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A corrida do Vale do Silício para produzir minerais críticos e reduzir a dependência da China

Startups e fundos de venture capital estão se unindo ao esforço nacional para desenvolver novas fontes de metais de que os Estados Unidos precisam

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O gabro é uma rocha sem nada de especial, tão barata e abundante que costuma ser usada como brita e na pavimentação de estradas. Mas ela também pode fazer parte da estratégia americana para romper a dependência da China em minerais críticos.

Em um trecho industrial no lado oeste de Oakland, na Califórnia, uma startup chamada Brimstone está processando gabro com uma química proprietária e equipamentos comuns para produzir alumínio, magnésio e outros minerais frequentemente importados da China.

Seu laboratório, com uma fileira de bicicletas estacionadas logo na entrada, funciona silenciosamente, com funcionários usando equipamentos de proteção e circulando entre béqueres, fornos, estufas e amostras minerais testadas quanto à durabilidade e composição. Sacos de gabro e de rochas semelhantes, ricas em cálcio e silicato, enchem um galpão nos fundos e se espalham pelo escritório.

Os esforços da Brimstone, que não haviam sido divulgados anteriormente, fazem parte de uma ofensiva nacional para desenvolver fontes americanas de matérias-primas essenciais, historicamente dominadas pela China. Startups do Vale do Silício à Carolina do Norte e ao Reino Unido estão apresentando novas soluções diante do endurecimento chinês nas exportações de minerais críticos, impulsionadas por níveis recordes de investimento privado e avanços em inteligência artificial.

Cientistas que trabalharam em carros autônomos no Vale do Silício estão aplicando suas fórmulas matemáticas à descoberta de minerais críticos. Empreendedores usam aplicações de IA para aumentar as taxas de sucesso na exploração mineral e criar ligas metálicas que imitam as propriedades desses minerais.

Qualquer iniciativa com chance real de sucesso está focada em tornar a produção mais barata, reduzindo a vantagem competitiva da China. “É preciso criar um processo de menor custo e maior lucro, ou não é possível trazer a produção para os Estados Unidos”, disse Cody Finke, presidente da Brimstone.

Segundo Finke, a abordagem da empresa que utiliza a mesma rocha de origem, equipamentos e processos químicos para diferentes minerais gera custos 40% menores do que os métodos tradicionais. Quando operar em escala plena, os custos de energia deverão ser de 30% a 50% mais baixos, afirmou.

Os EUA já tentaram no passado construir sua própria cadeia de suprimento de minerais críticos e de terras raras, mas a maioria das iniciativas fracassou rapidamente quando a China inundou o mercado com oferta barata, derrubando os preços. O país asiático domina a mineração e o processamento de alto risco e baixa margem de muitos dos minerais dos quais os EUA dependem para fabricar desde smartphones até carros, aviões e satélites.

“Se os EUA quiserem avançar nisso, terão de confiar na inovação das startups”, disse Gracelin Baskaran, diretora do Programa de Segurança de Minerais Críticos do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS).

Pequim vem restringindo as exportações de minerais críticos desde 2023, e um endurecimento mais severo em abril obrigou fabricantes americanos de vários setores a buscar novos fornecedores, pausar a produção e absorver custos mais altos. Mesmo com algum alívio recente em certos controles, a China também vem reforçando sua capacidade de fiscalização, antecipando futuras restrições.

“Podemos ter certeza de que a China estará pronta para usar esses gargalos como arma novamente quando for politicamente conveniente”, afirmou Reva Price, presidente da Comissão de Revisão Econômica e de Segurança EUA-China, em relatório recente.

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Os EUA dependem de importações para a maior parte dos 54 minerais classificados como críticos pelo Serviço Geológico dos EUA.

Especialistas concordam que o país dificilmente voltará ao mesmo nível de dependência da China, agora que empresas e formuladores de políticas sentiram na prática como o fornecimento de minerais críticos afeta a produção industrial, inclusive de componentes essenciais para sistemas de defesa.

“Não acho que exista hoje alguém que compre volumes relevantes de minerais críticos e terras raras e não esteja pensando em resiliência”, disse Willis Thomas, especialista da CRU, empresa global de dados de commodities. “Pagar um pouco mais para garantir que você não precise discutir isso na próxima reunião do conselho provavelmente vale a pena.”

O investimento privado e o capital estatal estão avançando em conjunto, beneficiando tanto operações tradicionais de mineração quanto startups ao longo de uma cadeia de suprimentos ainda em formação. Neste ano, investidores de venture capital aplicaram US$ 600 milhões em startups americanas de minerais críticos — o maior valor já registrado, segundo a PitchBook.

Sob o governo Trump, o governo federal também investiu centenas de milhões de dólares e assumiu participações em empresas como a mineradora de terras raras MP Materials, a startup de ímãs Vulcan Elements, a recicladora ReElement Technologies e a mineradora de lítio Lithium Americas. Além disso, firmou acordos com mais de uma dúzia de países, incluindo Ucrânia, Austrália e Emirados Árabes Unidos, para garantir acesso a projetos de minerais críticos.

O JPMorgan Chase anunciou em outubro uma iniciativa de US$ 1,5 trilhão, que inclui investimentos em minerais críticos. Uma empresa recém-criada, a Litore Partners, comandada pela ex-subsecretária de Segurança Nuclear Lisa Gordon-Hagerty, afirma atuar na origem, financiamento e aquisição de suprimentos de minerais críticos para governos e o setor privado. Gordon-Hagerty, que se recusou a comentar sobre o financiamento e os clientes da empresa, disse que a Litore trabalha com aliados e parceiros dos EUA para garantir acesso a esses minerais.

“A questão não é se é viável, mas se é econômico”, disse Baskaran, do CSIS. “Todos concordamos que precisamos dos minerais. Precisamos que isso seja viável economicamente.”

Esse movimento em direção aos minerais críticos representa uma tentativa de reinvenção da Brimstone após a empresa se ver no lado errado da política americana. Fundada em 2019, a startup começou produzindo cimento de baixo carbono, reduzindo as emissões em mais de 50% ao trocar o calcário por rochas livres de carbono, segundo Finke. No início deste ano, o governo Trump descartou a empresa como um resquício do foco ambiental da era Biden, cancelando um subsídio de US$ 189 milhões concedido no ano anterior.

Mas a Brimstone, que já captou mais de US$ 80 milhões de investidores como Amazon e Bill Gates, tinha um plano alternativo: aperfeiçoar métodos para produzir aço, magnésio, titânio, alumínio e alumina (precursora do alumínio) a partir de rochas como o gabro.

O alumínio é um dos materiais industriais mais utilizados. Os EUA, que não têm grandes reservas de bauxita (a rocha tradicionalmente usada para produzi-lo) fabricam menos de 17% do que consomem. O titânio é essencial para a indústria aeronáutica. O magnésio é usado em componentes aeroespaciais, automotivos e outros setores críticos. A China domina a produção de todos eles.

“Estamos enfatizando o risco geopolítico na nossa narrativa, porque é isso que faz sentido agora”, disse Finke. A Brimstone, que ainda tem receita mínima, recorre do cancelamento do subsídio, mas adota uma postura pragmática e optou por “resetar” sua relação com o governo Trump.

A empresa ainda precisa provar muita coisa: só conseguiu produzir minerais em laboratório ou, no caso do titânio, apenas no papel. Ainda não tem uma planta em escala industrial nem um cronograma para construí-la. Pesquisas anteriores indicam que algumas formas de produção de metais a partir do gabro e de rochas similares não são comercialmente viáveis, por serem mais complexas, intensivas em energia e gerarem muito resíduo.

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Alguns especialistas são céticos quanto à capacidade das startups resolverem um problema que, em essência, envolve escassez de mão de obra qualificada. “O que nos falta é inteligência real, que são gerações de pessoas que perdemos e que sabiam trabalhar com minerais de verdade”, disse Corby Anderson, especialista em processamento mineral da Colorado School of Mines.

Finke, de 35 anos, que abandonou a faculdade de medicina para trabalhar com tecnologias de tratamento de águas residuais em comunidades da África e da Índia, é idealista quanto aos efeitos mais amplos de materiais mais baratos. Casas e bens básicos, pilares da economia global, ficarão mais acessíveis, afirmou.

“São exatamente essas coisas de que as pessoas mais pobres do mundo precisam para sair da pobreza”, disse.

Do outro lado da baía, na Universidade de Stanford, professores e alunos usam IA para ajudar empresas de mineração a melhorar os resultados de perfuração. Jef Caers, fundador do grupo Mineral-X e ex-integrante de projetos de carros autônomos, disse que as mesmas fórmulas matemáticas usadas para programar veículos autônomos também orientam decisões na exploração mineral.

O fundador de startup e ex-aluno de Stanford John Mern segue caminho semelhante com a Terra AI, que usa inteligência artificial para ajudar exploradores a decidir quando e onde perfurar, fornecendo dados mais precisos sobre o que há no subsolo e sobre a viabilidade econômica do projeto. Cerca de 98% das perfurações acabam fracassando, segundo dados do setor, gerando enormes custos desnecessários e impactos ambientais.

“Ninguém consegue separar o que é bom do que é ruim antes de gastar milhões de dólares no projeto”, disse Mern.

No Reino Unido, a Milvus Advanced usa aprendizado de máquina para criar substitutos laboratoriais de minerais críticos. A fundadora Assia Kasdi compra sais metálicos, dissolve-os em água e os mistura com outros componentes que conferem propriedades desejadas — como durabilidade ou condutividade. O processo resulta em novas ligas que podem imitar platina, prata e índio.

Esforços semelhantes tiveram sucesso na academia e em laboratórios nacionais dos EUA, mas a Milvus é uma rara tentativa de comercializar o processo. Kasdi afirma conseguir produzir essas novas ligas a um custo pelo menos 70% menor do que o preço de mercado. “Essa é a única forma de competir com a China”, disse Kasdi.

Escreva para Heather Somerville em heather.somerville@wsj.com

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