipe – 80% menos que um zero, de R$ 160 mil. A morte chega para todos.

Mas nada do que falamos até agora justifica outro fato: o de que o preço dos elétricos usados está caindo com força no exterior, mesmo entre aqueles modelos que sempre tiveram boa autonomia (os Teslas). A resposta para esse paradoxo está logo abaixo. 

22% de progresso em cinco anos  

O que pegou lá fora foi uma mudança no modelo de negócios da Tesla – que domina o mercado nos EUA e na Europa. Em 2023, ela reduziu o preço de seus carros em até 30%. Era uma reviravolta. Em vez de fazer margem, cobrando o máximo possível em relativamente poucos carros –, a companhia decidiu operar no volume, ganhando menos por veículo, mas vendendo mais unidades. É do jogo. E as outras montadoras seguiram os passos de Elon Musk, cortando preços.

Só que isso fez desmoronar o valor dos elétricos usados lá fora, já que o preços dos zero km é a grande referência aí.

Um Model S 85D, o de 400 km de autonomia, custava US$ 89,4 mil em 2015. Hoje, o preço médio dele no mercado de usados lá é de US$ 22 mil, de acordo com o Cars.com. Dá 75% de desvalorização.  

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Sim, nos EUA os usados desvalorizam mais do que no Brasil. O salário médio por lá equivale a R$ 28 mil por mês, contra R$ 3,5 mil aqui. Então sobra mais para comprar carro zero. Sobra tanto que o veículo mais vendido por lá é uma picape de grande porte, a F-150, da Ford.

Mesmo assim, 75% de perda é uma bomba. Uma F-150 intermediária custava US$ 39 mil por lá em 2015. A usada desse mesmo ano sai por US$ 20,3 mil hoje. Queda de apenas 48%.

Só que a F-150 não passou por cortes no preço da versão zero. Para comparar direito, então, só tem uma forma: bater o valor do carro usado com o de um novo, de 2024.

Um Model S novo custa US$ 76,7 mil. Confrontando com o preço do usado de 2015, temos aí uma desvalorização menos grave, de 71%

Fazendo a mesma conta para a F-150, cujo modelo zero está em US$ 63,2, o que há é uma queda de… 68%.

É isso. Tirando da equação a baixa forçada no preço do zero, a desvalorização de um Tesla com nove anos de uso é parecida com a do carro a combustão mais vendido dos Estados Unidos

Isso mostra que o fator “medo da durabilidade da bateria” já é, no mínimo, menos relevante no mercado americano. De outra forma, a diferença entre ambos os usados em relação aos seus pares zero km seria bem maior.

Mas tem outra. A evolução rápida dos elétricos também pode afetar o valor dos modelos de hoje no mercado de usados do futuro. Num estudo de 2019 (também da Geotab, aquela empresa canadense), concluíram que as baterias perdiam 2,3% de capacidade a cada ano. No estudo mais recente deles, que citamos lá atrás, constataram que essa taxa média tinha baixado baixado para 1,8% em 2024. Temos aí, então, um progresso de 22% em cinco anos.

Legal. Mas se a evolução das baterias seguir rampante desse jeito, alguns elétricos de hoje também podem viver desvalorizações fora da curva lá na frente – principalmente os de autonomia menor, já que esses são os que tendem mais rápido à obsolescência.

É uma verdade não muito conveniente para quem está comprando um elétrico agora. Mas que também faz parte do jogo.  

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Cerveja artesanal ganha status de “premium” no Brasil e desbanca marcas estrangeiras https://investnews.com.br/negocios/cerveja-artesanal-muda-a-cara-e-o-gosto-do-mercado-brasileiro/ Wed, 30 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=624651 Três garrafas de cerveja com rótulos diferentes são alinhadas diante de um gráfico de linha ascendente sobre um fundo amarelo pontilhado.
Ilustração: João Brito

Se alguém bom de copo se desafiar a beber um rótulo diferente de cerveja brasileira por dia – e só aquelas oficialmente registradas –, levaria 126 anos para cumprir a tarefa. Há pouco mais de dez anos, o mesmo desafio poderia ser realizado em alguns meses.

O que mudou de lá para cá? Houve um “Big Bang” das cervejas artesanais no país. De repente, lá em meados da década de 2010, todo um novo universo de bebidas fermentadas começou a brotar, com dúzias de novos tipos e centenas de novos sabores.

O censo brasileiro das cervejarias independentes da Associação Brasileira da Cerveja Artesanal (Abracerva) mostra que 86% das microcervejarias nacionais foi fundada a partir de 2015.

E o cosmos das bebidas artesanais tem se expandido com velocidade. O Brasil saiu de 114 pequenas fabricantes de cerveja registradas no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) em 2010 para 1.847 no ano passado. Trata-se de um crescimento de 1.520% – mais de 16 vezes em 13 anos. Hoje elas representam um faturamento anual respeitável, de R$ 1,6 bilhão.

Ok, a cerveja artesanal mudou de patamar. Mas, passado o entusiasmo inicial com a novidade, a indústria enfrenta novos desafios. O primeiro é conquistar mais espaço na mesa dos brasileiros em um mercado amplamente dominado pelas gigantes do setor. Os dados da Abracerva indicam que, mesmo após o crescimento todo, as microcervejarias detém apenas 2% das vendas.

Mais de 45 mil variedades

Três grandes grupos ainda dominam o nosso mercado, de forma ampla. Ambev, Heineken e Petrópolis respondem, juntas, por 94,7% das vendas de cervejas no país, segundo dados da Nielsen.

Os 3% que sobram ficam com as cervejarias médias (caso da Germânia, para citar uma marca célebre) e as importadas. Mesmo assim, a frestinha que resta às microcervejarias representa uma oferta cada vez mais diversificada de produtos, sabores e sotaques. Já são 45,6 mil rótulos e 3,5 mil receitas registradas pelas pequenas fábricas (a mistura das fórmulas gera variedades distintas).

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O florescimento da cerveja artesanal marcou o início de uma mudança na cultura dessa bebida à base de lúpulo, malte e cevada. Até o início dos anos 2000, o mundo da cerveja brasileira era uma terra plana, dominada, basicamente, por um único sabor, o tipo pilsen.

Nos primeiros anos do século 21, o consumidor brasileiro começou a descobrir um planeta de variedades que desciam mais redondas por meio das marcas importadas. Foi então que termos como IPA, weizenbier, pale ale, stout e porter começaram a se tornar parte dos papos de boteco, dos churrascos e festas Brasil afora.

Esse foi o terreno fértil para o surgimento de uma nova indústria local de cervejas artesanais para concorrer com as garrafas estrangeiras. As microcervejarias têm comido pelas bordas do mercado, mas, na verdade, concorrem mesmo com as marcas importadas. O público as identifica como parte de um segmento premium.

E as estatísticas reforçam essa percepção. A importação brasileira de cerveja segue em queda desde 2019. No ano passado, o volume da bebida trazido de fora atingiu o menor nível desde o início dos anos 2000.

Nacionais goleiam estrangeiras

As importações caíram 86,7% em relação ao pico histórico, de 2018. Em 2023, o Brasil trouxe de outros países 7,13 milhões de litros frente a 53,7 milhões de litros há seis anos. Em valores, a queda atingiu 39,4% para meros US$ 8,6 milhões.

A profusão de marcas surgidas no Big Bang é a grande responsável pela derrocada das marcas gringas. E ela também começa a sedimentar uma nova cultura cervejeira. Muitos produtos se tornaram atrações em suas regiões de origem. É quase como torcer para um time da sua cidade natal.

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Os dados do Ministério da Agricultura e Pecuária indicam haver 771 cidades no Brasil que contam com, pelo menos, uma cervejaria para chamar de sua.

Piracicaba (SP), para citar um caso, costuma receber visitantes atraídos pela Rota Cervejeira local. O circuito inclui a visita a 12 cervejarias artesanais da região, desde a pioneira Cevada Pura, lançada em 2001, até a premiada Dama Bier, que chega a 14 Estados brasileiros.

Microrrevolução própria

Gilberto Tarantino, presidente da Abracerva e dono de uma microcervejaria que leva seu sobrenome, vivenciou toda a transição desde a descoberta dos novos sabores por meio das marcas importadas até a guinada da indústria nacional. “Antigamente todo mundo falava só da água, que o sabor dependia da água. Mas hoje os consumidores entendem, por exemplo, que existe uma profusão de leveduras. O malte também pode ter várias pegadas diferentes, assim como o lúpulo, que funciona como se fosse a pimenta da cerveja.”

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Tarantino conta que, antes de criar sua própria marca, tinha uma importadora de cervejas. “Há 15 anos não existiam produtos similares no Brasil”, explica. O reinado dos rótulos de fora durou pouco. Pequenos produtores brasileiros rapidamente perceberam que poderiam criar as próprias receitas de variedades sofisticadas. “Essa mudança começou há uns 12 anos. Os pioneiros investiram em aromas e sabores diferentes do que tinha no nosso mercado.”

Foi quando Tarantino decidiu fabricar a própria cerveja. Em 2018, montaria uma fábrica em São Paulo – que também abriga um amplo bar, onde os clientes podem degustar variedades como a Miracle IPA ou a Manga IPA, que leva a fruta na composição.

Identidade nacional

Um dos grandes desafios do setor das cervejas artesanais hoje recai sobre a construção de uma identidade nacional. Tarantino ressalta o potencial de cervejeiros usarem ingredientes brasileiros na receita.

O mercado brasileiro já exibe vários exemplos de cervejas com frutas. O açaí aparece, por exemplo, na Sout Açaí, da Amazon Beer. A uvaia virou ingrediente da Nativas Uvaia, da Burgman. Ou ainda a jabuticaba da Saison Madureira, feita pela Brasiliana.

Existem ainda outra forma de trazer brasilidade para as cervejas: usar barris de madeiras nativas. É o caso das Fresh Hops série madeiras Umburana e Cumaru, da Tarantino.

Cerveja de mandioca Alagoas Funky Wild
Cerveja de mandioca Alagoas Funky Wild premiada na Brasil Beer Cup Fonte: divulgação

O presidente da Abracerva conta ainda haver uma terceira grande vertente em gestação: o uso de uma levedura derivada da mandioca. A associação iniciou um projeto no qual 50 pequenos produtores brasileiros criaram receitas próprias com o uso do novo ingrediente.

A levedura é um tipo de fungo microscópico que fermenta, ou seja, transforma a mistura de água, malte, lúpulo e cevada na cerveja. O projeto Manipueira Selvagem (nome do fermento extraído da mandioca) usa esse novo catalisador para obter um produto com raízes genuinamente nacionais.

A Abracerva tem levado a “cerveja de mandioca” a eventos internacionais e se prepara para exportá-la.

Três modelos de negócio

Gustavo Alves, dono do Köbes Emprium Bar e diretor da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), faz parte do time de microcervejeiros. Ele produz e vende as IPAs, witbiers e lagers que levam sua marca no próprio estabelecimento desde 2019.

O especialista explica haver no segmento de cervejas artesanais, basicamente, três modelos de negócios. Há os chamados “brewpubs”, ou seja, bares que fabricam e vendem as bebidas no local. O jeito mais comum de entrar no mercado, no entanto, tem sido montar uma pequena indústria e distribuir a produção para bares, restaurantes, empórios e supermercados de sua região. “É um nicho, não um negócio de grande volume. O público local abraça o rótulo local.”

Existe ainda um formato conhecido como cigano, no qual o empreendedor aluga os momentos ociosos da fábrica de um terceiro para produzir as próprias receitas.

Um brinde às vendas online

A indústria artesanal se beneficiou ainda da chegada dos marketplaces digitais, como o Mercado Livre e outros varejistas. “Para os menores, as plataformas online atendem muitas vezes melhor do que os supermercados. Dá para vender direto para os bares, por exemplo.”

Gustavo Alves explica que disputar as gôndolas de grandes redes de supermercados é uma missão quase impossível para as pequenas empresas diante da concorrência com as gigantes do setor. Porém, no digital, o marketing boca a boca, ou melhor, garganta a garganta, consegue até ultrapassar as fronteiras regionais.

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A Ecobier, de Socorro (SP), pode ser encontrada em centenas de estabelecimentos em quatro Estados do Sul e Sudeste. A Coruja, que nasceu em Estrela (RS), mas atualmente é produzida na cidade de Forquilhinha (SC), também faz parte da leva de microcervejarias com alcance supra regional.

Após o Big Bang, o mercado brasileiro de cervejas artesanais entrou em uma fase de maior reconhecimento. Mas ele ainda é diminuto. Nos EUA, onde também reinam as cervejas amarelinhas de baixíssima complexidade, as artesanais já respondem por 24,7% das vendas. Ou seja: ainda há muito terreno para elas expandirem por aqui.

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‘Imposto para milionários’ atingiria 15 mil pequenas empresas adeptas do Simples   https://investnews.com.br/economia/imposto-para-milionarios-atingiria-15-mil-pequenas-empresas-adeptas-do-simples/ Tue, 29 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=625893
Ilustração: João Brito

One for you/nineteen for me…“, diz a letra de “Taxman”, dos Beatles. O personagem da música, composta por George Harrison em 1966, é um coletor de impostos. “Um para você, dezenove para mim”, ele determina. 

É uma referência ao imposto sobre grandes fortunas que vigorava no Reino Unido da época – 95% dos ganhos que ultrapassassem um certo patamar ficavam com o governo. E George, um recém milionário de 23 anos, não ficou nada contente. Tanto que seu personagem também diz, com ares de vilão Shakesperiano: “Se os 5% que sobraram te parecem pouco; agradeça por eu não ter levado tudo”.

Agora o governo daqui planeja algo que pode inspirar músicas de protesto parecidas, ainda que não planeje algo tão draconiano. Estamos falando do “imposto mínimo” para quem tira a partir de R$ 1 milhão por ano. 

A questão: pelos dados do IR de 2022, o mais recente disponível, 307 mil brasileiros declararam um ganho de mais de R$ 1 milhão no ano. Boa parte desse pessoal tem fontes de renda isentas de impostos – como dividendos e cotas de fundos imobiliários.

Até aí, normal. O problema, para o governo, é que uma parte desse clube está totalmente isenta. Desses 307 mil, 115 mil tiraram R$ 1 milhão ou mais apenas com dividendos de empresas – sem pagar imposto sobre esses ganhos.

Caso você seja um feliz proprietário de 0,064% das ações da WEG, por exemplo, recebeu R$ 1 milhão em dividendos da fabricante de motores elétricos; e não pagou um real de tributo – houve outros R$ 554 milhões em juros sobre capital próprio (JCP); mais aí não conta, já que esse é um provento tributado.

5,3 milhões de brasileiros declararam o recebimento de dividendos no IR de 2022 – de acordo com um levantamento do economista Sérgio Gobetti, pesquisador do Ipea e ex-secretário de Política Fiscal do Ministério da Fazenda. Essa é a base de dados mais recente. No total, essas pessoas informaram o recebimento de R$ 859 bilhões em proventos. Quase metade do bolo, R$ 403 bi, veio do seleto grupo dos 115 mil – os que receberam mais de R$ 1 milhão só em dividendos.

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Um imposto de 15% (igual ao dos “ganhos de capital”) só sobre esses R$ 403 bilhões que ficaram isentos já daria R$ 60 bilhões. Seria mais do que o suficiente para bancar a isenção de IR a quem ganha até R$ 5 mil – proposta que Lula toca em paralelo, e que tiraria até R$ 45 bilhões dos cofres públicos. Daí o olho grande do governo sobre os ganhos com dividendos. 

Claro que acionistas graúdos de mega empresas respondem por uma parte considerável dessas 115 mil pessoas. Mas a maior fonte de dividendos do país, veja só, não são as grandes companhias. As empresas médias, com faturamento de até R$ 78 milhões por ano, respondem pela fatia mais grossa: R$ 350 bilhões no IR de 2022. E elas não estão na bolsa.

As que estão, e suas pares de grande porte com capital fechado, foram responsáveis por R$ 257 bilhões em dividendos (mais um extra de R$ 29,7 bilhões em JCP, só para constar). Dá só 30% do total.

Já as pequenas, com receita de até R$ 4,8 milhões, geraram um montante em dividendos quase tão expressivo quanto os titãs da B3: R$ 222,5 bilhões. Veja aqui as fatias que formaram o bolo de R$ 859 bilhões em proventos:

Aqui vale uma pausa. Para boa parte das pessoas, a palavra “dividendo” só se refere a proventos pagos por empresas de capital aberto aos acionistas. Mas não é só isso. O termo também se aplica ao rendimento de qualquer pessoa que trabalhe como PJ, em vez de CLT. 

Quem trabalha como CNPJ praticamente só paga impostos na pessoa jurídica. E com as conhecidas vantagens tributárias. Sobre um salário CLT, todos os ganhos acima de R$ 4,6 mil são tributados em 27,5%. Em cima de um “salário PJ”, o comum é que mal passe de 10%.

Empresas pequenas, médias e grandes vivem sob regimes diferentes de tributação. As que faturam mais de R$ 78 milhões por ano pagam 34% sobre o lucro. Trata-se de uma tarifa alta na comparação com outros países – a média nos 38 membros da OCDE é de 23,6%.

Quase todos os países do mundo tributam dividendos. E com força: 25% na média dos países da OCDE. O redondo 0% do Brasil é uma exceção gritante.

Quem defende a continuidade da isenção, de qualquer forma, evoca o nosso tributo fora da curva na pessoa jurídica. Colocar outra taxa sobre a física, por esse argumento, configuraria uma bitributação abusiva. Nesta outra reportagem do InvestNews, mergulhamos na discussão, com mais dados. 

Porque o assunto central aqui é outro: o fato de que 68% dos dividendos vieram de pequenas e médias empresas, que já contam com descontos expressivos na tributação. 

As companhias médias, aquelas com faturamento até R$ 78 milhões, ficam sob o regime de “lucro presumido” (mais amigável que o de “lucro real”, das grandes). Sob essas regras a tributação pode ficar abaixo de 20%. Ou seja: haveria uma manga razoável para taxar os dividendos que os sócios recebem na pessoa física. Mais ainda se essa tributação restringir-se a quem tira mais de R$ 1 milhão ao ano.

Vale o mesmo para as pequenas, as que faturam até R$ 4,8 milhões. O regime de taxação ali é o do Simples Nacional – que pode ficar em menos de 10%, dependendo do caso. 

Só que mesmo nessa faixa há quem tire mais de um milhão em lucro limpo. No IR de 2022, foram 15 mil pessoas – 5% do total. Entram aí profissionais liberais autônomos e funcionários que ocupam altos cargos em empresas e recebem como pessoa jurídica.    

“Difícil encontrar nesse grupo quem tenha comércio ou indústria. O lucro que sobra não chega a isso. Mas nos serviços tem muita gente”, diz Sérgio Gobetti. “O advogado, o médico, o PJ… Eles nadam de braçada. O custo pode ser um aluguel, secretária, mas quase todo o faturamento vira lucro.”

A tendência, então, é a de que o Leão avance sobre esse público. Mas é recomendável que não vá com muita sede ao pote. No Reino Unido, os impostos sobre grandes fortunas criaram distorções. Boa parte do topo da pirâmide mudou de domicílio fiscal – e a prática de morder 95% (às vezes mais) da renda deixou de existir.

Dos tributos mais pesados por lá, restou o imposto sobre heranças, de 40%. George Harrison, escaldado, livrou a família dessa. Morto em 2001, deixou sua fortuna de 99 milhões de libras à cargo de um trust – uma companhia de investimentos, orientada a transferir dinheiro aos herdeiros sempre que eles precisassem. Com esse artifício, o imposto sobre herança não se aplica. George 1 X 0 Taxman.

George Harrison, em 1965, na época em que começou a incomodar-se seriamente com o imposto sobre grandes fortunas que vigorava no Reino Unido. Foto: David Redfern/Redferns/Getty
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Brasil é um dos únicos países que não tributam dividendos. Há espaço para começar https://investnews.com.br/economia/brasil-e-um-dos-unicos-paises-que-nao-tributam-dividendos-ha-espaco-para-comecar/ Tue, 29 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=625894
Ilustração: João Brito

A ideia de tributar dividendos voltou à mesa. Paulo Guedes tinha defendido, sem sucesso, em 2021; agora, Haddad e equipe veem nela um possível sopro de ar fresco para as esganadas contas públicas – ou seja, a tributação de proventos mostra-se uma das poucas bandeiras capazes de perpassar o espectro ideológico de uma ponta a outra. 

Faz sentido que seja assim. Praticamente só paraísos fiscais não cobram impostos sobre dividendos. Países com estofo sempre taxam essa fonte de renda. Dos 47 que são ou membros da OCDE ou nações candidatas a entrar nesse clube (caso do Brasil), só três países não cobram: Estônia, Letônia e o impávido colosso aqui. 

As taxas variam brutalmente: 5% na Grécia, 7% na Argentina, 8% na Romênia, 12,5% em Burkina Faso, 20% na China, 39% no Reino Unido, 42% na Dinamarca… Mas o fato é que todo mundo cobra.

Por que não aqui, então? Quem resiste à ideia cita um fato: a carga tributária sobre o lucro das empresas, na pessoa jurídica, é extremamente alta no Brasil.    

E é mesmo. 

Somando os dois impostos que as empresas daqui pagam em cima do lucro, o IRPJ e a CSLL, temos uma tarifa de 34%. Entre os membros da OCDE, só a Colômbia cobra mais do que isso (35%). E a média entre os membros da Organização Econômica para Cooperação e Desenvolvimento é de apenas 23,6%.

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Num cenário assim, taxar dividendos soa como uma bitributação abusiva. Mas esse roteiro tem um plot twist. “Quando você compara a tributação do lucro somando o que se paga como pessoa jurídica e como pessoa física, o Brasil tem uma das menores cargas na comparação com os países da OCDE”, diz o economista Sérgio Gobetti, pesquisador do Ipea e ex-secretário de Política Fiscal do Ministério da Fazenda no governo de Dilma Rousseff.

De fato. Na Irlanda, famosa pela legislação amigável à livre iniciativa, os impostos sobre o lucro, na PJ, são de parcos 12,5%. Mas a tributação sobre os dividendos, na física, chega a 51%

Funciona assim: para um lucro de €100 milhões no país da cerveja Guiness, sobram €87,5 milhões depois dos impostos na jurídica. Aplique 51% sobre esse tanto, e vai restar €42,9 milhões. Tributação total: 57,1% – contra os 34% daqui.    

Fato é que a média dos 38 membros da OCDE por esse critério sobe para 42%. Veja aqui onde o Brasil se encontra na comparação com eles:

Nesta outra visualização, confira melhor os países que mais cobram na PJ e os que mais tributam na PF: 

Importante ressaltar: o resto do mundo costuma taxar mais o acionista do que a empresa em grande parte porque isso serve como estímulo para o reinvestimento dos lucros na própria companhia. A tendência aí é que a companhia cresça mais, gerando mais empregos e mais PIB, e sem ter de pagar tanto imposto por isso. 

No Brasil, o estímulo vai na direção oposta. A empresa é penalizada por lucrar, dada a taxa escorchante. E o acionista acaba recompensado por tirar dinheiro de uma atividade produtiva e colocar no próprio bolso, já que não paga impostos sobre dividendos. 

A diferença entre dividendos e JCP

O assunto aqui são os dividendos das empresas de capital aberto. Aqueles que você eventualmente recebe quando compra ações delas na bolsa. Não entram aqui, então, as vantagens tributárias das pequenas e médias empresas. Nem a isenção de impostos sobre os ganhos que os sócios dessas PMEs colocam no campo “lucros e dividendos recebidos” lá na declaração do IR. Esse é o tema de outra reportagem do InvestNews que você pode acessar aqui.     

Também tem a questão dos juros sobre capital próprio (JCP). É um tipo de provento que só existe no Brasil. A tributação, nesse caso, é inversa. A empresa não precisa contabilizar como lucro o que distribui na forma de JCP. Fica como se fosse uma despesa. Então ela acaba pagando menos IRPJ e CSSL. Em compensação, os acionistas arcam com um imposto de 15%, que fica retido na fonte. 

No fim das contas, essa ferramenta troca um imposto de 34% na PJ por um de 15% na PF. Vale a pena para a empresa – se os acionistas toparem pagar o pato. 

Mas a quantia que as companhias podem distribuir a título de JCP é restrita a uma porcentagem do patrimônio líquido – aquilo que a empresa possui menos as dívidas. Só quem tem um enorme patrimônio líquido consegue pagar o grosso de seus proventos na forma de JCP. É o caso dos bancos. O BB, por exemplo, pagou dividendos de R$ 0,53 por ação em 2024. Em JCP, bem mais: R$ 2,62. 80% do total. 

Mas no geral o volume na forma de JCP é mirrado. Representa cerca de 10% do bolo que as empresas de capital aberto distribuem.

De volta, agora, ao mundo dos dividendos comuns, os isentões. 

A ideia do governo não é tributar todo mundo que receba esse tipo de provento – ao menos pelo que foi divulgado até agora. É criar um “imposto para milionários”. Mais especificamente, para quem ganha mais de R$ 1 milhão por ano.

Só esses pagariam alguma coisa sobre o que recebem a título de dividendos – seja de suas próprias empresas, seja via ações de companhias de capital aberto das quais detêm ações.  

Não é diferente do que acontece em vários países da OCDE – várias das tarifas ali na tabela são o teto, aplicável apenas ao topo da pirâmide. Vale examinar o caso mais relevante, o dos Estados Unidos. 

Nos EUA, menos de 1% paga o imposto cheio

A taxa que o governo federal cobra sobre dividendos por lá é de 20%. Na prática, dá mais do que isso, já que os Estados também cobram seus próprios IRs. Para não entrar num labirinto tributário, vamos focar só no IR federal deles – que responde pelo grosso do tributo, de qualquer forma. 

Só que menos de 1% da população da população americana paga a “tarifa cheia”, de 20%.

Pela lei, essa taxação só vale para quem tira a partir de US$ 492.300 por ano. Em reais, dá R$ 2,8 milhões – ou R$ 234 mil por mês. E quem ganha tudo isso? Só um punhado de cidadãos americanos. 

Ganhos a partir de US$ 430 mil por ano já colocam uma pessoa no clube do 1% mais rico de lá. E a tributação máxima começa ao norte desse marco.

Quem tira entre US$ 44.625 e US$ 492.299 paga uma tarifa intermediária de imposto federal sobre dividendos: 15%. Pouco mais da metade (56%) da população americana está nessa faixa.

Abaixo dos US$ 44.625 anuais, você não paga nada. Ou seja: 44% da população americana está isenta de imposto sobre o ganho com dividendos.

A renda média nos EUA é de US$ 42.220 anuais. Em dinheiro brasileiro por mês, dá R$ 20 mil – no nosso país são só R$ 1,8 mil; é a diferença entre um país rico e um país pobre. Mas esse é outro assunto. O que importa aqui é: quem tira a razoável renda média dos EUA já está dentro da faixa de isenção. Faz diferença num país onde 65% da classe média tem ações – no andar de cima, são 87%; no de baixo, 25%.

Por aqui, a fórmula que o governo tem em mente é mais intrincada que a dos EUA.

Ficaria estipulado um “imposto mínimo” para quem ganha de R$ 1 milhão pra cima. Vamos dizer que esse mínimo seja de 15% (ainda não estipularam). Se você tirou R$ 1 milhão em salário CLT, já pagou 27% em cima disso. Então tudo certo. Não vai ter de pagar mais nada. 

Mas… Quem tirou R$ 1 milhão de salário mais R$ 1 milhão em dividendos terá pago “só” R$ 270 mil (aqueles 27% CLT). R$ 270 mil, na comparação com o montante total de R$ 2 milhões, corresponde a 13,5%.

Pronto. Caso o imposto mínimo passe pelo Congresso e a alíquota seja mesmo de 15%, vão faltar 2,5% de R$ 2 milhões. E o leão gentilmente te exigirá R$ 50 mil extras.

Mais um exemplo: se a fonte do outro milhão foram cotas de fundos imobiliários, que são isentas, paga-se os R$ 50 mil extras do mesmo jeito. Mas se ele veio dos rendimentos de uma herança de R$ 10 milhões aplicada num fundo comum, fica por isso mesmo – num caso assim, você já vai ter desembolsado um IR de pelo menos 15%, na fonte.

Vale lembrar que, no Brasil, só 307 mil pessoas tiram mais do que R$ 1 milhão por ano (R$ 83 mil mensais). Dá 0,22% da população adulta.

É isso. No link aqui embaixo, entenda melhor o impacto que a taxação de dividendos para esse grupo teria no país:

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Em semana-chave das concessões, a CCR sob Miguel Setas é colocada à prova https://investnews.com.br/negocios/em-semana-chave-das-concessoes-a-ccr-sob-miguel-setas-e-colocada-a-prova/ Mon, 28 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=625012 Recorte de uma foto de Miguel Setas, CEO do Grupo CCR, Um homem de terno escuro e gravata sorri discretamente em uma foto preto e brauco sobre um fundo azul e roxo com elementos gráficos e uma nota de 50 reais parcialmente visível.
Miguel Setas, CEO da CCR (Ilustração: João Brito)

É comum encontrar Miguel Setas em eventos do mercado financeiro falando sobre os planos da CCR para a próxima década, que ele chama de “Ambição 2035”. O diálogo com os investidores virou uma rotina do executivo português, de 53 anos, desde que ele passou a comandar uma das maiores empresas de mobilidade da América Latina, em abril de 2023.

Em suas interações, Setas mostra sempre muito pragmatismo: é preciso conciliar crescimento de dois dígitos ao ano, arrematar novas concessões e manter o endividamento controlado. Esse discurso será colocado à prova mais uma vez nesta semana – o ponto alto da agenda do ano para o setor de infraestrutura –, em que duas rodovias vão a leilão, com uma demanda de R$ 13,2 bilhões em investimentos. Em pelo menos um dos certames é esperada a participação dos grandes players, entre eles a CCR, que não leva uma concessão há três anos.

“Estamos com a casa arrumada para sermos competitivos nos leilões”, afirmou Miguel Setas em rápida conversa com o InvestNews. Como de costume, o executivo despistou se a empresa vai participar das disputas pela Rota Sorocabana e Rota do Zebu, que ocorrem nesta quarta (30) e quinta-feira (31). “Na sexta-feira, você vai saber.”

A CCR é uma gigante de mobilidade que reúne mais de 30 ativos de infraestrutura, entre rodovias, trens urbanos e aeroportos. Somente em estradas, são 3.615 km administrados em cinco Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina). Mas a última vitória da CCR em um leilão de concessão foi em outubro de 2021, quando renovou a gestão da Dutra (BR-116) por mais 30 anos por R$ 1,76 bilhão e assumindo o compromisso de investir outros R$ 25 bilhões na rodovia, uma das principais do país.

A renovação da Dutra pôs fim a um forte ciclo de investimentos iniciado em 2018 e que durou quase três anos. Nesse período, a empresa arrematou 20 novos ativos entre rodovias, aeroportos e trens e viu seu endividamento líquido saltar 77,2% no período, de R$ 11,8 bilhões no fim de 2017 para R$ 20,9 bilhões no fechamento de 2021.

Hoje, a dívida líquida está em R$ 24,9 bilhões, embora a alavancagem (proporção da dívida líquida em relação ao lucro operacional/Ebitda) esteja em torno de 3 vezes, número ainda considerado saudável pela empresa. O teto imposto pela companhia para esse indicador é de 3,5 vezes.

Ainda assim, a escalada da dívida deflagrou uma série de mudanças na CCR. Com a virada dos juros a partir de 2021 – a Selic subiu de 2% até 13,75% ao ano – as empresas de capital intensivo voltaram-se para dentro de casa para priorizar a gestão do passivo. Objetivo que foi reforçado na CCR com a chegada de Itaúsa, dos Setúbal, e Votorantim, dos Ermírio de Moraes, no início de 2022. A dupla de peso passou a fazer parte do bloco de controle da companhia junto com os grupos Mover (ex-Camargo Corrêa) e Soares Penido.

A partir da entrada dos Setúbal e Ermínio de Moraes na CCR, a gestão de custos e eficiência e a busca por retorno dos investimentos ganharam ainda mais atenção, disse Setas poucos meses após assumir. Seu primeiro movimento foi o de mexer na diretoria, diminuindo de 11 para sete o número de altos executivos (C-levels), em um modelo que trouxe maior agilidade à tomada de decisões para tocar os mais de R$ 33 bilhões em investimentos para os próximos anos.

Outra característica da nova fase da CCR é a maior seletividade nos investimentos. E isso se traduziu em uma participação tímida nos leilões mais recentes. “É nossa obrigação avaliar todos os editais de concessão, mas isso não significa, necessariamente, que temos que entrar em todos eles”, defendeu Setas em entrevista no ano passado.

No último leilão do qual a CCR participou, realizado no fim de setembro, a empresa fez a oferta mais baixa entre as que disputavam a concessão da Rota dos Cristais (rodovia federal que vai de Belo Horizonte a Cristalina, em Goiás). A vencedora foi a francesa Vinci Highways com uma proposta substancialmente maior que a da CCR.

De forma sintomática, a concorrência cresceu nessa fase de retração da CCR. Além de investidores estrangeiros, os fundos de infraestrutura foram os que dominaram os leilões de concessões dos últimos anos, ocupando um espaço deixado pela própria CCR e pela Ecorodovias, outra concessionária tradicional que não ganha uma concessão nova desde setembro de 2022.

Setas reconhece que a competição acirrada pressiona ainda mais as margens das concessionárias. Por outro lado, diz que há espaço para todos, uma vez que o percentual de rodovias concedidas no Brasil ainda é baixo em relação a outros países mais desenvolvidos. 

“Nós fazemos uma avaliação de risco e retorno, e isso nos leva a direcionar nossas atenções para concessões que ofereçam melhores condições de desenvolver o negócio e para o tipo de relações contratuais que nós entendemos que tenham um nível de risco mais controlado”, disse Setas, em conversa com investidores promovida pela gestora Galapagos no mês passado.

País de coração

Executivo forjado no setor de energia, o português Miguel Setas tem conhecimento ímpar dos mercados regulados, no qual o setor de mobilidade está incluído. Sua primeira passagem pelo Brasil foi em 2008. Ele chegou ao país para tocar os negócios de distribuição da EDP (antiga Energias de Portugal). Entre 2014 e 2021, foi o CEO da EDP Brasil, até retornar a Portugal para assumir uma das vice-presidências na matriz.

Casado com uma brasileira, o executivo acabou criando raízes no país. E isso contribuiu para que ele aceitasse o chamado da CCR para voltar. Seu interesse pelo país vai além da ligação familiar: Setas se mostra um entusiasta da tese de que o Brasil pode liderar a transição energética do mundo.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Miguel Setas, CEO da CCR
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente, e Miguel Setas, CEO da CCR (Divulgação)

Lançou no ano passado o livro “Gigante pela própria natureza”, que traz suas impressões sobre o país e as potencialidades de nossa “economia verde”. “As lideranças do Brasil precisam se conscientizar sobre essa oportunidade de ouro, para que ocupemos o nosso espaço no mundo. Precisamos superar um pouquinho nossa síndrome de vira-lata”, disse o executivo ao Brazil Journal na época do lançamento.

Semana das concessões

Para esta semana estão previstos cinco grandes leilões de concessão: a Parceria Público-Privada (PPP) para a construção de escolas no interior de São Paulo, que terá um dos lotes leiloados nesta terça-feira (29) e prevê R$ 1,06 bilhão em investimentos. Na quarta (30), é a vez do leilão dos serviços de saneamento básico no Piauí, que deverá atrair Aegea e Iguá, e exige R$ 8,6 bilhões de investimentos por 35 anos de concessão.

Ainda na quarta-feira, ocorre o principal leilão de infraestrutura da semana, o da Rota Sorocabana, um conjunto de 12 rodovias, com 460 km de rodovias estaduais de São Paulo e que abrange a Castelo Branco e a Raposo Tavares. 

Para assumir a gestão do ativo por 30 anos, além de pagar pelo direito de concessão, haverá uma demanda de R$ 8,8 bilhões em investimentos. A Sorocabana é um dos desmembramentos de uma concessão da CCR, a ViaOeste, que será extinta após o leilão desse lote e da Nova Raposo, previsto para o próximo mês. Dada a importância do ativo, é esperada a participação de empresas puro sangue da atividade.

Outra rodovia que será concedida é a Rota do Zebu, trecho da BR-262 em Minas Gerais, que passa por uma importante região produtora de gado Nelore, a raça zebuína mais criada no país. Para gerir a estrada por 30 anos, o vencedor do leilão terá que assumir R$ 4,4 bilhões em investimentos. Por fim, encerra a semana, na sexta-feira (1), a concessão da loteria estadual de São Paulo, com R$ 332,7 milhões em capex.

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O alerta acendeu: pela primeira vez em 20 anos, dívida atrelada à Selic se aproxima de 50% do total https://investnews.com.br/economia/o-alerta-acendeu-pela-primeira-vez-em-20-anos-divida-atrelada-a-selic-se-aproxima-de-50-do-total/ Thu, 24 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=624318 Pela primeira vez em quase 20 anos, a dívida pública brasileira indexada à taxa básica de juro, a Selic, se aproxima de 50% do total de títulos emitidos pelo governo. Sinal de que as coisas não vão bem para o governo.

Os títulos públicos pós-fixados, as LFTs, são considerados um papel de crise. É a eles que o investidor recorre quando acredita que o cenário vai piorar. No melhor momento da gestão da dívida, em 2014, essa fatia chegou cair abaixo dos 20%. Mas, desde então, o volume só faz subir.

Hoje, 47% do total da dívida está em LFTs. Isso quer dizer se o Banco Central subir a taxa de juro – como aconteceu em setembro (0,25 ponto percentual) e deve acontecer de novo em 6 de novembro (expectativa de 0,5 ponto percentual) –, quase metade da dívida do governo fica imediatamente mais cara.

Ao longo da última semana, o InvestNews conversou com gestores e economistas do mercado financeiro, que manifestaram preocupação com a evolução dos indicadores da dívida. Quadro que pode levar a um ciclo mais longo de aumento de juros, na visão desses profissionais.

O total da dívida em títulos pós-fixados (estoque) é hoje de R$ 3,2 trilhões. Um ponto percentual a mais nessa conta significa nada menos do que R$ 32 bilhões a mais de gasto no ano. Para se ter uma ideia do que isso significa: todo o investimento do governo federal em infraestrutura de transportes no país deverá ser de R$ 24 bilhões em 2024. Com R$ 32 bilhões, o governo conseguiria ainda bancar dois meses e meio de Bolsa Família, o programa que hoje atende 54 milhões de pessoas.

Subir a taxa de juro não é uma maldade praticada pelo Banco Central, que fique bem claro. O BC tem um mandato para manter sob controle a inflação. E desarranjos na questão fiscal alimentam a alta de preços, seja pelo aumento da despesa pública pressionando a demanda por bens e serviços, pela desvalorização cambial ou pelo aumento da desconfiança.

Ter uma fatia tão grande da dívida pública brasileira indexada à Selic intensifica uma espécie de espiral negativa: a piora das expectativas leva o Banco Central a subir o juro, o que deixa a dívida pública mais cara – e isso retroalimenta a preocupação com o futuro. É por essa razão que tanta gente tem dito que um “choque fiscal” é a única saída para romper esse ciclo.

Na prática, o que acontece é que se há uma incerteza em relação ao juro futuro e à trajetória da dívida pública, ninguém quer se arriscar a ter na mão um título que pode acabar rendendo menos do que a taxa básica. A opção mais conservadora é comprar um papel atrelado à variação da Selic.

LEIA MAIS: A bomba-relógio global de US$ 100 trilhões continua em contagem regressiva, alerta FMI

Trajetória preocupante

O que está no centro do problema é a trajetória da dívida pública. O Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo, afirmou nesta quarta-feira (23) que o arcabouço fiscal implementado pelo governo não é capaz de estabilizar a dívida – ou seja, ela vai seguir crescendo. Nas contas do fundo, o endividamento bruto do Brasil sairá de 87,6% do PIB em 2024, alcançará 92% em 2025 e baterá em 97,6% do PIB daqui a cinco anos. Ou seja, em 2029, o Brasil pode ter uma dívida quase do tamanho do seu PIB.

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A dívida pública mobiliária – total de títulos públicos que o Tesouro Nacional emite para financiar o governo –, chegou a R$ 7 trilhões em agosto, último dado disponível. Para conseguir rolar essa dívida crescente, o governo tem aumentado a oferta de papéis pós-fixados indexados à Selic (LFTs).

Do volume de títulos vendidos este ano (em termos líquidos, descontando a parcela de papéis que venceu), cerca de 75% foram LFTs. A escolha de rolar a dívida usando LFTs – e não prefixados (LTN e NTN-F) ou papéis atrelados a índices de preço (NTN-B) – é uma estratégia que o Tesouro adota para driblar o momento negativo do mercado. É que, agora, o investidor até topa emprestar dinheiro para o governo, mas cobra um juro alto para isso.

Para se ter uma ideia, nos últimos leilões semanais que o Tesouro fez para rolar esse caminhão de dívida, os investidores chegaram a pedir taxas perto de 13% ao ano, bem acima do juro básico no momento, de 10,75% ao ano. Como não concorda com essa taxa, o Tesouro prefere rolar a dívida com os títulos indexados à Selic. Se concordasse, ele estaria indicando que aceita se comprometer com uma taxa muito alta por um período longo, de cinco ou dez anos.

Esse clima negativo do mercado em relação ao fiscal não é novo, mas vem tomando proporções maiores nas últimas semanas. E representa um contraste quando se olha para os indicadores de curto prazo da economia: o desemprego está nas mínimas históricas, enquanto a renda e o PIB estão em alta. Ao mesmo tempo, o Brasil conseguiu até uma melhora em sua nota de crédito concedida pela agência Moody’s, que colocou o país a um degrau do grau de investimento.

Nada disso tem entusiasmado os investidores. O real vem perdendo valor e tem um dos piores desempenhos dentre as principais moedas globais, assim como a bolsa brasileira.

Esses números mostram que, na cabeça do investidor, o bom momento da economia pode ser passageiro. O crescimento do PIB vai acontecer a uma taxa muito menor do que a expansão da dívida. Logo, como mostrou o FMI, a relação dívida/PIB vai piorar. E isso desorganiza a economia. A saída para essa situação é: 1) aumento de impostos, 2) corte de gastos ou 3) aumento da inflação. O mercado está se protegendo do terceiro cenário, o da inflação – e sabe como o governo tem se dedicado a ampliar a arrecadação e como tem tido dificuldades com o cortes de gastos.

Essa informação está expressa em outro título da dívida: as NTN-Bs, papéis que rendem uma taxa prefixada mais a variação de inflação. Os títulos com vencimento em 2027 embutem hoje uma projeção de inflação (a chamada inflação implícita) de 5,75% ao ano. Nos últimos 12 meses, o IPCA acumula alta de 4,42%.

Outro sinal preocupante: a NTN-B com vencimento em 2045 negociado pelo Tesouro Direto está pagando nesta quinta-feira. (24) um juro real de 6,72%. Para se ter uma ideia da escalada negativa que está em curso, esse papel abriu a semana pagando um juro real de 6,58%.

O problema disso tudo é que os números negativos do mercado afetam diretamente a economia real. O dólar mais alto pode gerar inflação. As projeções de juros desestimulam o investimentos de longo prazo, necessários para melhorar o espaço para crescimento econômico. Juro alto direciona recursos para aplicações de renda fixa. E a fraqueza da bolsa tira um importante instrumento de captação de recursos para as empresas, que são as ofertas de ações.

Pode haver algum exagero nessa leitura negativa? É possível. Dentro do governo, segundo apurou o InvestNews, existe a leitura de que o mercado está “ignorando” o fato de que será divulgado, passadas as eleições municipais, um pacote de revisão de gastos. E que, quando essas medidas forem conhecidas, deve haver uma correção positiva dos preços dos ativos.

Por ora, o mercado prefere pagar para ver.

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Caixa puxa a fila – e crédito para comprar imóvel fica cada vez mais difícil para a classe média https://investnews.com.br/negocios/caixa-puxa-a-fila-e-credito-para-comprar-imovel-fica-cada-vez-mais-dificil-para-a-classe-media/ Wed, 23 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=623640 Uma casa branca de dois andares com janelas iluminadas por uma luz roxa intensa e uma mão segurando uma moeda roxa de um real sobrepondo o telhado, em um cenário artístico com tons de cinza e branco.
Ilustração: João Brito

A Caixa Econômica Federal (CEF) puxou a fila do aumento de restrições ao crédito imobiliário e subiu de 20% para 30% a exigência de entrada na aquisição da casa própria. Isso significa que quem já comprou um imóvel na planta e pagou menos de 30% do valor vai ter de correr para buscar mais dinheiro quando receber o imóvel e for pedir o empréstimo. Ou pagar mais caro em um dos bancos privados nos quais a entrada mínima ainda é de 20% do valor da casa ou do apartamento.

Um alto executivo de uma das principais incorporadoras do país afirmou ao InvestNews em condição de anonimato que o peso dessas restrições vai recair diretamente sobre a classe média. Os extremos do mercado, os imóveis de luxo e os populares, dificilmente enfrentam problemas com disponibilidade de recursos.

No caso dos imóveis usados, a consequência prática do aumento de restrições será a redução significativa da demanda, como já ocorreu no passado. Priscilla Basso, coordenadora da plataforma digital de crédito imobiliário Melhor Taxa, diz que os bancos passaram a priorizar os financiamentos de quem comprou na planta e têm deixado de lado as operações para compras de unidades de segunda mão.

“Nem a Caixa tem mais reserva para o mercado de imóveis usados”, afirma a especialista. O banco estatal é ao mesmo tempo o termômetro e a locomotiva do mercado. Sozinho, representa 67% dos financiamentos do setor (imóveis novos e usados), segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

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Nos dados da Melhor Taxa, no segmento chamado de Sistema Financeiro da Habitação (que utiliza os recursos da caderneta de poupança como funding), a Caixa oferece o menor custo médio para os empréstimos imobiliários, com taxa mínima de juro 9,99% ao ano (mais a variação da TR). Entre as instituições privadas, o Bradesco fica em segundo, com 10,49% ao ano, seguido de Itaú Unibanco e Santander, com 10,99% anuais cada uma.

À primeira vista pequena, a diferença de 0,5 ponto a um ponto percentual é gigantesca no longo prazo e pode significar dezenas de milhares de reais. Veja o caso de quem comprou um apartamento de R$ 1,5 milhão na planta, pagou durante a obra 20% desse valor (R$ 300 mil) e que tinha a intenção de fazer financiamento com a Caixa. Com a restrição do banco estatal de liberar apenas financiamentos com 30% de entrada, esse comprador terá de arrumar de uma hora para outra R$ 150 mil (10% adicionais), equivalente a um Toyota Corolla 0 km, ou partir para buscar financiamento em outro banco.

No Bradesco, que cobra 10,49% ao ano, esse financiamento de R$ 1,2 milhão em 360 meses custaria R$ 83 mil a mais do que na Caixa. No Itaú e no Santander, a 10,99%, R$ 165 mil a mais.

Se a entrada for a mesma da agora parcela mínima exigida pela Caixa, de 30%, o financiamento de R$ 1,050 milhão (R$ 1,5 milhão menos R$ 450 mil, parcela exigida para a entrada) em 360 meses vai gerar um custo extra de R$ 73 mil no Bradesco e R$ 144 mil no Itaú e no Santander.

Bancos estão mais seletivos

Profissionais que trabalham em imobiliárias e com crédito imobiliário dizem que, além de os bancos já terem reduzido o volume de recursos para a compra de imóveis usados, as instituições também começaram a apertar as condições de aprovação. A régua de liberação de crédito subiu. Agora só clientes com “relacionamento”, ou seja, que tenham investimentos, recebam salário no banco e consumam produtos financeiros da casa têm tido vez nessa fila.

Esse tipo de restrição surge em momentos nos quais os bancos buscam reduzir o risco da carteira. E também costumam anteceder medidas vistas como impopulares, como a já adotada pela Caixa de aumentar o nível da entrada ou de elevar as taxas mínimas do financiamento.

A decisão da Caixa sinaliza ainda tempos mais sombrios para os próximos meses. Basso, da Melhor Taxa, vê possibilidade de os bancos aumentarem os custos do crédito no início de 2025. Essa alta seria uma reação a uma eventual elevação da taxa básica Selic pelo Banco Central nas reuniões de política monetária de novembro e de dezembro.

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Hoje, a Selic está em 10,75% ao ano e a pesquisa semanal Focus feita pelo BC com profissionais do mercado financeiro indica uma expectativa de que a taxa feche 2024 em 11,75%, ou seja, um ponto percentual acima do nível atual. Isso significa duas elevações de 0,50 ponto cada nos próximos dois meses.

Os bancos tendem a fazer uma pequena correção de taxas do crédito imobiliário para se ajustar ao novo cenário de juros. A coordenadora da Melhor Taxa avalia ser possível um aumento médio de até 0,5 ponto no custo do financiamento habitacional.

Entre as empresas do setor imobiliário, o quadro começa a preocupar. O alto executivo que conversou com o InvestNews revelou pessimismo para o início do próximo ano. “Nós começamos 2024 desanimados, e, com o passar dos meses, ficamos mais animados. Mas vamos fechar o ano novamente desanimados. E com expectativas pessimistas para o começo do ano que vem”, diz ele, ressaltando que o quadro é pior para os compradores de classe média.

LEIA MAIS: Carlos Kawall: “Foco da política fiscal não pode ser reduzido à meta de superávit primário”

O público de alta renda, que consome residências acima de R$ 2 milhões, costuma ter reservas e maiores chances de aprovação de financiamentos. As linhas de crédito nessa faixa também não dependem de recursos captados na caderneta de poupança (chamado no mercado de Sistema Financeiro Imobiliário – SFI). Os recursos costumam ser captados com produtos como Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e outros títulos emitidos pelos bancos.

Já os imóveis populares têm recursos subsidiados e assegurados pelo FGTS. Essa fonte recebe por lei contribuições de todas as empresas e trabalhadores com carteira assinada.

O executivo conta que a faixa de residências com preços ente R$ 500 mil e R$ 1,5 milhão foi a que menos vendeu neste ano até o momento. No fim do terceiro trimestre, a média de vendas de lançamentos de imóveis nesses patamares de valores ficou em 24% do total, contra uma média histórica de 40%.

A crise da caderneta de poupança

A origem das dificuldades nos financiamentos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) vem do encolhimento da caderneta de poupança. Entre janeiro e agosto, houve uma saída líquida de recursos R$ 12,2 bilhões. Em 2023, a diferença ente depósitos e saques ficou negativa em R$ 66,7 bilhões.

A Caixa já tomou decisões drásticas no passado em situações de queda de recursos disponíveis. Em abril de 2015, durante a recessão mais duradoura que o país enfrentou, o banco estatal aumentou para 50% a entrada mínima em qualquer linha de financiamento habitacional.

No mercado imobiliário, o resultado foi uma queda de 60% entre o pico de vendas em 2014 e o pior momento, em meados de 2016. A aquisição de unidades saiu de 375 mil no fim de 2014 para 150 mil em 2016. No período, as novas concessões de crédito imobiliário recuaram 55,5%. O volume financeiro destinado à aquisição de casas ou apartamentos caiu de R$ 81 bilhões para R$ 36 bilhões.

LEIA MAIS: A geração Z vai mudar o mundo. E isso é um mau presságio para a poupança

Naquele período, a poupança também sofria com saques líquidos. Apenas em 2015, houve retiradas líquidas de mais de R$ 50 bilhões. A Caixa adotou medidas ainda mais restritivas há dez anos, porque na época a caderneta tinha uma representatividade muito maior do que hoje como fonte de recursos.

A poupança representava em 2015 mais de 65% de todo o “funding”, ou seja, o montante em estoque para alimentar o crédito imobiliário. Desde então, a participação da caderneta tem minguado. Hoje, representa cerca de metade de uma década atrás ou apenas 34% do total.

O espaço deixado pelo tradicional produto de investimento tem sido ocupado por instrumentos de captação de mercado de capitais. São títulos de dívida emitidos pelos bancos ou empresas para obter recursos de investidores. Exemplos são as citadas LCI. Mas também fazem parte desse grupo estruturas como as letras garantidas imobiliárias (LIG), os certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e os fundos imobiliários (FII).

Juntos, esses instrumentos de captação privada já representam 40% do total das fontes de recursos para o setor. A maior participação entre esses produtos pertence à LCI, com 16% do total e um saldo de R$ 363 bilhões. Em seguida aparece o FII, com R$ 237 bilhões e 10% de participação. O CRI surge em terceiro com uma fatia de 9% e estoque de R$ 208 bilhões. Por último, aparecem as LIG, com 5% e R$ 117 bilhões.

A poupança sozinha ainda apresenta um saldo de R$ 763 bilhões em recursos no sistema, enquanto o FGTS banca R$ 596 bilhões no estoque disponível para financiamentos, com participação de 26%. No total, segundo a Abecip, o “funding” do crédito imobiliário alcança R$ 2,28 trilhões.

Há, na visão do alto executivo da incorporadora ouvida pelo InvestNews, um fator que pode mudar tudo na equação econômica de 2025: o governo tomar medidas concretas para confirmar o compromisso com a âncora fiscal. “Se a curva de juros começar a descer, vai destravar um forte movimento de compra [de imóveis].”

Nesse cenário, o BC poderia voltar a reduzir a Selic, o que levaria os bancos a diminuir as taxas de crédito imobiliário.

Até lá, a classe média vai ter de apertar os cintos, porque o crédito imobiliário sumiu.

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Como o Drex pode se tornar o ‘carro autônomo’ das suas finanças https://investnews.com.br/economia/internet-financeira-como-o-drex-pode-transformar-boa-parte-da-sua-vida/ Thu, 17 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=622435 Drex real digital
Drex real digital

Você lembra do mundo na virada do século 20 para o 21? Não havia Netflix ou Spotify. A internet já existia, claro. Ainda engatinhava, mas a infraestrutura dela estava entre nós. E a partir desse chassi, dessa base, vários agentes criaram os serviços que deram ao mundo a cara que ele tem hoje.

O Drex, se tudo der certo, pode assumir um papel semelhante ao que a internet teve: servir de alicerce para toda uma nova gama de serviços financeiros – que hoje parecem tão distantes quanto era o streaming lá atrás, na época em que a gente comprava CDs e alugava DVDs.

O Drex começou com o nome de “real digital”. E isso causou confusão. Ficou a ideia de que o projeto, liderado pelo Banco Central, era o de uma nova moeda. Só que o Drex é mais complexo. Trata-se de uma nova infraestrutura para o sistema financeiro – que um dia pode se tornar tão essencial para certas operações quanto a internet é para quem deseja maratonar um seriado.

“Será como se, de repente, todos os carros virassem veículos autônomos, sem precisar de motoristas”, diz Ibiaçu Caetano, executivo-chefe de finanças do grupo Bitybank e integrante do conselho da Associação Brasileira de Cripto Economia (ABcripto). Agora, vamos ao principal:

O que é o Drex, afinal?

Existe um problema no mundo de hoje do qual basicamente ninguém se dá conta: o dinheiro “roda” num sistema próprio, o bancário. E coisas importantes que você compra com dinheiro habitam, cada uma, seu próprio sistema. O registro de carros, por exemplo, fica a cargo do Detran do seu Estado.

Para comprar um carro usado, então, você precisa operar em dois sistemas. Primeiro, no bancário, fazendo uma transferência para o dono antigo. Depois, no do Detran, transferindo o veículo para o seu nome. Ok. Não é o fim do mundo. Mas comprar CDs também não era.

A novidade que o Drex propõe para um caso assim é a seguinte: o dinheiro e os carros estariam registrados no mesmo sistema. Vamos dizer que vocês fecharam o negócio por R$ 100 mil. Grosso modo, o proprietário do carro faz o upload do registro na rede do Drex. Você sobe R$ 100 mil na mesma rede e, lá dentro, compra o registro do carro. Pronto.

O sistema vai saber que foi você quem fez a compra e passar o veículo para o seu nome. O antigo proprietário não precisa atestar isso no cartório nem nada. É tudo automático. Num piscar de olhos, o documento novo vai para o seu celular. E você já sai dirigindo com tudo em ordem.

Esse é um exemplo hipotético. Primeiro, o sistema do Drex precisa estar operante – e hoje ele está em fase de testes. Segundo, alguém terá de combinar com os Detrans. Mas trata-se de uma possibilidade concreta que o Drex abre. Vamos a outras.

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Tesouro Direto 24 horas

O termo “Drex” vem da junção das iniciais de digital, real, e eletrônico. Já o “x” remeteria à ideia de conexão ou experiência. Essa infraestrutura do real digital tem como base a tecnologia de blockchain – a mesma das criptomoedas.

Que diferença ela faz? A mais importante: permite o upload de dinheiro e de outras coisas lá dentro (como o registro de carros). As duas ficam na forma de “tokens”, objetos digitais. E passam a ser intercambiáveis. Esse registro virtual, o token, é um tipo de escrituração inviolável. Ele representa, autentica e assegura a propriedade do ativo. Os tokens podem, então, ser negociados com segurança e muita velocidade.

É por isso que o registro do carro ali em cima vai direto para o seu nome. O que aconteceu ali foi a troca de um token registrado na blockchain (um “objeto digital” representando R$ 100 mil) por outro (a posse de veículo). “Tokenize” a posse de um apartamento no Drex e você também terá uma transferência instantânea – quando, e se, isso for possível.

Vale o mesmo para ativos financeiros. Se o Tesouro Nacional tokenizar títulos públicos, você vai poder comprá-los sem o intermédio de um banco ou de uma corretora. O que você vai fazer é subir dinheiro para o sistema do Drex. O montante será convertido em “reais digitais” – o nome mais preciso seria “reais tokenizados”, mas paciência.

Lá dentro do sistema, haverá tokens de títulos públicos. Aí é só comprar. Sem banco, sem corretora. Só você e o Tesouro na jogada. Como a blockchain é automática e trabalha 24 horas por dia, sete dias por semana, você poderá comprar e vender títulos no sábado de madrugada, se não tiver algo melhor para fazer.

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Um adendo: falamos aqui em “upload de dinheiro”, mas essa é uma simplificação para facilitar o entendimento. A ideia é que o BC produza tokens de real e repasse para os bancos; só aí eles chegam ao público (veja no quadro abaixo). Ou seja: você não fará exatamente um upload no dia em que der para comprar carro com Drex. Você vai trocar “reais normais” que tem no banco por versões tokenizadas, que fluem pela blockchain.

Diagrama de fluxo do funcionamento do Drex, versão digital dos reais, com 4 etapas que vão desde a emissão pelo Banco Central até o uso por pessoas físicas, detalhado e ilustrado por ícones representativos.

Bolsa Família sem bets

O Drex embute outra característica que pode moldar as aplicações financeiras do futuro. Ele se baseia no conceito de smart contracts, ou “contratos inteligentes”, com registro validado por meio da rede blockchain. Isso permite algo novo: o “dinheiro programável”.

Marco Zanini, CEO da Dinamo Networks, responsável pela seguranca do PIX e que também participa do grupo de discussões para desenvolvimento do real digital, explica que essa possibilidade poderia resolver um problema grave: o uso de recursos do Bolsa Família em plataformas de apostas online.

O dinheiro poderia simplesmente ser programado para o usuário não conseguir gastar em apostas. “Pode usar no supermercado, na padaria, na farmácia, mas não nas bets”, acrescenta Zanini.

O projeto do Drex entrou na fase final de testes que vai até o fim do primeiro semestre de 2025. O Drex deve se tornar acessível comercialmente primeiro para transações entre pessoas jurídicas, como a compra de títulos públicos por parte de bancos. Gradualmente, viriam aplicações abertas para a população.

O CEO da Dinamo cita ainda um caso prático que tem sido testado em conjunto com o Banco da Amazônia. Uma dificuldade de se captar recursos internacionais direcionados ao desenvolvimento da região vem do fato de não ser possível garantir que o dinheiro não vai ser usado sem critério.

Em um projeto piloto, o grupo de trabalho criou uma moeda digital regional amazônica programada para ser utilizada apenas em consumo na região.

“Com isso, conseguimos garantir ao investidor que aquele recurso só vai ser utilizado para aquela finalidade específica.”

Marco Zanini, CEO da Dinamo Networks

O especialista em tecnologia de finanças digitais e chefe de comunidade fintechs da ABFintechs, Rogério Melfi, explica que o uso do Drex vai permitir programar condições para a realização ou não de um pagamento. A simples reserva de um hotel, por exemplo, pode embutir condições como não ser efetivada se o hóspede desistir dentro do prazo limite ou ainda liberar apenas o valor de multa.

Token o seu coração e façam a revolução

Com o Drex, o setor de crédito também tende a ganhar eficiência, reduzir burocracia e custos. Isso pode baratear taxas cobradas de empréstimos. Também vai aumentar a concorrência. Melfi reforça que o Drex aumenta a competição para as instituições financeiras tradicionais, além de trazer mais eficiência para as operações. “O real digital, junto com o PIX e o open finance, vai levar a uma verdadeira digitalização da economia do país.”

Zanini, da Dinamo, cita uma situação comum nos dias atuais para exemplificar o potencial da tecnologia.

Hoje, num empréstimo em que a garantia é um veículo, se seu carro vale R$ 100 mil e você pega R$ 10 mil, o automóvel fica inteiramente alienado à instituição que concedeu o crédito até a dívida ser quitada.

Mas, e se você pudesse dividir o valor do veículo em 10 pedaços digitais (ou seja, 10 tokens na blockchain) representando R$ 10 mil cada? Seria possível usar cada um deles como garantia em várias operações. Se o carro acabar vendido antes da quitação total, o smart contract repassa o valor proporcional devido automaticamente aos credores. Além disso, seria possível surgir plataformas que conectem vários investidores interessados em fazer o financiamento.

Produtos como consórcios, financiamentos, seguros e remessas de dinheiro também podem migrar para a infraestrutura tokenizada. Serão versões turbinadas daquelas que temos atualmente, mais rápidas, eficientes e, em grande parte, instantâneas.

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O coordenador do projeto Drex no BC, Fabio Araújo, ressaltou em uma live sobre o projeto que a nova infraestrutura vai expandir a democratização dos serviços financeiros no Brasil. “As pessoas poderão fazer um empréstimo com mais facilidade ou ter uma opção de investimento mais acessível, um seguro mais fácil, a gente quer trazer esses produtos financeiros para a mão das pessoas.”

Daqui a alguns anos, talvez nem vamos nos lembrar que crédito imobiliário demorava meses para sair ou vender um carro exigia inúmeras checagens e idas e vindas entre órgãos públicos e cartórios. Com a desintermediação financeira, o instantâneo vai virar padrão e dinheiro vai funcionar como se tivesse um GPS, onde o melhor crédito nas melhores condições será a opção mais acessível.

Mas tudo dependerá de iniciativas da sociedade. O Detran se permitirá tamanha perda de poder? Os bancos toparão perder boa parte de seu papel no sistema financeiro? Não sabemos.

O Drex não é uma iniciativa única no mundo. Ele é mais um projeto de CBDC (“moeda digital de banco central”), que vários países tocam. E o fato é que todos eles ainda engatinham, em grande parte porque não faltam amarras, como as que citamos aqui.

Mas a estrada está sendo construída. E uma hora vão entrar carros nela. Como aconteceu com a internet.

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Crise da Enel frustra estratégia de Lula e vira revés na relação entre Brasil e Itália https://investnews.com.br/economia/crise-da-enel-frustra-estrategia-de-lula-e-vira-reves-na-relacao-entre-brasil-e-italia/ Tue, 15 Oct 2024 10:00:00 +0000 https://investnews.com.br/?p=622071
O CEO da Enel, Flavio Cattaneo, apresenta planos de investimentos no Brasil ao presidente Lula em reunião do G7, em junho de 2024

Crédito: Divulgação/Enel

“O G7 foi uma oportunidade para selar uma renovada relação de confiança entre a Enel e o Brasil, como mostraram os encontros ocorridos neste sábado”. Foi assim que a Enel noticiou em seu site as reuniões ocorridas em 15 de junho na região de Puglia – o “salto da bota” no mapa da Itália.

O Brasil não faz parte do G7 – o “clube dos países ricos” é composto por Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos –, mas foi especialmente convidado pela Itália, anfitriã do encontro.

Como a Enel é uma empresa de capital misto cujo controle está nas mãos do governo italiano – ou seja, funciona na prática como extensão do poder e dos interesses do Estado –, o resort Borgo Egnazia virou o lugar ideal para tentar desbotar a memória do apagão que deixou milhões de paulistas no escuro em novembro de 2023. Daquela vez, a Enel levou seis longos dias para restaurar completamente os serviços de distribuição de energia elétrica na Grande São Paulo.

Depois de se reunir com Giorgia Meloni, a primeira-ministra da Itália, o presidente Lula conversou com o CEO da Enel, Flavio Cattaneo. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também participou do encontro.

Pelo menos ali, o corpo a corpo da estatal italiana pareceu ter funcionado: depois de prometer R$ 20 bilhões em investimentos no Brasil até 2026, último ano do governo Lula, o chefão da distribuidora de energia ouviu do presidente brasileiro que o governo federal estaria disposto a renovar os acordos de concessão, segundo noticiou a imprensa italiana. O contrato da Enel em São Paulo vai até 2028.

Da esquerda para a direita: Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia, Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália, Lula, presidente do Brasil, e Flavio Cattaneo, CEO da Enel

Créditos: Divulgação/Enel

Além dos R$ 20 bilhões, a Enel prometeu que “não haverá mais apagão em nenhum lugar em que eles forem responsáveis pela energia”, afirmou Lula (a Enel também tem contratos de distribuição no Ceará e no Rio de Janeiro).

“Então vamos saber se vamos resolver esse problema energético, porque a gente não pode permitir que a capital mais importante do Brasil fique sem energia.”

presidente Lula

Mas a gente permitiu.

Um temporal na Grande São Paulo ocorrido na última sexta-feira (11) expôs novamente a fragilidade da rede elétrica no coração econômico do Brasil. 2,6 milhões de pessoas ficaram sem energia logo na sequência. Enquanto este texto era escrito, no começo da noite de segunda-feira (14), 400 mil imóveis ainda estavam sem luz, a Enel evitava cravar uma data para a normalização dos serviços e políticos das duas pontas do espectro ideológico estão fazendo de tudo para se afastar da Enel.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, acusou de leniência a Agência Nacional de Energia Elétrica, a quem cabe regulamentar o setor no país – a Aneel está vinculada ao governo federal por meio do Ministério de Minas e Energia. O ministro Silveira, do MME, rebateu dizendo que a diretoria atual da Aneel foi formada no governo Bolsonaro, do qual Tarcísio fez parte. Tanto um quanto o outro começaram a falar em dar fim à concessão da Enel em São Paulo.

Algumas horas antes do temporal, e de encampar a revogação do contrato, Alexandre Silveira falava em renovar a concessão da Enel. E o fez participando de um evento com políticos e empresários em Roma, organizado pelo Esfera Brasil. No mesmo painel do ministro, estava o executivo da Enel Alberto de Paoli, cujo título na empresa é de “diretor do resto do mundo” – sim, o nome do cargo é esse mesmo.

Mas a revogação da concessão pode acontecer de fato?

Revogando uma concessão

Dar fim a uma concessão não é algo trivial. A Aneel já intimou a Enel a prestar esclarecimentos e ameaçou abrir um processo de recomendação da caducidade junto ao Ministério de Minas e Energia. O MME deu nesta sexta-feira um prazo de três dias para que a Enel restaure a energia, mas não disse o que vai acontecer se houver descumprimento.

Nunca houve no Brasil um processo que tenha levado à caducidade de um contrato de distribuição de energia, que precisaria ser aberto pela Aneel e, para ser efetivo, teria de ser assinado pelo ministério.

O Ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira

REUTERS/Adriano Machado

Mas o caminho para chegar provavelmente seria tortuoso. O processo de caducidade precisa ser bem fundamentado tecnicamente, afinal o objetivo é atestar se a concessionária de fato atendeu ou não os requisitos do contrato de concessão. Também há outras punições possíveis, mais leves, como multas.

E tudo pode ser judicializado – até as multas. Por conta do apagão de novembro de 2023, a Aneel aplicou duas penalidades à Enel que somam R$ 260 milhões. Nada foi pago, porque as multas foram suspensas pela Justiça.

Passado complicado

Prova de que dar fim a uma concessão ainda em andamento não é das coisas mais fáceis é o histórico da própria Enel no Estado de Goiás.

A distribuidora foi praticamente enxotada pelo governador Ronaldo Caiado, que entre 2018 e 2022 conviveu com sucessivas crises no fornecimento de energia. Apagões geraram prejuízos a produtores rurais e geraram revolta. Em 2021, produtores despejaram leite estragado em frente à unidade da Enel em Palmeira de Goiás como protesto pelas quedas de energia que impediam a necessária refrigeração do leite.

Sob pressão, a Enel vendeu por R$ 1,6 bilhão a unidade goiana, que em janeiro de 2023 passou a ter a brasileira Equatorial como concessionária.

O desfecho foi comemorado por Caiado, mas a nova distribuidora ficou em último lugar no ranking de serviços prestados ao consumidor em 2023 entre as concessionárias de grande porte que atuam no Brasil. A lista é divulgada anualmente pela Aneel e leva em consideração a duração e a frequência de interrupções da energia elétrica – a Enel-SP está em 21º lugar na lista, que tem 29 posições.

A Enel

Com quase US$ 80 bilhões em valor de mercado, a Enel é a segunda empresa mais valiosa da Itália. Só está atrás da Ferrari, que vale US$ 5 bilhões a mais. E está presente em 28 países, de todos os continentes.

A empresa foi fundada em 1962 pelo governo italiano como fruto de um projeto de unificação de toda a estrutura elétrica do país, juntando sob uma só entidade a geração, a transmissão e a distribuição de energia.

Embora seja hoje uma companhia de capital aberto, o Ministério da Economia da Itália tem 23,6% das ações da Enel e controla a companhia. É uma espécie de Petrobras deles. A petroleira vale US$ 92 bilhões, um patamar parecido com o da italiana, e tem 36% das suas ações nas mãos do governo brasileiro.

Sede da Enel na Itália 5/02/2020 REUTERS/Flavio Lo Scalzo

Com a crise de imagem no Brasil, mesmo que não haja a caducidade da concessão em São Paulo, a renovação do contrato, que se encerra em 2028, está sob risco. E o governo italiano pode usar novamente seu peso geopolítico para tentar ajudar a empresa.

A Itália tem sido ativa na longa disputa judicial que envolve a empresa ítalo-argentina Ternium e a brasileira CSN em relação à Usiminas, uma briga que já dura mais de 10 ano e inclui mais de R$ 5 bilhões em multas e em honorários advocatícios.

Na semana passada, o vice-primeiro ministro da Itália, Antonio Tajani, se reuniu com o ministro-chefe da Casa Civil Rui Costa para falar do imbróglio jurídico, que agora está com o Supremo Tribunal Federal (STF).

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